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    Nos 5 anos da morte de Belchior, entenda por que os jovens redescobriram o músico

    O cantor cearense morreu no dia 30 de abril de 2017, aos 70 anos, mas suas músicas - muitas delas gravadas nos anos 1970 - reverberam até hoje

    Artur Nicocelida CNN , em São Paulo

    Este sábado, 30 de abril, marca os cinco anos da morte de Antonio Carlos Belchior, cantor cearense envolvido em diversas polêmicas sobre seu desaparecimento e conhecido por escrever músicas de cunho social, que questionavam os anos 1970.

    Nos últimos anos, suas músicas foram redescobertas por uma nova geração de fãs, principalmente após a interpretação de artistas como Los Hermanos e Emicida, a volta do Vinil e o contexto político-econômico atual.

    É o que dizem especialistas ouvidos pela CNN.

    O professor Ivan Vilela, da Universidade de São Paulo (USP), acredita que todas as músicas do disco “Alucinação”, lançado em 1976, se destacam porque, à época, ele era um jovem nordestino inconformado com o preconceito e com dificuldades de aceitar “a realidade opressora de uma elite que oprime historicamente as classes subalternas”. Vilela afirma que Belchior propunha mudanças para o mundo.

    “Tanto que, em sua música ‘Apenas Um Rapaz Latino-Americano’, ele questiona o posicionamento de Caetano Veloso achar tudo maravilhoso no Brasil, quando diz: ‘Mas trago de cabeça uma canção do rádio; em que um antigo compositor baiano me dizia; tudo é divino tudo é maravilhoso’”.

    Belchior, que morreu no dia 30 de abril de 2017, aos 70 anos, deixou uma extensa trajetória musical, com dezoito discos lançados. Confira abaixo, uma lista de motivos que tentam analisar o porquê que Belchior não desapareceu do imaginário e dos ouvidos dos jovens.

    Demanda da sociedade

    Para o professor Paulo Niccoli, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o cantor é um grande representante da cultura popular brasileira e tem em suas raízes canções que buscam abraçar demandas da sociedade que, consequentemente, reverberam a um engajamento político.

    “Belchior reaparece em um momento em que passamos por muitas mazelas, que se intensificaram na pandemia”, diz. Ele cita como exemplo a alta taxa de desemprego, além dos casos de racismo e homofobia.

    “A cultura popular [assim como as músicas do cantor cearense] tem uma memória e um censo crítico de não aceitar a realidade”, diz o professor, que afirma que Belchior é utilizado como “instrumento por movimentos sociais para angariar ambições políticas”.

    Na mesma linha, o professor Ivan Vilela declara que as músicas do cantor continuam mostrando temas atuais. “Mesmo ele sendo dos anos 1970, o tempo passou e nós só incorporamos tecnologia: a mentalidade é a mesma. Então, sempre será interessante. Ele (Belchior) fala de coisas que são necessárias”.

    “A música popular tem essa característica cronista de narrar a realidade.”

    Estilo musical

    Viela acredita que existe uma diferença com as músicas atuais porque Belchior tem um estilo muito particular de escrever e se expressar. Alexandre Matias, jornalista do site “Trabalho Sujo” e curador de música, concorda e destaca também que a principal característica do cantor é o timbre vocal: “Ele se inspirava no Bob Dylan”, conta.

    “A música do Belchior é universal e tem um apelo desse porte. Belchior faz parte da geração de ouro da música popular brasileira”, comenta Matias.

    De acordo com o Spotify, as músicas mais ouvidas de Belchior atualmente são:

    • Sujeito de Sorte – 21 milhões de vezes ouvidas
    • Apenas Um Rapaz Latino Americano – 20 milhões de vezes
    • Coração Selvagem – 14 milhões de vezes
    • Alucinação – 13 milhões de vezes
    • Comentário a Respeito de John – 7 milhões
    O musico Belchior, em maio de 1984 / Rolando de Freitas Estadão Conteúdo

    Entre os fãs das melodias de Belchior hoje há jovens como a estudante de medicina Anna Carolina Rinaldo, de 23 anos, que conheceu o cantor ao ser apresentada à música “Divina Comédia Humana”, que “fez completo sentido” em sua vida.

    Geração diferente de Elaine Cristina, advogada trabalhista de 53 anos que, desde a adolescência, quando “teve maturidade suficiente para entender a conexão que o músico faz com a realidade”, ouve suas canções.

