Tática de Trump de "atirar no mensageiro" vai piorar a economia dos EUA
Decisões do republicano ameaçam corroer um século de credibilidade estatística da qual a economia global depende

Todos nós já passamos por isso. No meio de um resultado objetivamente ruim, temos a reação impulsiva: culpar outra pessoa! Seu time perdeu o jogo decisivo? Ah, mas os árbitros estavam claramente tendenciosos, e o técnico deveria ter pedido um tempo antes, e você não viu como o outro time estava trapaceando?
Desvie o quanto quiser, isso não vai mudar o placar. Essa é uma lição que o presidente Trump não está disposto a aprender.
Caso você tenha perdido: Trump demitiu a chefe do Bureau of Labor Statistics (Departamento de Estatísticas do Trabalho, na tradução do inglês) na última sexta-feira (1º) porque não gostou dos dados sobre o estado do emprego nos Estados Unidos.
E embora seja tentador ver as palavras Bureau of Labor Statistics e pensar: "Ah, isso parece chato", continue comigo. É difícil exagerar o quão crucial é para empresas e formuladores de políticas terem dados trabalhistas confiáveis disponíveis — e o quanto as ações de Trump ameaçam corroer um século de credibilidade estatística da qual a economia global depende.
“Estatísticas confiáveis e independência das agências andam de mãos dadas”, disse Aaron Sojourner, economista trabalhista e pesquisador sênior do Instituto WE Upjohn de Pesquisa de Emprego, à CNN na segunda-feira (4). “Atacar a independência prejudica a credibilidade das estatísticas.”
Só para enfatizar: as estatísticas federais dos EUA são o padrão-ouro. Se esses dados fossem corrompidos, o jogo seria decisivo — empresas e formuladores de políticas estariam voando às cegas, tornando muito mais difícil prevenir (ou sair) de uma recessão.
E agora, enquanto as tarifas e os cortes nos gastos sociais de Trump afetam os consumidores americanos, precisamos desses dados confiáveis mais do que nunca.
Aqui estão os fatos:
- Na sexta-feira (1º), o BLS mostrou que estamos criando menos empregos a cada mês do que o estimado anteriormente — apenas 106 mil no total nos últimos três meses (em comparação com os cerca de 150 mil mensais que os economistas geralmente consideram saudáveis).
- Os últimos três meses foram, se tirarmos os primeiros dias da Covid-19, os três meses mais fracos de crescimento de empregos desde 2010.
- O desemprego subiu para 4,2% em julho, de 4,1% em junho.
- As revisões dos números de maio e junho foram a grande novidade: o total de maio foi revisado para 19 mil, abaixo da estimativa inicial de 139 mil. Em junho, a economia criou apenas 14 mil empregos, abaixo da estimativa preliminar de 147 mil.
- Essas revisões não parecem boas para Trump, que fez campanha prometendo reduzir os preços e revitalizar o setor manufatureiro dos EUA.
E embora seja natural para um político tentar distorcer notícias ruins ou transferir a culpa, Trump mergulhou totalmente no reino da conspiração quando afirmou que o BLS havia manipulado os registros para fazer o mercado de trabalho parecer pior do que realmente é.
Ele não apresenta nenhuma evidência para essa alegação, porque não há nenhuma. Mas ele demitiu a comissária do BLS, Erika McEntarfer, mesmo assim.
"Na minha opinião", escreveu ele nas redes sociais na tarde de sexta-feira, os números mensais de empregos foram "MANIPULADOS" para prejudicar os republicanos e ele próprio. Mais tarde, disse aos repórteres: "Acredito que os números eram falsos".
Ênfase em "Minha opinião" e "Eu acredito". Porque, como muitos economistas — incluindo vários que trabalharam em governos republicanos e democratas — apontaram, nada no relatório do BLS de sexta-feira era suspeito.
Até mesmo um dos principais economistas da Casa Branca, Stephan Miran, foi à CNBC logo após a divulgação do relatório com uma análise objetiva. As revisões dos números de maio e junho, disse Miran, "não eram o que nós ou qualquer outra pessoa queríamos ver", mas as más notícias podem ser atribuídas a "peculiaridades" sazonais nos dados.
Trump e o assessor econômico da Casa Branca, Kevin Hassett, concentraram suas reclamações nas revisões que o BLS fez nos números de empregos de maio e junho.
Em resumo: o BLS atualizou seus relatórios mensais anteriores com base em pesquisas de folha de pagamento que os empregadores entregaram com atraso. Com mais dados para analisar, os pesquisadores obtêm uma visão mais precisa. Revisões acontecem o tempo todo e, embora as revisões de maio e junho tenham sido historicamente grandes, não foram inéditas.
Trump prefere que os números simplesmente digam o que ele quer do que encarar a realidade de que a economia dos EUA parece estar mais fraca hoje do que quando ele assumiu o cargo em janeiro.
A decisão de demitir McEntarfer "está mais próxima do que se espera de uma república das bananas do que de um grande centro financeiro democrático", escreveu o economista de Harvard Jason Furman no fim de semana. "Isso é ainda mais insensato do que suas outras ameaças de demitir autoridades como Jerome Powell, presidente do Federal Reserve."
Mais insensato, isto é, porque McEntarfer não influencia diretamente a política econômica dos EUA como Powell. Seu trabalho era gerenciar uma equipe de 2 mil pessoas que enviam pesquisas, compilam as respostas e, em geral, medem a temperatura do mercado de trabalho em um ritmo constante. O trabalho delas é colocar um espelho diante da economia e relatar o que veem, sem nenhuma manipulação.
Se você perguntar a um funcionário do BLS se um copo de água está meio cheio ou meio vazio, ele dirá que "é um copo de 240 ml contendo 120 ml de água".
É uma velha piada tão fundamental para a missão do departamento que eles a incluíram na seção "sobre nós" do site oficial do governo.
As pessoas que trabalham no departamento não são palhaços ou fanáticos partidários — são os garotos que terminaram as aulas de estatística no ensino médio e pensaram: "É, vou fazer disso um trabalho" , enquanto o resto de nós deixa palavras como seno e cosseno desaparecerem nos recessos de nossas mentes, junto com a equação quadrática e as conjugações corretas do tempo subjuntivo em espanhol.
Talvez seja por isso que Wall Street não esteja (ainda) em pânico com a demissão de McEntarfer. O BLS é uma instituição tecnocrática com 2 mil funcionários, com processos e procedimentos de décadas de existência que dificultam a distorção dos dados por conta própria.
Mas, como meu colega Stephen Collinson observa, o verdadeiro problema é a mensagem que sua demissão transmite a outros burocratas com consciência cívica. "A mensagem é que você pode querer que esses dados e essas conclusões sejam do agrado de Trump, ou então..."
