À CNN, Nobel de Economia critica Trump por usar tarifas como “arma”
Em entrevista exclusiva à CNN Brasil, Joseph Stiglitz disse que o presidente americano “é um bully que acredita ter uma arma, as tarifas”
O economista Joseph Stiglitz fez duras críticas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por usar tarifas como “armas”.
Em entrevista exclusiva à CNN Brasil, o vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2001 classificou Trump como “um bully que acredita ter uma arma, as tarifas”. O economista alertou ainda que o uso desse tipo para as tarifas é prejudicial, ineficaz e sintomático de uma visão distorcida sobre a economia global.
Para Stiglitz, o presidente utiliza tarifas como instrumento de intimidação, mas frequentemente recua diante de respostas firmes.
“A expressão usada é ‘TACO’: Trump Always Chickens Out (Trump sempre amarela, em tradução livre) ”, ironizou o economista, em referência à inconsistência do uso das tarifas e às ironias criadas pelo mercado financeiro americano sobre o fato de Trump frequentemente recuar diante das respostas de outros países e do impacto negativo das tarifas no seu próprio país.
Stiglitz afirma que o uso de tarifas como uma arma política e diplomática não apenas é inócua, mas também pode causar danos maiores aos próprios EUA, como inflação e instabilidade econômica.
Além das críticas que fez a Trump, Stiglitz defendeu a necessidade de criação de um imposto sobre a fortuna dos super-ricos para diminuir a desigualdade no mundo e comentou sobre seu novo livro, Caminho para a Liberdade: Economia e Boa Sociedade.
A desigualdade, segundo ele, leva à concentração de poder e ao autoritarismo, “como podemos ver (nos Estados Unidos)”.
O livro, segundo ele, é uma resposta direta ao fracasso do neoliberalismo e propõe uma alternativa baseada no que ele chama de “capitalismo progressista”, que valoriza igualdade, ação coletiva e freios ao poder econômico.
Stiglitz diz que deve se encontrar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em julho durante uma conferência no Chile e vê a experiência brasileira de redução da pobreza nos dois primeiros mandatos do petista como um exemplo importante de combate à desigualdade.
A conversa com o economista foi realizada antes do anúncio de tarifas do líder americano.
Leia abaixo os principais pontos da entrevista com o Nobel de Economia
CNN Brasil - O senhor publicou, junto com outros seis ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, um artigo na imprensa francesa defendendo o aumento dos impostos para os super ricos. Gostaria de saber por que vocês decidiram escrever esse artigo agora e por que é tão importante ter esse debate agora?
Joseph Stiglitz - Bem, a desigualdade é maior agora. As necessidades são maiores. Ainda há uma guerra em andamento na Ucrânia, os EUA estão abandonando a cooperação global e, portanto, os países europeus precisam pagar mais em defesa. É tão claro que o mundo pós-pandemia tornou os déficits muito maiores que há uma necessidade maior de financiamento. E a desigualdade está crescendo, o que significa que há uma necessidade maior de ação governamental para mitigar as consequências da desigualdade e fazer algo mais a respeito. E é aí que está o dinheiro (com os bilionários). O conceito costumava ser de que tributar os muito ricos não daria muito dinheiro. Isso foi quando eu estava na pós-graduação.
CNN Brasil - Porque havia muito menos bilionários por aí...
Stiglitz - Sim, e eles não tinham tanto dinheiro. Mas hoje, tributar os super-ricos gera muito dinheiro para a sociedade. E pesquisas recentes, pesquisas empíricas, mostram que os muito, muito ricos não pagam a sua parte justa. Eles pagam menos, como porcentagem de sua renda, do que aqueles bem abaixo da faixa de renda. Até mesmo alguns dos muito ricos, como (Warren) Buffett, dizem que é injusto que ele esteja pagando menos impostos do que sua secretária.
CNN Brasil - Mas como um sistema desses pode funcionar, se apenas alguns países aumentariam os impostos dos super-ricos? Não precisamos de um imposto global? Porque, caso contrário, como aconteceu na França, por exemplo, os ricos simplesmente deixariam o país e iriam para a Suíça e outros lugares. O senhor não teme que algo assim possa acontecer?
