Fernanda Magnotta
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Fernanda Magnotta

PhD especializada em Estados Unidos. Professora da FAAP, pesquisadora do CEBRI e do Wilson Center. Referência brasileira na área de Relações Internacionais

Trump e Xi Jinping: no máximo uma trégua

O encontro dos líderes simboliza uma trégua tática entre Estados Unidos e China, útil para conter tensões imediatas, mas incapaz de alterar a rivalidade estrutural que define a relação entre as duas potências

Presidentes dos EUA, Donald Trump, e da China, Xi Jinping, em encontro durante reunião do G20 em 2019, em Osaka, no Japão  • 29/06/2019 REUTERS/Kevin Lamarque
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A poucas horas do encontro entre Donald Trump e Xi Jinping, na Coreia do Sul, paira uma combinação de expectativa e ceticismo. O diálogo entre as duas maiores potências do planeta, que hoje somam mais de 40% do PIB global, continua sendo o eixo central da política internacional contemporânea. Mas, diferentemente de outras cúpulas, o que está em jogo desta vez não é apenas a rivalidade estratégica de longo prazo; é também a capacidade de administrar o curto prazo sem escalar o conflito a um ponto de não retorno.

O primeiro eixo da reunião deve girar em torno de uma trégua comercial cuidadosamente calibrada. Fontes próximas às negociações indicam que Washington estaria disposto a reduzir parcialmente algumas tarifas impostas sobre produtos chineses em troca de medidas concretas de Pequim no controle de precursores químicos usados na produção de fentanil, um tema que combina economia, segurança e política doméstica norte-americana.

Xi, por sua vez, acena com a possibilidade de reabrir parcialmente as importações de commodities agrícolas, sobretudo soja, e de aliviar restrições sobre terras raras, vitais para a indústria tecnológica americana. Nada disso representa um “novo acordo comercial”; trata-se, no máximo, de um recuo tático, orientado a estabilizar os mercados e aliviar tensões políticas em ambos os países. O pano de fundo é o mesmo que marcou todo o relacionamento sino-americano desde a retomada de Trump: uma disputa sistêmica travestida de pragmatismo econômico.

O segundo tema, inevitavelmente, é o da tecnologia. O caso TikTok tornou-se um símbolo da disputa mais ampla por soberania digital e controle de dados. Os Estados Unidos pressionam por um desinvestimento forçado ou reestruturação da empresa sob o argumento de segurança nacional; a China, por sua vez, vê na medida um precedente perigoso de ingerência.

Mais do que um caso isolado, a conversa sobre o TikTok é um sintoma da batalha pelos semicondutores, pelos fluxos de investimento e, em última instância, pela liderança tecnológica global. Se em 2018 a guerra comercial era medida por tarifas e superávits, hoje ela se mede por chips, algoritmos e cadeias críticas. O que se negocia, portanto, não é apenas o preço de exportação, mas o próprio desenho do futuro digital do planeta.

Nenhum diálogo entre Washington e Pequim é completo sem mencionar Taiwan, epicentro estratégico da rivalidade. A China reafirma sua visão de “unificação inevitável”, enquanto os Estados Unidos mantêm a política de “ambiguidade estratégica”, apoiando Taipei o suficiente para conter avanços, mas sem oficializar garantias que possam deflagrar um confronto direto.

O encontro deve incluir discussões sobre mecanismos de comunicação entre as forças armadas e sobre a gestão de incidentes no Mar do Sul da China. Ainda assim, o consenso é que não haverá avanços substanciais nesse tema: apenas o compromisso retórico de evitar escaladas.

A ironia é que, na tentativa de “administrar” a competição, Washington e Pequim acabam reafirmando que ela é permanente. Diante desse cenário, a pergunta que se impõe é: devemos ser otimistas ou pessimistas? O realismo recomenda otimismo cauteloso. Ambos os líderes têm incentivos a exibir moderação neste momento. Trump, em meio à pressão de setores empresariais e às oscilações dos mercados, busca um gesto que demonstre controle e capacidade negocial, traços que sustentam sua narrativa de eficiência. Xi, enfrentando uma desaceleração econômica interna e tensões com aliados regionais, tem interesse em reduzir o ruído externo e preservar margem de manobra.

No entanto, é preciso reconhecer que, ainda que o encontro produza boas fotos e manchetes positivas, a rivalidade estrutural permanece intacta. A desconfiança mútua é sistêmica: abrange não só comércio e tecnologia, mas valores, instituições e visões de mundo. Em outras palavras, é possível conter o atrito, mas não revertê-lo.

Para o resto do mundo e, em particular, para países como o Brasil, o encontro Trump-Xi é um lembrete de que o sistema internacional vive em modo de gestão de risco, e não de resolução. A multipolaridade emergente não substituiu as hierarquias, apenas as complexificou.