    Para ela, a melhor música é “Alucinação”. “Mesmo sendo escrita sob um contexto caótico de ditadura militar, ainda hoje se faz atual”, diz.

    “Belchior era um poeta solitário que retratava os seus dilemas cotidianos e que se encaixavam perfeitamente nos nossos. Ele se faz interessante justamente por essa conexão e por trazer uma consciência questionadora, reflexiva e realista do momento”.

    Elaine Cristina

    Já a pastora Livia Martins, de 25 anos, costuma colocar as músicas do cearense em seus sermões, especificamente “Sujeito de Sorte”. Ela conta que optou pela canção devido ao impacto poético, e gosta de “colocar referências que as pessoas podem reconhecer, isso torna a mensagem mais acessível e de fácil entendimento”.

    Lívia coloca a música no meio da pregação, “de uma forma que pareça fluir com o resto do sermão”. Especificamente o trecho: “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.

    Ela diz que as pessoas se sentem acolhidas.

    Cultura popular x cultura das massas

    O professor Niccoli afirma que existe mais um movimento pelos jovens terem interesse na música de Belchior: a diferença entre a cultura popular e a cultura das massas.

    Segundo ele, a cultura das massas atende apenas aos interesses mercadológicos, em que as letras não tem aprofundamento ou engajamento político, “transformando a música em mercado”. E Belchior “promove um movimento de contracultura”, com letras que debatem – de forma profunda – sobre amor e questões sociais.

    “É por isso que a obra inteira dele diverge de grande parte do que é produzido hoje. Quando a batida do som parece ser mais importante do que as próprias letras.”

    Novas vozes

    Emicida teve um papel importante na propagação de um trecho da música “Sujeito de Sorte”, ao incluir, em 2020, a estrofe na faixa principal do seu disco “Amarelo”, interpretado pela cantora Majur.

    Porém, o jornalista do site “Trabalho e Sujo” e curador de música, Alexandre Matias afirma que o “rapper surfou em uma onda”. “Quando Emicida usa um trecho, essa onda de volta do Belchior já está rolando”.

    Matias conta que em 2002, há 20 anos, surgiu um movimento pela procura dos discos de vinil e “Alucinação” – assim como outras produções de cantores como Tim Maia e Caetano Veloso – foi redescoberta. “E esse encontro do público com o primeiro disco de Belchior, fez com que as pessoas parassem para ouvir ‘Sujeito de Sorte’”.

    “Foi um movimento de resgate de obras esquecidas com o tempo. Tanto que, logo em seguida, outros discos ganharam o status de obras-primas”, diz.

    Antes disso, Matias comenta que as pessoas conheciam principalmente – e quase que apenas – as músicas “Medo de Avião”, “Como Nossos Pais” e “Apenas um Rapaz Latino-americano”.

    Também em 2002, a banda Los Hermanos regravou “À Palo Seco”. E, segundo o curador, se esse movimento de regravação não tivesse existido, talvez Emicida não tivesse incluído um trecho de Belchior em sua música.

    Outro artista que também canta as músicas de Belchior em seu show é Tim Bernardes, de 30 anos, vocalista da banda Terno. Em suas apresentações solo, o músico canta “Paralela”.

    Sobre o futuro

    O especialistas divergem se os jovens continuarão ouvindo Belchior nos próximos anos. Enquanto Matias afirma que não dá para saber o que pode acontecer, os professores da FESPSP e da USP dizem que enquanto houver jovens querendo mudanças, ainda haverá fãs do cantor.

    “Diante de um país que sofre com questões econômicas, as músicas do cearense deverão se perpetuar como fonte de engajamento”, diz Niccoli. “Outras músicas ainda devem ser regravadas para resgatar a memória de Belchior.”

    No cenário artístico, o cantor Fagner lançará em maio um disco de músicas inéditas escritas por ele e por Belchior na época da ditadura e que acabaram sendo retidas pelo Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS.

    O álbum será lançado pela gravadora Universal e conta com músicas novas e participações especiais. Uma delas é “Alazão”, escrita por Fagner, Belchior e outro compositor cearense, Fausto Nilo.

    Já “Bolero em Português” tem a voz de Ivete Sangalo, que foi convidada por Fagner para colaborar. O cantor Frejat, que emprestou seu estúdio para as gravações, também participa do disco.

    À CNN, Fagner afirmou que “Belchior será lembrado por muito tempo, até porque vivemos uma escassez de qualidade”.

    Cantor Fagner e Belchior / Arquivo Pessoal

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