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    O que falta para aviões comerciais elétricos decolarem, segundo especialistas

    Motorização elétrica é opção viável para aeronaves comerciais de pequeno porte, mas ainda está longe de ser ideal para aviões maiores e de longo alcance

    Thiago Vinholescolaboração para o CNN Brasil Business , em São Paulo

    De acordo com dados do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), órgão vinculado a ONU, o setor aéreo é responsável por cerca de 2% das emissões globais de dióxido de carbono na atmosfera. Apesar de ser bem menor quando comparado a outros setores – a indústria cimenteira, por exemplo, responde por 8% -, no entanto, as emissões poluentes da aviação agem diretamente nas causas do aquecimento global, lançando os gases do efeito estufa em grandes altitudes e potencializando o fenômeno.

    Com o crescimento das viagens aéreas esperado para os próximos anos, o IPCC estima que a participação do setor aéreo pode chegar a 13% ou mais de participação nessa conta nos próximos 30 anos.

    Para evitar esse cenário, a indústria aeronáutica formalizou um pacto durante a conferência climática COP26, que ocorreu na Escócia em 2021, para neutralizar as emissões do setor até 2050.

    Assim como vem acontecendo no setor automobilístico, uma das formas de reduzir as emissões da aviação é o substituição dos motores a combustão por aeronaves com propulsão elétrica. Os desafios para a evolução dessa tecnologia em aviões, porém, são muito mais complexos comparado aos projetos de carros elétricos.

    “Fabricar avião elétrico ainda é muito difícil, pois a capacidade de armazenamento de energia das baterias é baixa para o uso na aviação. Funciona bem em carros e motos, mas para os aviões ainda não são o suficiente. O que está ao nosso alcance neste momento são os veículos aéreos não tripulados elétricos, os drones. Temos projetos nesse sentido para o agronegócio, por exemplo”, disse Alexandre Zaramella, diretor e fundador da ACS Aviation, em entrevista ao CNN Brasil Business.

    Fabricante de aviões acrobáticos instalada em São José dos Campos (SP), a ACS Aviation foi a primeira empresa brasileira a testar um avião totalmente elétrico nos céus do país, o Sora-e. O primeiro dos 20 voos de testes do aparelho aconteceu em 2015.

    “O voo do Sora-e foi um marco na época. Enquanto outras empresas estavam focadas em pesquisa e desenvolvimento, nós provamos na prática a viabilidade do sistema de motorização elétrica em voo. Fomos os pioneiros nessa área no Brasil”, contou Zaramella.

    “Utilizamos uma plataforma que já estava pronta, o avião acrobático Sora, e adaptamos o motor elétrico. Ainda não é o ideal. Para se tornar um produto comercializável e realmente eficiente é preciso iniciar um projeto do zero, totalmente otimizado para a motorização elétrica. O que fizemos, por ora, foi uma experiência com um avião demonstrador e seus sistemas”, explicou.

    Baterias precisam evoluir

    Annibal Hetem Junior, professor de propulsão aeroespacial da Universidade Federal do ABC (UFABC), afirmou que boa parte dos esforços para tornar os aviões elétricos viáveis recaem sobre as baterias. “Enquanto não existir uma bateria leve e com energia suficiente para sustentar um voo longo, queimar querosene ainda é a forma mais eficiente de voar.”

    “O grande problema das baterias é que elas são pesadas. Dois terços do peso de um telefone celular, por exemplo, vem da bateria. Nos carros elétricos acontece a mesma coisa. Quanto maior for a capacidade da bateria, mais pesada ela vai ser. E na aviação, como sabemos, o peso é um problema. O avião, independentemente do tamanho, precisa ser o mais leve possível. Encontrar o equilíbrio de peso perfeito para os aviões elétricos é o ‘santo graal’ da engenharia aeronáutica”, salientou Hetem.

    Na visão do professor da UFABC, não vale a pena desenvolver um avião comercial elétrico de baixo alcance. “Um carro elétrico com autonomia de 200 km ou 400 km resolve muita coisa, mas esse alcance não é interessante para a aviação. Para ser viável, um avião elétrico precisa ter uma autonomia próxima dos 1.000 km, mas a tecnologia atual não permite isso tudo. Acredito que ainda estamos na metade do caminho para alcançar essa marca. A motorização híbrida-elétrica, por outro lado, é mais acessível e nós já dominamos essa tecnologia.”