Stiglitz - Não. Há duas respostas para essa pergunta. Uma delas é que muitos países, como os Estados Unidos e a França, têm o que chamamos de imposto de saída. Você não pode simplesmente sair do país sem pagar algum imposto. E, seja uma fração do seu patrimônio total ou uma contribuição por 10 ou 5 anos, há uma maneira de tributá-los.
A segunda coisa é que muitas pessoas se sentem obrigadas a pagar impostos onde estudaram, onde se beneficiaram de educação, saúde... E, finalmente, acho que os governos têm a capacidade de dizer: se você quiser fazer negócios neste país, terá que pagar impostos aqui mesmo que você se mude.
Portanto, pessoas muito ricas terão que pagar. Você pode dizer: ok, se você quiser fazer negócios na França, por exemplo, a empresa que você possui tem que pagar um imposto como se você fosse o destinatário do dinheiro. Você não pode escapar dessa obrigação mudando-se.
CNN Brasil - Mas você concorda que um imposto global seria mais eficaz ou é demais para sonhar neste momento?
Stiglitz - Sim. Foi incrível termos conseguido que o G20 apoiasse essa ideia de um imposto mínimo de 2% sobre o patrimônio dos super-ricos. Então, ficamos muito satisfeitos que o momento pareça ter chegado. Há um movimento global, mas, sabe, sejamos claros: há países que são paraísos fiscais e não acho que eles vão aderir porque nós os toleramos.
CNN Brasil - E como podemos acabar com eles? Esses paraísos fiscais?
Stiglitz - Podemos dizer que, se você quiser lidar com bancos franceses, americanos, europeus, você tem que tributar os ricos exatamente na mesma alíquota que todos os outros.
CNN Brasil - Essa resolução do G20 que o senhor mencionou foi um passo muito importante. Qual a importância de ter acontecido no Brasil? Que o Brasil estivesse na presidência do grupo. Fez alguma diferença?
Stiglitz - Muita. Quer dizer, não teria acontecido se (o presidente Donald) Trump fosse o presidente (do G20). E o G20 do ano que vem deve ser nos Estados Unidos. Então, não espero que o impulso esteja lá no ano que vem. Mas o presidente Lula estava obviamente muito comprometido em promover a igualdade como uma prioridade do G20. O Brasil era um dos países mais desiguais do mundo e, durante seus mandatos anteriores, ele contrariou a tendência global e o Brasil teve uma redução na desigualdade quando a mesma desigualdade estava aumentando em quase todos os outros países do mundo. Então, ele não apenas tinha uma retórica pró-igualdade, como ele realmente teve sucesso na implementação disso. Mas como essa questão (desigualdade) é tão cara a ele, ele sabe que, embora tenha progredido, ainda há muito a fazer. O Brasil ainda é um país muito desigual. E eu acho que quanto mais países fazem isso, mais apoio dentro de cada país é fornecido. Então, mesmo que não seja feito de forma perfeitamente coordenada, o movimento global ajuda os movimentos nacionais individuais (para tributar mais os ultra-ricos).
CNN Brasil - No fim de semana, tivemos a cúpula do Brics no Brasil. Mas, mesmo antes do evento terminar, o presidente Trump já estava tuitando que aumentaria as tarifas sobre os países do Brics e qualquer outro país que apoiasse políticas antiamericanas, sem explicar o que queria dizer com as tais políticas antiamericanas. O que o senhor acha desse tipo de ameaça, de usar tarifas para punir outros países simplesmente porque eles estão discutindo caminhos políticos alternativos?
Stiglitz - Primeiro, você precisa entender que Trump é um bully. Ele é um bully que acredita ter uma arma. A arma são as tarifas, que ele usa para tudo. Então, se você fizer algo que ele não goste, ele vai te ameaçar com as tarifas. Ele não entende que as cartas nem sempre estão nas mãos dos Estados Unidos. A China sabia disso e respondeu. E então Trump teve que ceder. E isso aconteceu repetidamente. A expressão que você provavelmente ouviu é "TACO" (Trump sempre se acovarda, uma expressão usada nos mercados financeiros para aludir ao fato de que as ameaças de Trump com tarifas inicialmente e depois recuam nas ameaças).
