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    Pedro Côrtes
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    Pedro Côrtes

    Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais renomados especialistas em Clima e Meio Ambiente do país.

    O Brasil está secando

    Nota técnica do Cemaden alerta para o aumento da frequência e intensidade das secas e episódios de estiagem desde 1990. Os eventos se distribuem desde a Região Sul até a Amazônia

    Estudo conduzido pelo Cemaden mostra que estamos literalmente perdendo água desde a década de 1990. Isso se reflete na redução da capacidade de geração hidroelétrica, na menor disponibilidade de água para abastecimento das cidades e nas condições adversas para irrigação de cultivos. O aumento de custos já se verifica em diversos setores da economia.

    Secas mais frequentes e intensas

    O Brasil foi conhecido como um país onde havia fartura de água em praticamente todas as regiões, à exceção da Região Nordeste. O recurso que levou ao crescimento da geração hidroelétrica e impulsionou nossa agricultura, vem se tornando cada vez mais escasso.

    Levantamento realizado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) mostra que desde a década de 1990 o país vem acumulando um déficit hídrico crescente, conforme pode ser visto na próxima figura.

    A Figura mostra a evolução das secas no Brasil (1951-2024). As barras azuis indicam anos úmidos (balanço hídrico positivo), enquanto barras vermelhas representam anos secos (balanço hídrico negativo) • Nota Técnica nº 679/2024/SEI-CEMADEN

    As secas de 2019-2021 e 2023-2024, por exemplo, reduziram de maneira intensa os níveis dos rios na Amazônia e no Pantanal, prejudicando o transporte fluvial em diversas áreas e reduzindo a geração de energia hidrelétrica.

    Na Região Metropolitana de São Paulo, o Sistema Cantareira (principal sistema de abastecimento da região com 20 milhões de habitantes) chegou a níveis críticos em 2001, 2003 e 2014-2015. Em anos recentes, houve seca prolongada em Curitiba e Brasília. Uma longa e intensa estiagem penalizou o estado do Rio Grande do Sul quando da ocorrência do último La Niña, praticamente constante entre meados de 2022 e início de 2023.

    Chuvas amazônicas

    Levantamento do MapBiomas mostra a redução de superfície de água na Amazônia, a partir do início deste século. No Pantanal, a redução é ainda mais evidente. Os dois biomas servem como indicadores da situação hídrica em grande parte do país.

    Os ventos equatoriais, que sopram do Oceano Atlântico de Leste para Oeste, levam umidade para a região amazônica. Essa umidade precipita sob a forma de chuvas, irrigando o subsolo profundo. As grandes árvores, que têm raízes profundas, drenam essa água do subsolo e repõem a umidade atmosférica por meio da evapotranspiração.

    Os ventos continuam soprando de leste para oeste e levam essa umidade para o interior da Amazônia e o processo se repete: chuvas, infiltração no subsolo, evapotranspiração. Quando esses ventos encontram os Andes, uma parte consegue ultrapassar essa barreira, mas uma boa parte faz uma curva e se direciona para as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. As chuvas amazônicas irrigam também o Paraguai, Uruguai e norte da Argentina. É uma influência muito significativa, ou deveria ser. As chuvas amazônicas têm escasseado e isso se reflete em diversas regiões, notadamente no Pantanal, onde a redução da superfície de água é mais evidente.

    Arco do desmatamento

    Na Amazônia, devido à facilidade de acesso, o desmatamento concentrou-se especialmente no leste e no sul do bioma. Formou-se o chamado arco do desmatamento, uma área na qual a cobertura vegetal da floresta amazônica foi substancialmente reduzida.

    Segundo o professor Luiz Marques, da Unicamp, estima-se que um desmatamento entre 20% e 25% poderia levar esse bioma a um ecossistema não florestal (extinção da floresta). As estimativas indicam que a Amazônia já tenha perdido um pouco mais de 20% de sua cobertura florestal, o que já a colocaria em situação de grave risco.

    Esse problema se torna ainda maior com a existência do arco do desmatamento, onde essa redução foi muito superior. Situando-se na fronteira leste do bioma, ele funciona como uma trincheira que impede a recirculação da umidade para o restante da floresta, mais a oeste.

    Consequências

    Os efeitos dessa trincheira já são percebidos com a redução das chuvas e secas mais frequentes na Amazônia. O Pantanal recebe cada vez menos água, seja por conta do desflorestamento da Amazônia, seja por conta do desmatamento no Cerrado.

    Levantamento em pesquisa conduzida por Fernanda Leonardis, no Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP, mostra que diversas usinas hidroelétricas na região central do país têm recebido um volume menor de água (o chamado volume afluente) nos últimos doze anos. Essa água é provida, em grande parte, pelas chuvas que vêm da Amazônia. Essa redução provoca um acionamento mais frequente e duradouro das usinas térmicas, que é a fonte de geração elétrica mais cara no país.
    Além dos impactos na conta de energia, que afeta a todos, há outras consequências. A forte estiagem ocorrida no Rio Grande do Sul, entre os anos de 2022 e 2023, durante um La Niña, foi potencializada pelo déficit de chuvas originárias na Amazônia.

    Planejamento climático

    Além dos efeitos provocados diretamente pelo desmatamento, o país sofre com a crise climática. Eventos extremos se alternam, como a estiagem no Rio Grande do Sul sendo substituída, pouco tempo depois, por uma tragédia provocada pelo excesso de chuvas em maio deste ano.

    Ondas de calor se sucedem, provocam uma maior demanda nos sistemas de saúde e exaurem o abastecimento urbano em diversas cidades. A geração elétrica também passa por estresse. No último inverno, por causa do uso intensivo de ventiladores e condicionadores de ar, o consumo de eletricidade foi muito maior do que o verificado no verão de anos anteriores (período em que o consumo tende a ser elevado).

    Nossa capacidade de planejamento vem sendo testada e precisamos – alerto mais uma vez – substituir a cultura da reação aos eventos extremos pela perspectiva do planejamento e prevenção. O levantamento do Cemaden mostra que não temos mais toda a água que um dia chegamos a ter e há uma tendência clara de redução na quantidade disponível. Não podemos negociar com o clima, mas é possível nos prepararmos para as consequências das alterações climáticas.

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