José Manuel Diogo
Coluna
José Manuel Diogo

O homem de lá e de cá. Presidente da APBRA, diretor da Câmara Luso Brasileira em Lisboa. Professor universitário no IDP em Brasília. Escritor. Especialista em relações luso-brasileiras

Lisboa vira espelho do mundo

Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes na abertura da 12ª edição do Fórum de Lisboa.
Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes na abertura da 12ª edição do Fórum de Lisboa.  • CNN
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Lisboa não sedia apenas um fórum — sedia uma ideia. A ideia de que a língua portuguesa pode ser plataforma de futuro e que Brasil e Portugal, juntos, podem pensar o mundo em voz alta. O XIII Fórum Jurídico de Lisboa, que aconteceu esta semana, é talvez o exemplo mais claro do que deve ser a cooperação entre os dois países: uma aliança intelectual e estratégica, construída com base em respeito mútuo, ambição partilhada e sentido de urgência histórica.

Ali não vi que se trocassem gentilezas — trocaram-se ideias. Juristas, ministros, governadores, académicos e pensadores dos dois lados do Atlântico convergem não apenas para discutir o que está em causa, mas sobretudo para imaginar o que está por vir.

Num tempo em que a democracia se vê sitiada por desinformação, indiferença e plataformas digitais opacas, o Fórum propõe um raro pacto de lucidez. E Portugal, frequentemente enclausurado na prudência europeia, reencontra-se no espelho do Brasil com a coragem de debater.

A cooperação luso-brasileira, tantas vezes reduzida a afetos culturais ou tratados simbólicos, ganha aqui densidade geopolítica. O Brasil muitas vezes oferece o caos fértil das reformas em curso, a prática constante da reinvenção federativa e uma política em ebulição; enquanto Portugal aporta a estabilidade institucional, a matriz jurídica europeia e a arte de mediar complexidade com elegância. Mas o que o Fórum demonstra é que a diferença entre os dois países não é obstáculo — é potência. A assimetria torna-se complementaridade, e a língua, mais do que um elo, é uma alavanca.

O Fórum do ministro Gilmar Mendes, a quem todos carinhosamente designam por Gilmarpalooza, não ensina apenas o que pensar — ensina a pensar junto. Temas como soberania digital, justiça criminal, financiamento da saúde pública, algoritmos e governança global são tratados com coragem e método. A democracia portuguesa — tão sólida quanto conservadora — aprende com o Fórum que escutar a dissonância é um ato de inteligência. Que o conflito não precisa ser evitado, mas administrado com estrutura. Que o futuro exige mais risco do que consenso.

Ao pensar em conjunto, Portugal e Brasil desenham a hipótese de uma nova comunidade lusófona do século XXI: estratégica, conectada, reguladora, capaz de influenciar e não apenas de reagir. E fazem-no sem nostalgia, sem folclore, sem dependência. Fazem-no como parceiros que sabem que, na política internacional, o tempo da língua já não é o passado — é a próxima fronteira.

Porque o que está em jogo não é apenas a cooperação entre dois países irmãos — é a possibilidade de construir, a partir da língua, um centro de gravidade intelectual e político, em que norte e sul se sentam na mesma mesa em pé de igualdade, capaz de irradiar influência, regular o futuro digital, proteger a democracia e antecipar os dilemas que os outros só saberão nomear quando for tarde.

O Fórum de Lisboa mostra que isso é possível. E mais do que isso: mostra que já começou.