Lourival Sant'Anna
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Lourival Sant'Anna

Analista de Internacional. Fez reportagens em 80 países, incluindo 15 coberturas de conflitos armados, ao longo de mais de 30 anos de carreira. É mestre em jornalismo pela USP e autor de 4 livros

Maduro tem de escolher entre riscos de ataque dos EUA e punição

Movimentos de Trump buscam elevar pressão e incentivos para ditador e seus comparsas cederem poder

Nicolás Maduro em Caracas  • 1/9/2025 REUTERS/Leonardo Fernandez Viloria
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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e fontes de seu governo enviaram sinais contraditórios sobre suas intenções táticas em relação à Venezuela, indo de planos de bombardeios cirúrgicos iminentes a invasão por terra, passando por negociações com o regime bolivariano.

A sequência dos acontecimentos aponta para a sensibilidade de Trump com o humor da opinião pública e seus métodos de “escalar para negociar”, manter a iniciativa por meio de oscilações bruscas, empregar o máximo de flexibilidade e deixar as portas abertas para saídas honrosas.

Na manhã de sexta-feira, ataques a alvos militares associados pelos americanos ao narcotráfico, como portos e aeroportos, pareciam iminentes.

Os planos já haviam sido apresentados ao presidente, depois de longas reuniões envolvendo o vice-presidente JD Vance, o secretário da Defesa Pete Hegseth, o chefe do Estado-Maior Conjunto Dan Caine, o secretário de Estado e conselheiro de Segurança Nacional Marco Rubio e o vice-chefe de gabinete da Casa Branca Stephen Miller.

Relatei esse status no videocast Fora da Ordem que foi ao ar entre 13h e 14h de sexta-feira. Precisamente às 13h58, hora de Brasília, a agência de notícias Reuters divulgou pesquisa do Instituto Ipsos, segundo a qual 51% dos americanos se opunham aos bombardeios de embarcações no Caribe e no Pacífico Oriental, e apenas 29% os apoiavam.

A imprensa americana ainda repercutiu ao longo da tarde e noite daquele dia os planos de ataque sobre a mesa do presidente. Ao voar no fim do dia de Washington para a Flórida, Trump declarou que achava que já tinha tomado uma decisão.

No domingo, o presidente declarou que poderia negociar com a ditadura de Nicolás Maduro. Já no dia seguinte, respondendo a uma pergunta de jornalista, disse, pela primeira vez, que não estava descartada uma invasão por tropas terrestres.

Paralelamente, o secretário Rubio anunciou que o “Cartel de los Soles” será classificado no dia 24 pelo Departamento de Estado como organização terrorista estrangeira. O governo americano afirma que o cartel é chefiado por Maduro.

Existem evidências de envolvimento de militares venezuelanos no narcotráfico, e de que o regime faz vista grossa a isso. Mas há sérias dúvidas de que o Cartel de los Soles sequer exista. Segundo Phil Gunson, analista do Crisis Group baseado em Caracas, esse nome foi criado pelos americanos como forma de se referir ao envolvimento do regime com o crime organizado.

A mobilização de navios, aviões e tropas americanas no Caribe, a maior desde a crise dos mísseis de Cuba em 1962, tem o objetivo evidente de pressionar o regime Maduro. A pergunta é: pressionar para quê?

A resposta convencional é incentivar elementos das Forças Armadas venezuelanas a abandonar Maduro. Esse é um cenário pouco provável, considerando os vínculos entre militares e o regime, com base na lucratividade de suas atividades e nos crimes de que são acusados, que selam os seus destinos.

A menção de Trump a negociação dá margem a uma segunda interpretação, de que a pressão seria para arrancar concessões de Maduro em uma negociação. Mas, qual o objetivo dessa negociação?

Não parece haver condições institucionais nem disposição política de ambos os lados para uma transição democrática negociada entre o regime e a oposição. Um processo sério seria longo, e com resultados incertos.

O presidente americano anterior, Joe Biden, tentou algo assim, oferecendo em troca a suspensão do embargo sobre o petróleo venezuelano. Maduro vendeu petróleo por seis meses e não cumpriu sua parte, de permitir eleições justas e livres.

Dessa vez, no entanto, no lugar da cenoura, Trump acena com a vara, por assim dizer, que inclui o USS Gerald Ford, maior porta-aviões do mundo, e seu grupo de ataque de cruzadores, destróiers e submarino.

Os riscos para Maduro e seus comparsas são extremamente altos, nos dois casos: continuar no poder e sofrer os ataques americanos, ou ceder poder e ser presos por quem ocupar o seu lugar.