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À CNN, Garry Kasparov abre o jogo sobre xadrez, política, IA e até futebol

Ex-enxadrista russo foi campeão mundial e quer se tornar uma voz ainda mais ativa para as novas gerações

Guilherme Xavier, da CNN
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Garry Kasparov é um dos maiores nomes da história do xadrez. Campeão mundial entre 1985 e 2000, o ex-atleta sempre teve opiniões controversas, lutou contra as políticas de federações e, após sua aposentadoria, se tornou uma voz importante no cenário político, não apenas da Rússia, mas do mundo.

O enxadrista aposentado também foi um dos pioneiros na implementação da Inteligência Artificial no xadrez, especialmente com suas exibições amistosas contra os supercomputadores. Se o esporte intelectual mudou para o lado contemporâneo, passou muito pelos experimentos do russo.

Kasparov esteve no Brasil para prestigiar o Grand Chess Tour, um dos torneios mais importantes da temporada que tem a assinatura do campeão mundial desde sua concepção, e concedeu uma entrevista exclusiva à CNN Brasil.

No papo, a lenda do xadrez abriu um pouco da sua vida — no tabuleiro ou não.

Ficha técnica

  • Nome: Garry Kímovich Kasparov, nascido como Garry Kimovich Weinstein
  • Idade: 62 anos (13 de abril de 1963, em Baku, União Soviética)
  • Profissão: ex-jogador de xadrez e ativista político

A entrevista exclusiva da CNN com Garry Kasparov

Grand Chess Tour e a nova geração do xadrez

“A ideia foi baseada em ter um circuito internacional que não esteja envolvido nas políticas da FIDE (Federação Internacional de Xadrez). Eventualmente, conseguimos ter sucesso nisso tudo, graças ao grande doador de Saint Louis e depois que fizemos uma turnê na Europa, ganhamos o apoio da Superbet na Romênia.

Conseguimos criar uma base muito importante para o Grand Chess Tour, no Atlântico, na Europa e nos Estados Unidos. Estou muito feliz que estamos expandidindo para o Sul, penso que é uma grande oportunidade para a América do Sul conseguir viver de perto esses grandes eventos do xadrez.

Não é um acidente que seja em São Paulo também, muitos acreditam que seja o centro comercial do continente. Considerando o interesse dos patrocinadores, que estão expandindo muito aqui no Brasil, criando uma tradição aqui.

Sempre pensamos que, para tornar mais interessante, teríamos que adicionar a final nesses moldes, com quatro jogadores. Caso contrário, quando se tem diversos eventos, a final pode acabar perdendo o interesse. Com o mata-mata, finais, com quatro jogadores, é isso que mantém as coisas interessantes."

Kasparov deixou a Rússia há mais de uma década com medo de perseguição • Johannes Simon/Getty Images
Kasparov deixou a Rússia há mais de uma década com medo de perseguição • Johannes Simon/Getty Images

"Magnus Carlsen é o melhor do mundo"

"Tenho que ser muito cauteloso na resposta. Muito respeito para todos eles, são todos muito condecorados. O Magnus Carlsen, na minha visão, é o melhor do mundo atualmente, mas o Gukesh é o campeão do mundo.

Nenhum dos dois conseguiu um espaço nessa final, mostra como o Grand Chess Tour é um evento que tem suas próprias valências, ser o campeão do mundo não te garante um espaço entre os quatro melhores.”

Problemas com a Federação Internacional de Xadrez

“Eu tenho muitos arrependimentos sobre minhas decisões do passado, não acho que seja interessante, para mim, pensar nesses problemas. No fim do dia, temos que pensar sobre o equilíbrio em nossas vidas.

A minha vida tem um balanço positivo, eu acho, estou feliz com o que fiz. Errei, tive meus percalços, mas o resto da minha vida foi boa. Eu falei sobre as políticas da vida porque penso que não podemos ficar reféns dessas complicações políticas.

Quando observamos os experimentos mais bem sucedidos, como a Copa do Mundo de Xadrez, no fim dos anos 1980, o primeiro Rapid Chess Tour, em 1994, ambos feitos pela Associação dos Grandes Mestres. Já temos 10 anos do Grand Chess Tour.

Não queremos tanta gente envolvida nas políticas dos nossos torneios. Se tivermos patrocinadores fortes e um time melhor, podemos fazer um trabalho melhor do que se formos arrastados por discussões políticas.”

