Governo aposta em “jabuti fiscal” para retomar ajustes e elevar arrecadação
Estratégia usa projeto sobre bebidas adulteradas para inserir medidas de corte de gastos e recompor receitas, enquanto Fazenda articula mudanças técnicas na Receita e no Tesouro

Para viabilizar a votação do Orçamento do ano que vem, a equipe econômica aposta em frentes que enfrentam resistência no Congresso Nacional, mas são consideradas essenciais para recompor receitas e cumprir as metas fiscais.
A ofensiva política começa com o “jabuti fiscal” — inserção de um tema sem relação direta com o projeto original, usado para acelerar a aprovação de medidas — com a inclusão de diversos pontos da MP (Medida Provisória) 1303 no projeto de lei que endurece punições para adulteração de bebidas e alimentos, relatado pelo deputado Kiko Celeguim (PT-SP).
O texto foi protocolado na Câmara na semana passada e reaproveita trechos de consenso da MP alternativa ao IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), além de incorporar dispositivos de corte de gastos e ajuste fiscal, como:
- endurecimento das regras de compensação tributária, restringindo créditos indevidos e reforçando o combate a fraudes;
- limite às despesas com compensações previdenciárias (Comprev), que passam a observar a dotação orçamentária existente;
- ajustes em programas como o Atestemed e o Seguro-Defeso, com o objetivo de reduzir gastos automáticos e aperfeiçoar o controle de benefícios;
- e autorização para usar economias obtidas com cortes para compensar renúncias de receita, mecanismo defendido pela Fazenda para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
No parecer, o relator afirma que o desequilíbrio orçamentário foi agravado pela caducidade da MP 1303 e que o conjunto de medidas busca “maior racionalidade nas despesas do governo federal”.
A estratégia inclui usar a pauta social e de consumo para garantir a arrecadação federal em 2026, apostando no apelo popular do projeto das bebidas adulteradas.
Para integrantes da base governista, fazer isso dificulta a obstrução da oposição, que tende a evitar voto contrário a uma pauta que protege o consumidor e combate fraudes.
Outras frentes de arrecadação
Além do “jabuti fiscal”, o governo tenta avançar em projetos que ampliam a arrecadação, mas enfrentam resistências no Congresso. Entre as prioridades estão:
- o aumento da alíquota das apostas on-line (bets), de 12% para 24%;
- a tributação de fintechs e instituições financeiras;
- e a revisão dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), proposta que já teve sinal verde da Fazenda.
Essas medidas, segundo integrantes da equipe econômica, podem gerar até R$ 30 bilhões em 2026, valor considerado essencial para fechar o Orçamento dentro do arcabouço fiscal — até porque os valores já constam como dinheiro extra na peça orçamentária.
A estratégia é apresentar projetos de lei para que o Congresso Nacional decida por si avançar com as propostas.
No entanto, segundo apurou a CNN, pode ser que os textos não saiam da Casa Civil pela possibilidade das sugestões da Fazenda serem incorporadas em outros textos em tramitação mais avançados e com maior chance de aprovação, como o relatório de Kiko Celeguim.
O governo enxerga a resistência política, mas o cronograma apertado para a votação do Orçamento do ano que vem gera pressão adicional não só na equipe econômica, que mira um superávit fiscal de 0,25% do PIB, mas também aos parlamentares que precisam destravar o dinheiro para financiar campanhas eleitorais.
Na semana passada, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), cobrou melhor articulação política e afirmou que “a pauta de cortes de gastos é interesse da Casa”, mas reconheceu o atraso na votação da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), cuja tramitação está “bem apertada”.
Fazenda mapeia ajustes técnicos
Além da tentativa de avançar em projetos que elevam a arrecadação, técnicos do Ministério da Fazenda preparam uma série de ajustes administrativos e regulatórios para reduzir brechas tributárias e conter despesas obrigatórias no âmbito da Receita Federal e do Tesouro Nacional.
O foco é endurecer regras de compensação tributária e de créditos fiscais — um dos pontos sensíveis da arrecadação — e avaliar ajustes regulatórios em instrumentos financeiros que possam ser aperfeiçoados por resolução do CMN (Conselho Monetário Nacional).
A avaliação é que essas medidas podem gerar efeito fiscal rápido, sem depender de novas votações no Legislativo, ainda que não resultem necessariamente em aumento de arrecadação.
Pressão do TCU e meta fiscal
O esforço ocorre sob a pressão do TCU (Tribunal de Contas da União), que manteve a permissão para o governo perseguir o piso da meta neste ano, mas sinalizou que a prática será considerada irregular a partir de 2026.
Com isso, o Executivo será obrigado a mirar o centro da meta fiscal, o que deve levar a bloqueios maiores e mais exigência de superávit no próximo exercício.