Mas ele usa tarifas cada vez que se acha ameaçado. Agora, uma das coisas que ele vê como uma ameaça é qualquer um que desafie a supremacia do dólar. Ele tem uma visão muito peculiar que quebra qualquer raciocínio: ele quer que o dólar seja a moeda de reserva mundial, mas ele quer um dólar fraco. Porque um dólar fraco significa que nós (os EUA) podemos vender mais. Ele quer que o dólar seja a moeda de reserva, mas as pessoas ao seu redor sugeriram que os países deveriam ser forçados a trocar suas letras do Tesouro por papéis do Tesouro americano de 100 anos sem juros. Isso é um calote. Então, por que você acha que as pessoas teriam confiança no dólar se você propusesse um calote? Então, a ideia de que outros países podem querer não usar o dólar e ter seu próprio meio de troca (para comércio) ele vê isso como um ataque ao dólar e ameaça retaliar com o único instrumento que tem, as tarifas.
CNN Brasil - E isso pode não funcionar. Mas ele é muito bom em ameaçar todo mundo, certo?
Stiglitz - Ele é bom em chamar a atenção. Mas as ameaças repetidas nos últimos seis meses, eu acho, reduziram a credibilidade. E, claro, se ele seguir em frente e fizer isso, causará inflação, causará problemas econômicos nos Estados Unidos, mais nos Estados Unidos do que em outros lugares. E ele pagará um preço. Então, por exemplo, as principais exportações do Brasil são a agricultura. Os EUA não compram a soja de vocês. Os EUA não compram o sorgo de vocês. Então, a questão é que a ameaça afeta setores específicos, empresas específicas, mas no nível macroeconômico, o impacto é muito menor do que ele acredita.
CNN Brasil - Então, é uma ameaça inócua? Quer dizer, não faz sentido usar tarifas contra o Brasil? O Brasil tem um déficit comercial com os EUA. Ameaçar o país com tarifas faria ainda menos sentido, certo?
Stiglitz - O Brasil deveria impor tarifas recíprocas aos Estados Unidos, mas o Brasil foi mais inteligente. Lula é inteligente. Ele sabe que impor tarifas aos EUA prejudicaria o Brasil. Isso significa que o custo do que você compraria ficaria mais alto.
CNN Brasil - Professor, quando você vai ao Brasil lançar seu novo livro, "Caminho para a Liberdade: Economia e Boa Sociedade"?
Stiglitz - Acho que ainda não está marcado, mas vou me encontrar com o presidente Lula em Santiago, em julho (durante uma conferência organizada pelo presidente chileno, Gabriel Boric, para defender a democracia).
CNN Brasil - O senhor poderia resumir quais são as principais ideias do livro?
Stiglitz - Começo explicando que a liberdade é um valor que todos nós defendemos, mas a direita não entende o que a liberdade realmente significa. Tento explicar o que liberdade realmente significa. Por que é necessária uma ação coletiva para promover a liberdade de cada indivíduo e por que o neoliberalismo falhou não apenas em proporcionar liberdade, mas de forma mais ampla, tanto econômica quanto politicamente. E então tento explicar por que minha visão do capitalismo progressista é a resposta.
CNN Brasil - E o senhor poderia resumir essa resposta?
Stiglitz - Bem, o capitalismo progressista é a ideia central do que estamos falando. Trata-se de maior igualdade, maior ação coletiva, uma ecologia mais rica de instituições, algumas que buscam lucro, outras organizações sem fins lucrativos, a sociedade civil, cooperativas... Para diferentes tipos de atividades, são necessários diferentes tipos de arranjos institucionais. São necessárias salvaguardas, freios e contrapesos para garantir que o poder não se concentre. Como está acontecendo nos Estados Unidos agora. Uma das razões para defender maior igualdade é que, quando se tem o nível de desigualdade que temos nos Estados Unidos, atualmente, isso leva a uma concentração de poder. E isso leva ao autoritarismo. Como estamos vendo agora.