O que Bourdain faria? Como honrar o legado do intrépido viajante
CNN Brasil vai exibir 'Anthony Bourdain', um dos programas de gastronomia e viagem de maior prestígio já produzidos na televisão mundial
A CNN Brasil vai exibir “Anthony Bourdain”, um dos programas de gastronomia e viagem de maior prestígio já produzidos na televisão mundial.
“Anthony Bourdain” é uma produção original da CNN americana e entrará na grade de programação do canal brasileiro em breve. Na versão da CNN Brasil, a apresentação será do chef e apresentador André Mifano.
Desde a morte de Anthony Bourdain, em junho de 2018, viajantes de todo o mundo lamentam a perda de um dos mais talentosos contadores de histórias e embaixadores culturais do mundo.
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Depois de assistir novamente aos programas mais antigos dele, reler seus livros e ensaios e assistir aos últimos episódios de “Parts Unknown”, de que outra forma você pode permanecer no clima de Bourdain? Como se assegurar de que sua visão única sobre viagem (e sobre o mundo) não vai desaparecer?
Do início de carreira nas cozinhas de restaurantes como lavador de pratos até o final, como um dos correspondentes culturais mais influentes do nosso tempo, Anthony Bourdain mudou para sempre a forma como vemos as viagens. Bourdain lançou uma luz cinematográfica sobre a experiência humana em todo o mundo e mostrou a todos nós como simplesmente compartilhar uma refeição com um estranho pode ser uma grande expriência e uma maneira de começar uma conversa.
Ao honrar seu legado, pergunte-se: o que Bourdain faria?
Não siga os passos dele, vá aonde ele não foi
Passeios inspirados em Bourdain – em Nova Jersey, sua terra natal, e no Vietnã, um país que ele amava – podem parecer a pedida perfeita à primeira vista. Mas ele realmente aprovaria? Ou ele encorajaria você a encontrar seu próprio caminho?
Em vez de seguir exatamente os passos de Bourdain, encontre sua própria rota. Explore uma mesa em uma cidade ou país que você ainda não visitou.
Certa vez, o célebre chef admitiu ter um medo irracional do chocolate e da paz da Suíça, por isso evitava esse território neutro que ama o canto tirolês. Mas isso não significa que é preciso seguir o exemplo dele. Por que não tentar encontrar o lado mais caótico e menos açucarado dos Alpes suíços? Bourdain foi a 12 países da África durante as filmagens de “Sem Reservas” e “Parts Unknown”. Explore um dos 42 outros países da África que ele não teve a chance de ver.
Faça perguntas à mesa – e ouça
Largue o telefone, puxe uma cadeira e descubra como são as vidas e as refeições em outra parte do mundo.
Ao aceitar o Prêmio Peabody em 2013, Bourdain compartilhou sua abordagem aparentemente simples para mergulhar em um lugar e permitir que os moradores contassem suas próprias histórias:
“Fazemos perguntas muito simples: O que faz você feliz? O que você come? O que gosta de cozinhar? E em todos os lugares do mundo vamos e fazemos essas perguntas muito simples”, disse o apresentador de viagens, também vencedor do Emmy, sobre seu objetivo de explorar o mundo com a câmera ligada. “Em geral recebemos respostas realmente surpreendentes”.
Antes de sair, faça uma pesquisa para formular suas próprias perguntas importantes quando chegar. Quais são os problemas políticos mais prementes? Com quais questões os habitantes locais estão mais preocupados? Qual o ingrediente especial do molho da casa?
Mas, mesmo que a personalidade ousada e franca de Bourdain fosse conhecida por suas frases improvisadas, o que ele fazia de melhor era ouvir. Quando ele chegou no Irã, um país onde “os norte-americanos provavelmente têm o relacionamento mais contencioso da Terra”, ele não procurou resolver nada ou encerrar tudo de maneira simpática em um episódio de uma hora.
A visita de Anthony Bourdain ao Irã o fez ouvir o povo do país, no esforço para compreendê-los.
Foto: Zero Point Zero
Em vez disso, ele mostrou aos espectadores o que viu, experimentou e ouviu. Ao perguntar aos iranianos quais eram suas esperanças para o país, Bourdain deixou que o povo liderasse o diálogo. Não faça só as perguntas; ouça as respostas.
Mostre a verdade mesmo que não seja fácil
Nos dias de hoje, com a obsessão pelas mídias sociais, as viagens são planejadas nos mínimos detalhes e frequentemente encenadas. Assistindo a Bourdain, você tem a sensação de que ele não gostaria que retratássemos nossas próprias experiências de viagem sob uma luz inautêntica.
“As imperfeições da vida são muito mais interessantes”, disse Bourdain no episódio de Seattle de “Parts Unknown”. E continuou reclamando: “Por que as pessoas postam fotos de comida no Instagram? Para compartilhar sua maravilhosa experiência alimentar? Não. É para fazer as outras pessoas se sentirem mal com o que estão comendo”, comentou o apresentador. “É meio assim, ‘olhe, eu estou comendo esses caranguejos incríveis e você está sentado em casa com a cueca suja comendo Doritos’”.
O legado de Bourdain foi focado em uma honestidade sem barreiras em suas investigações culturais.
