Aos 95, Fernanda Montenegro estreia leitura que defende o direito de ser mãe (ou não)
Leitura interpretada de Simone de Beauvoir está com ingressos esgotados no Sesc 14 Bis, em São Paulo

Incólume e plena, de conjunto preto e cabelos brancos e volumosos, Fernanda Montenegro desafia o tempo e volta a sustentar o poder de sua voz em sua nova estreia.
O texto que, lido, se converte em pouco mais de uma hora, perpassa pela relação entre um dos maiores ícones do feminismo e um dos mais importantes bastiões do existencialismo.
O tempo todo sentada em uma cadeira, a atriz usa apenas como recursos auditivos o bater da mão na madeira da mesa e sua própria voz. Ao copo de água posicionado no canto da mesa, não dedicou um gole sequer durante toda travessia da história de romance e filosofia.
A estreia da peça, nesta quinta-feira (20/6), lotou o saguão e o teatro do Sesc 14 Bis, antiga sede da Fecomércio, no centro de São Paulo. Na plateia, mulheres que são referências para várias gerações, como Bruna Lombardi (71), Monica Salmaso (53), Maria Prata (44) e Marina Ruy Barbosa (28).
A voz inconfundível de Fernanda não falha um instante sequer, embora demonstre discretamente os impactos da idade avançada. As páginas e páginas de leitura são atravessadas com a cadência que parece ter sido imposta por Simone de Beauvoir ao escrever sobre o romance com Jean-Paul Satre.
O texto passa pela defesa da mulher de escolher ser mãe - ou não -, entre muitas outras bandeiras sustentadas pela professora que virou ícone do feminismo na França e no mundo no século passado. Coincidentemente ou não, a passagem dá sua contribuição sutil para o debate travado nos últimos dias sobre a criminalização do aborto em gestações avançadas.
"O tempo é irrealizável", reproduz Fernanda em uma das passagens do enredo que tem como fio condutor a juventude e a velhice. "Não ficamos velhos num instante, mas a velhice nos chega como uma desgraça. Eu não sou escrava do meu passado, o que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida", declama em outro trecho.
De pé, a plateia entregou à imortal da Academia Brasileira de Letras quase dez minutos de aplausos, entre três movimentos das cortinas abrindo e fechando. De pé, Fernanda agradeceu aos convidados, mostrando total domínio do corpo e da alma que já se tornaram patrimônio do Brasil.
