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Tarifas "recíprocas" de Trump não são o que parecem; entenda

A metodologia por trás da tentativa do presidente americano de reequilibrar o comércio não tem nada a ver com a tarifa que os países estrangeiros impõem aos EUA

Bryan Mena e Alicia Wallace, da CNN
A metodologia por trás da tentativa do presidente americano de reequilibrar o comércio não tem nada a ver com a tarifa que os países estrangeiros impõem aos EUA  • U.S. NETWORK POOL
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As tarifas massivas que o presidente Donald Trump anunciou para dezenas de parceiros comerciais na última quarta-feira (2) foram apresentadas como "recíprocas", visando simplesmente igualar as tarifas que outros países cobram dos Estados Unidos.

Mas a metodologia por trás da tentativa de Trump de reequilibrar o comércio não tem nada a ver com a tarifa que os países estrangeiros impõem aos EUA.

A administração Trump, em vez disso, fez um cálculo extremamente simplificado que, segundo ele, levou em conta um amplo conjunto de questões como investimento chinês, suposta manipulação de moeda e regulamentações de outros países. O cálculo da administração dividiu o déficit comercial de um país com os EUA por suas exportações para o país, multiplicado por 1/2. Só isso.

O presidente está basicamente usando um marreta para lidar com uma lista de queixas, usando o déficit comercial que outros países têm com os EUA como bode expiatório. E o cálculo vago pode ter amplas implicações para países dos quais os EUA dependem para obter bens — e para as empresas estrangeiras que os fornecem.

“Não parece ter havido nenhuma tarifa usada no cálculo da taxa”, disse Mike O'Rourke, estrategista-chefe de marketing da Jones Trading, em nota aos investidores na quarta-feira. “A administração Trump está mirando especificamente em nações com grandes superávits comerciais com os Estados Unidos em relação às suas exportações para o país.”

Os números reais provavelmente estão mais próximos da “taxa tarifária média aplicada pela Nação Mais Favorecida (NMF)”, que é essencialmente um teto de impostos de importação que mais de 160 nações da Organização Mundial do Comércio concordaram em cobrar umas das outras, embora possam variar por setor. E para países com acordos comerciais em vigor, pode haver tarifas menores ou nenhuma.

Trump frequentemente diz que sua política comercial está enraizada em um lema simples: "Eles nos cobram, nós cobramos deles". Acontece que não é tão simples assim.

“Muitas das questões que o governo destacou, com as quais está preocupado, não são realmente sobre tarifas”, disse Sarah Bianchi, estrategista-chefe de assuntos políticos internacionais e políticas públicas da Evercore ISI, na última quinta-feira (3), durante um painel de discussão organizado pela Brookings Institution.

A suposta resposta de Trump às barreiras não comerciais

As tarifas NMF surgiram de negociações entre os membros da OMC na década de 1990, quando a organização foi fundada.

A taxa NMF da União Europeia é de 5%, mas o governo Trump disse que é mais próximo de 20% porque "as exportações dos EUA sofrem com as regras alfandegárias desiguais e inconsistentes" na zona do euro e porque "as instituições em nível da UE não fornecem transparência na tomada de decisões", disse o gabinete do Representante Comercial dos EUA.

Enquanto isso, a taxa tarifária MFN do Vietnã é de 9,4%, de acordo com os dados mais recentes de 2023, mas o governo Trump elevou esse número para 46% devido a barreiras não comerciais, de acordo com um relatório do escritório do USTR divulgado esta semana. Barreiras não comerciais podem incluir cotas de importação e leis antidumping que visam proteger as indústrias nacionais.

A principal autoridade comercial do Vietnã chamou na quinta-feira a nova tarifa de Trump sobre o país de "injusta", apontando para a taxa MFN.

Índia e China também têm algumas barreiras não comerciais, observou Sung Won Sohn, professor de finanças e economia na Loyola Marymount University e economista-chefe da SS Economics. Por exemplo, a Índia tem medidas sanitárias para importações agrícolas e a China tem subsídios estatais favorecendo empresas nacionais, escreveu ele em comentário emitido no início deste ano.

Mas o “Dia da Libertação” ainda não era a abordagem correta para lidar com medidas não tarifárias de outros países, disse Joe Brusuelas, economista-chefe da empresa de insights de mercados RSM, em uma entrevista à CNN.

“Se você olhar para a fórmula que a Casa Branca apresentou para como eles estabeleceram os novos níveis tarifários, eles não tinham nada a ver com barreiras não tarifárias”, disse ele, acrescentando: “Pareceu-me um esforço improvisado para punir países por terem grandes superávits comerciais com os Estados Unidos."

A balança comercial bilateral que os EUA mantêm com outros países, disse ele, é “simplesmente uma função de poupança e gastos nos Estados Unidos”.

Os déficits comerciais não são uma emergência

Em uma ligação com repórteres na quarta-feira, um alto funcionário da Casa Branca se referiu aos déficits como uma emergência nacional que deve ser abordada para manter fábricas e empregos nos EUA.

Mas é algo terrível que países tenham tais déficits com os EUA? Não necessariamente.

Muitos países têm déficit comercial com os EUA, de acordo com dados comerciais. O país têm US$ 230 bilhões a mais em importações do que exportações para a UE, e quase US$ 300 bilhões a mais para a China.

“Quando vou à loja e compro mantimentos com dinheiro, tenho um déficit comercial com meu supermercado, mas isso significa que estou pior? Obviamente não”, disse John Dove, professor de economia na Troy University, à CNN. “Esses são bens que eu quero, e não preciso fornecer um bem ou serviço recíproco em troca. Isso não é necessariamente uma coisa boa ou ruim. É apenas uma realidade.”

Ainda assim, a administração Trump apontou tarifas destinadas a consertar déficits comerciais como uma fonte potencial de receita governamental para pagar a dívida nacional e financiar cortes de impostos. Mas essa é uma aposta arriscada que pode se provar desastrosa se os países se unirem para retaliar.

“O problema mais preocupante é que essas tarifas generalizadas incentivam nossos parceiros comerciais a revidar,” afirmou Dove.

Se outros países renegociarem suas próprias políticas comerciais, os EUA "poderiam muito rapidamente acabar em uma situação em que teriam 25% da economia mundial contra os outros 75%", disse ele, "e posso dizer quem sairá na frente nisso".

David Goldman, da CNN, contribuiu para esta reportagem.

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