Pesquisadores descobrem pistas sobre origem de misterioso barco escandinavo
Novo estudo revela detalhes do Hjortspring, datado de 2 mil anos, com uma impressão digital humana surpreendente

Quando um navio antigo foi descoberto na Escandinávia há mais de 100 anos, arqueólogos começaram a desvendar gradualmente sua história.
A bordo da embarcação construída com tábuas havia um arsenal de armas — espadas, lanças, escudos e mais — revelando a história de guerreiros que tentaram atacar a ilha dinamarquesa de Als e foram derrotados. Os defensores da ilha afundaram o navio em um pântano, onde permaneceu até sua descoberta e escavação mais de dois milênios depois.
Porém, ainda havia questões pendentes, como a origem dos invasores e quando isso ocorreu. Agora, um novo estudo pode aproximar os cientistas de descobrir a misteriosa origem do famoso barco conhecido como Hjortspring.
As descobertas, publicadas nesta quarta-feira (11) na revista científica PLOS One, fornecem dados de datação por radiocarbono e uma análise do material de construção, sugerindo que o barco viajou mais longe do que se pensava anteriormente.
"Nosso trabalho forneceu uma nova pista importante para o mistério sobre a origem dos invasores do barco", disse o autor principal Mikael Fauvelle, professor associado e pesquisador no departamento de arqueologia e história antiga da Universidade de Lund, na Suécia.
"Durante a Idade do Bronze, os escandinavos precisavam viajar por mar para comercializar cobre e estanho, que eram necessários para fazer bronze e não eram minerados na região nórdica na época", disse Fauvelle por e-mail. "O barco Hjortspring, portanto, representa o resultado final de uma das primeiras culturas marítimas da Escandinávia."
"O estudo do barco nos fornece informações cruciais não apenas sobre a navegação marítima no início da Idade do Ferro, mas também sobre a navegação na Idade do Bronze que a precedeu."
Os pesquisadores também descobriram algo inesperado: uma impressão digital parcial encontrada em fragmentos de alcatrão no barco, que pode ter sido feita por um dos navegadores originais. Segundo Fauvelle, a impressão digital foi um achado raro que poderia fornecer uma ligação direta com alguém que havia utilizado o barco antigo.
Desvendando o passado do barco

Antes de seu naufrágio, o Hjortspring tinha quase 20 metros de comprimento e podia transportar até 24 homens
O barco, atualmente em exposição no Museu Nacional da Dinamarca em Copenhague, é composto por uma prancha de fundo costurada junto a duas pranchas laterais, com uma extensão curva em cada extremidade.
Acredita-se que a embarcação seja a mais antigo preservado construído com tábuas no Norte da Europa e é uma evidência da avançada tecnologia naval da Era do Ferro inicial da Escandinávia, afirmou o coautor do estudo Flemming Kaul, pesquisador sênior e curador das coleções de pré-história do Museu Nacional da Dinamarca.
Logo após a escavação do barco no início da década de 1920, extensivos estudos foram realizados para determinar a origem dos invasores.
Somente em 2024, quando os autores do novo estudo analisaram a calafetagem — material selante que torna o barco impermeável — e cordames (cordas e barbantes) encontrados com o barco, que nunca haviam sido examinados, a primeira nova pista importante em mais de um século foi descoberta.
Anteriormente, presumia-se que a calafetagem era feita com materiais locais, como óleo de linhaça ou sebo (gordura bovina), mas os pesquisadores descobriram que o material consistia, na verdade, em uma mistura de gordura animal e piche de pinho, ou seiva seca de pinheiros.
Durante esse período, a Dinamarca tinha poucas florestas de pinheiros, sugerindo que o barco pode ter sido construído em uma região diferente, como as áreas costeiras ao longo do Mar Báltico, onde havia florestas de pinheiros. Se os guerreiros vieram dessa direção, isso sugeriria que eles percorreram uma longa distância e poderia indicar que o ataque foi organizado e premeditado, de acordo com o estudo.
"A nova descoberta mostra que a tradição marítima escandinava de invasões e comércio, mais famosamente associada à era Viking, tem raízes muito profundas que remontam milhares de anos até o início das Eras do Ferro e do Bronze", disse Fauvelle. "Também mostra que a antiga Escandinávia era uma região muito interconectada. Assim como hoje, os conflitos políticos e alianças transcendiam fronteiras regionais e as pessoas deviam manter contatos entre si por distâncias consideráveis."
Ole Kastholm, especialista em navegação escandinava antiga e pesquisador sênior do Museu Roskilde na Dinamarca, considerou empolgante o uso inesperado de piche de pinho para calafetagem.
Kastholm, que não participou do novo estudo, concorda com a sugestão dos autores de que o barco Hjortspring poderia ter vindo da região do Mar Báltico.
"Temos uma tendência moderna de subestimar as pessoas do passado e suas conquistas — mas elas realmente remavam e navegavam em pequenas embarcações abertas através do Mar do Norte, Skagerrak e Mar Báltico. Isso poderia ter sido feito em canoas monóxilas e em barcos menores construídos com tábuas, como o Barco Hjortspring", disse Kastholm por e-mail.
"O estudo também mostra a importância de preservarmos os artefatos antigos em nossas coleções museológicas", acrescentou. "Quando o Barco Hjortspring foi escavado em 1921, ninguém poderia imaginar que 100 anos depois existiriam diversos métodos altamente especializados capazes de extrair conhecimento até mesmo das peças mais insignificantes da escavação. Esperamos que um dia possamos determinar a origem geográfica exata desta embarcação única."
Descobertas inesperadas no arquivo

Quando os autores do estudo recuperaram os fragmentos de calafetagem do arquivo, também encontraram algumas cordas intactas, uma descoberta inesperada que permitiu realizar a datação por radiocarbono.
Este método moderno de datação não existia na época da escavação do barco, e mesmo após o desenvolvimento da técnica, ela não pôde ser aplicada às tábuas de madeira devido aos produtos químicos utilizados para preservá-las para exposição no museu. Mas, a partir das cordas, determinou-se que a embarcação era do século IV ou III a.C., o que coincide com datações anteriores, observaram os autores.
E então havia a impressão digital parcial do barco, que foi a cereja do bolo, já que "impressões digitais são muito raras para este período e região", disse Fauvelle. Algumas outras impressões digitais foram encontradas em alcatrão, "mas todas vêm de períodos diferentes e contextos muito distintos. Encontrar uma em um barco tão único é extremamente especial", acrescentou.
Embora as novas pistas possam fornecer informações importantes sobre os guerreiros, os autores esperam que pesquisas futuras possam um dia resolver o mistério da origem do navio. Em busca de respostas, eles estão estudando varreduras de raio-X da madeira que podem revelar anéis de crescimento, disse Fauvelle.
Ele também disse que a equipe espera extrair DNA antigo dos resíduos, o que poderia ajudar a identificar a origem dos invasores.
"O barco Hjortspring e o achado Hjortspring (com suas numerosas armas) fornecem evidências sobre conflitos e estratégias durante a Idade do Ferro Antiga no Norte da Europa", disse Kaul por e-mail.
"É importante continuar esses estudos para compreender como a história marítima é uma parte crucial da história (pré-história) do Sul da Escandinávia, onde o mar e os fiordes conectam as terras. E no caso de Hjortspring, pode-se ressaltar que a história marítima é também história naval", acrescentou Kaul. "O controle do Mar Báltico e das rotas (comerciais) era tão importante na Idade do Ferro Antiga quanto é hoje."



