Análise: O Estado vai ser enquadrado como um devedor contumaz?
Congresso Nacional autoriza contabilidade criativa para governo Lula e permite calote de estados e municípios

Em uma semana em que os olhos do país ficaram voltados ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF (Supremo Tribunal Federal), sem os holofotes, o Congresso Nacional trabalhou. E trabalhou bastante.
Por um lado, o Legislativo avançou no projeto que cria a figura do devedor contumaz.
Por outro lado, a casa também aprovou a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que permite que estados e municípios protelem o pagamento de precatórios e tira da meta fiscal os dispêndios da União com o pagamento das dívidas já transitadas em julgado dos ditames do novo arcabouço fiscal para 2026 — abrindo espaço fiscal em ano eleitoral.
Para os precatórios do Executivo, a partir de 2027 — primeiro ano da próxima gestão — esse gasto vai sendo reincorporado gradualmente na meta fiscal, em parcelas de 10% ao ano até 2036.
Segundo dados do Senado e da Câmara, o total de precatórios da União inscritos para 2026 é estimado em aproximadamente R$ 70 bilhões.
Por outro lado, estados, o Distrito Federal e municípios ficam autorizados a limitar o pagamento anual de precatórios a 0,8% da sua Receita Corrente Líquida (RCL). Esse teto vale até 2028.
Se o ente federativo não pagar todo o estoque de precatórios no limite de 0,8% da RCL, o saldo remanescente pode ser protelado.
Na prática, isso significa que milhares de credores ficarão esperando mais tempo para receber.
E não foi a primeira vez que o estado dá calote em precatórios: a PEC dos Precatórios, aprovada no governo de Jair Bolsonaro em 2021, alterou o regime de pagamento das dívidas judiciais da União para abrir espaço no Orçamento.
O projeto permitiu o adiamento do pagamento integral dos precatórios, empurrando parte dessas despesas para os anos seguintes e criando um limite anual para a quitação. O objetivo declarado era viabilizar o Auxílio Brasil.
Em paralelo, de autoria do senador Efraim Filho (União-PB), o projeto que busca criar um marco legal para enquadrar o chamado devedor contumaz, aquele que faz da inadimplência tributária uma prática deliberada de negócio, e não uma dificuldade momentânea de caixa, foi aprovado pelo Senado.
Segundo estimativas da Receita Federal, cerca de 1.200 CNPJs concentram R$ 200 bilhões em dívidas que distorcem a concorrência. O foco está em débitos tributários acima de R$ 15 milhões e que representem mais de 100% dos ativos totais de uma empresa.
Com o texto, a perspectiva é de que o governo recupere cerca de R$ 30 bilhões em impostos não pagos por essas empresas. A proposta diferencia o inadimplente comum, que pode estar discutindo tributos na Justiça ou enfrentando crise financeira, do contribuinte que adota a sonegação sistemática — a ironia está posta.
Enquanto corretamente busca penalizar aquelas empresas que não cumprem com suas obrigações, o Congresso Nacional autoriza estados e municípios a não cumprirem com suas obrigações e concede um “waiver” para a União lidar com a própria incapacidade (ou falta de vontade) de revisar gastos em ano eleitoral.
O blog já tratou sobre o assunto: desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mais de R$ 320 bilhões já foram retirados da meta fiscal.
Em julho, a Dívida Pública Bruta, que inclui os débitos do governo federal, estadual e municipal, alcançou 77,6% do PIB, totalizando aproximadamente R$ 9,5 trilhões.
No fim das contas, enquanto o Congresso finalmente pune empresas que se organizam para não pagar impostos, dá carta branca para estados e municípios protelarem pagamentos, e permite que a União brinque de contabilidade criativa em ano eleitoral.
O próprio estado é o maior devedor contumaz do país.