    O professor destaque que o maior esforço do avião é durante a decolagem, sendo o momento que ele mais precisa de potência. “Para descer, todo santo ajuda, a gravidade é infalível”. O voo de cruzeiro, em contrapartida, lembra ele, é mais tranquilo e o avião precisa apenas manter a velocidade e a altitude, sem usar tanta potência.

    “Por isso o avião híbrido é interessante. Ele pode decolar usando o motor a combustão e no voo de cruzeiro ele se sustenta com o motor elétrico ou por um sistema híbrido de baixo consumo de combustível”, diz Annibal Hetem Junior.

    Mas será que um avião elétrico pode ser tão veloz quanto um jato? Novamente o peso surge como problema a ser superado para que isso ocorra. “A velocidade de limite de um motor elétrico pode ser até maior que a de um motor a jato. O problema é que quando aumentamos a potência do motor elétrico, também aumentamos a quantidade de energia que ele precisa para funcionar e, de tabela, o tamanho da bateria”, afirma.

    “O avião comercial elétrico é um sonho antigo das companhias aéreas, mas não pelo fator da baixa emissão. O motor elétrico é muito mais simples e barato de manter que um motor a jato”, completa Hetem Junior.

    Embraer no páreo

    Pensando nas mudanças necessárias para descarbonizar o setor aéreo, a Embraer já iniciou seu processo de eletrificação. No ano passado, a fabricante apresentou a Energia Family, uma família conceitual de aeronaves comerciais com foco em sustentabilidade.

    Entre os quatro modelos apresentados, dois deles são propostos com motorização elétrica, o Energia Electric (totalmente elétrico) e o Energia Hybrid (com motorização híbrida-elétrica), ambos para nove passageiros e que devem atingir o ponto de maturação na próxima década.

    A fabricante brasileira também já tem outra iniciativa nessa área. Em 2021, a Embraer realizou o voo inaugural do primeiro avião totalmente elétrico desenvolvido pela empresa, um modelo baseado no avião agrícola Ipanema.

    “Essa aeronave é o que chamamos de ‘demonstrador de tecnologia’. É uma plataforma para aprendizados e desenvolvimento de tecnologias. Não é um produto”, explicou Luis Carlos Affonso, vice-presidente de Engenharia, Desenvolvimento Tecnológico e Estratégia Corporativa da Embraer, em entrevista ao CNN Brasil Business.

    “Estamos aprendendo em todas as fases do projeto com o demonstrador. Aprendemos, por exemplo, a lidar com segurança com a alta tensão das baterias, como é o controle de um motor elétrico, como recarregar as baterias, a gestão térmica das baterias. É um conjunto que vai se somando e lá na frente cada aprendizado será aplicado na construção de um produto, como o eVTOL (aeronave elétrica de pouso e decolagem vertical) da Eve (divisão de mobilidade aérea urbana da Embraer)”, contou o chefe de engenharia da Embraer.

    “Costumamos dizer que a missão define a solução. Um avião elétrico puro jamais será como um jato em termos de capacidade e desempenho. Mas existem mercados que as aeronaves elétricas podem atender, como o transporte aéreo urbano. É uma aeronave de baixo alcance e velocidade limitada, mas que poderá atender essa necessidade. Se o objetivo for um alcance maior ou maior capacidade de passageiros, daí precisamos de outras tecnologias, como híbrido-elétrico ou células de combustível baseado em hidrogênio. É um conjunto de tecnologias que vão permitir a indústria ser sustentável”, explica Affonso.

    O diretor de engenharia da Embraer ainda destacou que o motor elétrico é apenas um dos tantos sistemas necessários para a viabilidade dos aviões elétricos. “Fala-se muito dos motores, mas os sistemas dos aviões elétricos também precisam ser diferentes. O sistema de proteção contra gelo de jatos, por exemplo, usa o ar quente desviado do motor. O ar condicionado também usa o ar que vem do motor. Os freios usam a pressão hidráulica do motor. No avião elétrico isso não é possível, por isso é necessário desenvolver mais uma série de soluções que ainda não existem.”

    “Este é talvez um dos melhores momentos da história para ser engenheiro aeronáutico. É como se estivéssemos voltando para os anos 1920 e 1930, quando os engenheiros ainda estavam definindo qual seria o desenho básico mais eficiente para o avião. Todas essas novas tecnologias de motorização elétrica vão surgir primeiramente em aviões menores, aviões regionais, que é justamente onde a Embraer começou sua história com o Bandeirante. Esse é o segmento da indústria que vai conseguir ser sustentável mais cedo”, finalizou Affonso.

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