Foi essa habilidade de falar a verdade que o impulsionou do anonimato em cozinhas de restaurantes para uma carreira de autor de best-sellers e estrela do rock do mundo da culinária. Depois de publicar em 1999 um ensaio na revista New Yorker intitulado “Don’t eat before reading this”, ou “Não coma antes de ler isto”, contou histórias cruas e chocantes dos bastidores da profissão no livro “Cozinha Confidencial”, expondo as entranhas geralmente sombrias das cozinhas.
Vocês se lembram do episódio de “Parts Unknown” na Sicília, quando Bourdain descobriu que uma viagem para pegar polvo foi encenada pelo chef e pescador? Quando ele descobriu que o “peixes frescos” eram, na verdade, frutos do mar congelados comprados na loja e jogados na água para ficarem bonitos na cena? Bourdain perdeu a cor.
Bourdain não ligava muito para o que não era autêntico. Por isso, a pesca falsa criada na Sicília o irritou.
Foto: Reprodução/CNN
Ver o apresentador de viagem mergulhar em um estupor deprimido depois de um Negroni não foi agradável, mas foi real e, no final das contas, aumentou a confiança dos fãs.
Se quiser compartilhar o espírito de Bourdain de “não fazer mais de um take”, use suas próprias plataformas de narrativa para mostrar representações precisas dos lugares que você visitar. Mostre como é realmente estar em um lugar desconhecido – inclusive os momentos desconfortáveis e não tão fotogênicos quanto aqueles capturados de forma superficial e filtrada.
Procure os pés-sujos e evite os estrelados
Bourdain era um chef de renome mundial, mas orgulhava-se de não cair na cultura alimentar elitista pela qual estava frequentemente cercado. Em vez disso, o ícone da culinária despretensiosa puxava para cima um banquinho de plástico baixo e sorvia uma sopinha caseira ao lado de moradores simples (e, ok, às vezes na companhia do presidente dos Estados Unidos).
Anthony Bourdain e o presidente Obama comeram macarrão juntos no Vietnã.
Foto: Zero Point Zero para CNN
Devore livros e filmes antes de embarcar
Anthony Bourdain passava quase 250 dias por ano na estrada, mas ainda encontrava tempo para aprender sobre a cultura de um lugar antes de chegar, devorando livros e filmes ambientados nos lugares para onde estava indo. Ele foi seduzido pelos encantos de Hanói muito antes de pousar em solo vietnamita graças ao livro “O Americano Tranquilo”, de Graham Greene, e ao filme “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola.
Ele também percorreu os amplos espaços ao ar livre dos Estados Unidos, descritos por seu herói literário Jim Harrison, décadas antes de conhecer o autor de “Lendas do Outono” no episódio de “Parts Unknown” em Montana.
O apresentador mergulhou na cultura de Hong Kong assistindo a filmes de Wong Kar-wai e a clássicos como “Amor à flor da pele”, com direção de fotografia de Christopher Doyle, um herói do cinema que o acompanhou no episódio de “Parts Unknown” em Hong Kong. Mergulhar na arte – seja culinária, literária ou cinematográfica – é apenas uma forma de mergulhar em outros mundos e honrar o legado de Bourdain. (Você pode inclusive fazer uma disciplina na faculdade de cinema baseada em Bourdain.)
Desafie suas noções de lugares desconhecidos
República Democrática do Congo. Haiti. West Virginia. A exploração do mundo de Bourdain o levou a alguns dos lugares mais perigosos, complicados ou incompreendidos do mundo. Lugares devastados pela guerra ou por desastres naturais, ou simplesmente evitados por não estarem na lista de mais estruturados para o turismo. Bourdain procurou mudar as percepções e mostrar o outro lado de lugares frequentemente atormentados por estereótipos.
Questione o que você acha que sabe (seus próprios preconceitos e sua criação), assim como Bourdain fez quando percebeu os resultados complicados da ajuda no Haiti ou quando encontrou apoiadores de Trump em West Virginia.
“Aqui, no coração de cada sistema de crença de que já zombei ou contra o qual lutei, fui recebido de braços abertos por todos”, disse Bourdain no episódio de West Virginia.
Deixe algo bom para trás
Um dos sentimentos frequentemente citados de Bourdain sobre a viagem, deixado no livro “No Reservations: Around the world on an empty stomach” (“Sem reservas: A volta ao mundo com o estômago vazio”, sem tradução no Brasil) diz tudo:
“Viajar nem sempre é bonito. Nem sempre é confortável. Às vezes dói, até parte seu coração. Mas tudo bem. A jornada muda você; isso deve mudar você. Ela deixa marcas em sua memória, em sua consciência, em seu coração e em seu corpo. Você leva algo com você. Felizmente, você deixou algo bom para trás”.
O legado de Bourdain nos inspira a ser melhores viajantes, a compartilhar uma refeição e algo em comum com estranhos e a ouvir o que eles pensam.
Bourdain nos deixou um pouco menos assustados com o desconhecido e um pouco mais animados para explorá-lo e deleitar-se.
Qual será o seu legado? Que bem você deixará para trás nos lugares que visitar?
Kathleen Rellihan é uma escritora e editora de viagens que mora no Brooklyn, em Nova York. Ela se considera sortuda por ter trabalhado no Travel Channel como produtora e editora digital quando Anthony Bourdain fazia programas de TV ali.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).