Victor Irajá
Blog
Victor Irajá

Com passagens por Estadão e rádio CBN, foi editor do Radar Econômico, da revista Veja. É especializado em Economia pela FGV e pelo Insper

Reunião com comandantes já constitui tentativa de golpe, diz Reale à CNN

Ex-ministro da Justiça afirma que julgamento no STF traz uma “força simbólica importante”

Compartilhar matéria

Ex-ministro da Justiça, o professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Miguel Reale Jr. afirmou que o simples fato de o ex-presidente Jair Bolsonaro ter se reunido com os chefes das Forças Armadas para discutir alternativas à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva já “constituía uma tentativa de golpe de Estado”.

“Os comandantes do Exército e da Aeronáutica não aderiram ao golpe — a reunião já era uma ação golpista para integrar um grupo contra o tribunal eleitoral”, afirma.

“A higidez do sistema democrático já estava abalada quando o presidente da República chama os chefes das Forças Armadas para organizar um golpe”, afirma ele, à CNN.

“Neste momento, a democracia já estava sob risco”, defende o jurista que foi um dos autores da denúncia que resultou no impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

“Foram conversas do presidente da República com chefes militares, não uma reunião de leigos. Mas de pessoas que tinham elevada responsabilidade”, diz ele.

Segundo Reale, o julgamento de Bolsonaro e outras sete pessoas tornadas réus pela primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (26) traz consigo uma “força simbólica importante”.

“O impacto desse julgamento tem uma força simbólica importante. Não trate-se só levar um ex-presidente ao tribunal, mas ex-ministros da Defesa, comandantes do Exército, da Agência Brasileira de Inteligência. É muito importante simbolicamente para o país que sejam levados ao tribunal com base em uma legislação cunhada, por sorte, num Estado Democrático de Direito”, defende ele.

Ele apontou a importância para o julgamento de a turma ter considerado válida a delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid.

“Foi importante a manutenção da validade da delação, contestar a voluntariedade”, afirma.

“O delator estava acompanhado de seus advogados — o que também aconteceu com diversos delatores da Lava-Jato, que estavam acompanhados de seus advogados. No entanto, na ocasião, o STF declarou inválidas várias das delações”, pondera.

“A delação é uma troca: se traz uma informação, recebe um benefício. Os dois lados tem obrigações e direitos”, afirma.

De acordo com ele, existe materialidade na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) para que os fatos, agora, sejam analisados pelo STF.

“Existem várias provas a serem examinadas, não só a delação”, diz.

“O Procurador-Geral da República deixou claro que era um processo que se desenrolou ao longo de anos com objetivo de deslegitimar o processo eleitoral. Tanto que a intenção era intervir no Tribunal Superior Eleitoral para desconstruir a eleição”, afirma ele.

“Os fatos estão aí para que instaure o processo. Seria impossível não se reconhecer que existem indícios e provas várias de que houve materialidade”, diz Reale.

O jurista Miguel Reale Junior foi da Justiça no governo FHC e se desfiliou do PSDB após o partido ter permanecido no governo Michel Temer.