Américo Martins
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Américo Martins

Especialista em jornalismo internacional e fascinado pelo mundo desde sempre, foi diretor da BBC de Londres e VP de Conteúdo da CNN; já visitou mais de 70 países

Análise: semana atípica dá respiro a Lula e fortalece diplomacia brasileira

Presidente acertou o tom nas críticas à autocracia da Venezuela e conseguiu capitalizar com o sucesso da viagem de Macron ao país, mesmo com divergências comerciais

Emmanuel Macron e Luiz Inácio Lula da Silva   • Ricardo Stuckert/PR
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A semana que passou foi atípica e excepcionalmente boa, em termos diplomáticos, para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Dois fatores foram fundamentais para isso: o sucesso da visita do presidente Emmanuel Macron ao Brasil e a mudança de posição com relação à autocracia do venezuelano Nicolás Maduro.

Nos dois casos, o tom comedido e tranquilo adotado pelo presidente em suas mensagens foi essencial para reafirmar a autoridade do Brasil como líder da região e fortalecer a diplomacia do país.

Afinal, política e diplomacia devem ser feitas com conversas adultas, sem histerias ou xingamentos. A atual polarização da política brasileira é que nos fez imaginar, mais recentemente, que tudo se resolve na base do confronto e da gritaria.

Lula mostrou o contrário e ganhou muitos pontos com isso, inclusive com diplomatas e observadores estrangeiros.

Ele capitalizou tudo o que pôde com a viagem de Macron. Acertou até no uso de bom humor em resposta a publicações nas redes sociais que falavam de um “namoro” ou “casamento” entre ele e o presidente francês.

Mesmo as divergências entre os dois lados, com Macron se opondo de forma total ao acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europa e criticando o posicionamento do Brasil com relação à guerra na Ucrânia, foram colocadas nas conversas de forma franca, transparente e respeitosa.

Um importante embaixador do Itamaraty disse a este blog que “as divergências entre gente grande são normais, mas o Brasil procurou focar nas convergências com a França, que são muitas”.

Os dois lados assinaram, por exemplo, diversos acordos nas áreas de defesa, meio ambiente e cultura.

Mais importante do que tudo isso, no entanto, foi o fato de a visita de Macron selar definitivamente a reaproximação entre os dois países, cujas relações ficaram muito abaladas durante a presidência de Jair Bolsonaro.

O então líder brasileiro e seu ministro Paulo Guedes chegaram a ofender a esposa do presidente francês em comentários sobre sua idade e aparência. Em uma ocasião, Bolsonaro decidiu cortar o cabelo e deixou o chanceler francês esperando para uma reunião em Brasília.

A fonte do Itamaraty lembra que atitudes como essa isolaram o Brasil na época, fazendo com que poucos líderes tenham visitado o país na gestão Bolsonaro.

Críticas à Venezuela

A mudança de postura com relação à Venezuela também foi muito importante, com Lula criticando pela primeira vez o processo eleitoral pouco democrático do país vizinho.

Ele disse que é “grave” o fato de a representante escolhida pela oposição, Corina Yoris, não ter podido registrar sua candidatura à presidência. Lula lembrou ainda que “não existe nenhuma explicação política ou jurídica” para o seu impedimento.

O embaixador brasileiro também lembrou ao blog que o Brasil participou dos Acordos de Barbados e deu um crédito de confiança a Maduro sem prejulgar suas intenções.

“Mas o prazo para registros de candidaturas era uma data importante, e nenhum regime democrático escolhe quem serão os opositores. Calar não era uma opção, e não calamos”, disse .

Perguntado se as críticas não foram tardias, já que Maduro vem dando claros sinais há muito tempo de que não pretende permitir eleições livres e justas, o embaixador afirmou que a diplomacia e o presidente Lula falaram “na hora certa e com foco”.

Tardia ou não, a fala do presidente foi essencial para reafirmar a liderança do país na região.