O futuro do xadrez

“O xadrez está crescendo. Fico muito feliz que muitos jogadores jovens estão se apegando cada vez mais ao esporte. Naturalmente, a Índia tem sido uma força dominante e não acho que seja por acidente. É um trabalho contínuo.

Para que um país avance no xadrez, você precisa de números, a Índia é o país mais populoso do mundo, então ponto para eles, você precisa de tradições no xadrez, você precisa de um modelo, o ex-campeão do mundo Vishy Anand, e você precisa de uma infraestrutura para trazer os mais jovens e para que os pais também observem o xadrez como uma oportunidade.
Garry Kasparov, lenda do xadrez

Não sei se por lá é uma instituição privada, mas pode ser, na minha época na União Soviética ou na China atual tudo era dominado pelo Estado. Assim, a linha de talento não vai ser quebrada.

Ver as crianças pequenas tentando se tornar o Anand, o Pragg, o Gukesh, é importantíssimo e garante estatisticamente que o talento continue chegando. É tudo sobre oportunidades, é uma busca massiva pelo network e entender o talento no xadrez.

Me mostra que o xadrez está em ótimas mãos. É um pouco triste que ao olhar para a Europa, ou a América, digo os Estados Unidos e América do Sul, e não ver nenhum talento do mesmo calibre, mas é explicável.

Você não precisa inventar nada, em muitos países o xadrez não é visto como um jogo prático para os mais jovens. Nos Estados Unidos, o número de crianças que estão sendo mandados para centros de xadrez é mínimo quando se compara a Índia, por exemplo.

É importante citar que os principais talentos da América no xadrez são de origem asiática, chineses ou indianos. Isso mostra que existem alguns aspectos sociais no esporte, nessa disparidade.

Espero que, em algum momento, o número de competidores jovens aqui na América do Sul aumente, especialmente no Brasil. Os números estão aqui, mas você ainda precisa de um modelo, de infraestrutura e tradições no país.

As crianças do Brasil, especialmente os meninos, pensam em outros esportes, tem outra ideia de sucesso.”

Garry Kasparov foi derrotado em uma partida de xadrez pelo computador Deep Blue em 1997 • Foto: Divulgação/Game Over: Kasparov and The Machine
Garry Kasparov foi derrotado em uma partida de xadrez pelo computador Deep Blue em 1997 • Foto: Divulgação/Game Over: Kasparov and The Machine

Crescimento da IA no xadrez e pioneirismo

“Não demorou muito para que eu entendesse o quanto isso se tornaria uma via de mão única. As máquinas têm progresso constante.

Além da minha partida contra a Deep Blue, em 1997, tive outras duas partidas não tão populares contra duas outras IA's bem fortes, uma da Alemanha e outra de Israel, e empatei as duas, em 2003.

Eu sabia que era uma corrida contra o tempo. No fim das contas, o xadrez não tem solução matemática, as possibilidades que um movimento abre são grandes demais para qualquer cálculo.

Para que as máquinas dominem qualquer esporte que tenha fins intelectuais, elas não precisam solucionar o jogo, mas sim cometer menos erros. Os humanos estão propensos a errar, até os melhores de nós.

Eu pensei na minha teoria de xadrez avançado, combinando a máquina com o ser humano, em 1998. Já reconhecia que o xadrez poderia se tornar um campo muito promissor, como se fosse um laboratório, a fim de entender o quanto podemos chegar com essa união entre homem e máquina.”

Eu sou um jogador de xadrez amador agora, para mim, eu só quero me divertir mesmo. Acho que é correto me chamar de amador, porque eu não sou mais um jogador de xadrez profissional. Profissional significa se preparar. Eu jogo contra o Vishy Anand, nos divertimos em uma partida de lendas, mas ele ainda está muito envolvido no xadrez. O xadrez é a vida dele. Para mim, o xadrez representa apenas uma pequena parcela da minha vida, especialmente olhando para frente. Eu estou bem cético quanto as minhas chances contra o Vishy, talvez ele finalmente tenha a vingança dele depois de tantas derrotas para mim antes (risos)
Garry Kasparov, lenda do xadrez

A rotina de um profissional do xadrez

“Eu sinto que precisamos desapegar das coisas na vida. Quando eu parei de jogar xadrez, em 2005, nos anos seguintes, eu queria me manter em boa forma. Por isso, fiquei tão feliz em poder trabalhar com Magnus Carlsen, com o Hikaru Nakamura, mas não foi um sentimento duradouro.

A minha mente já estava trabalhando numa direção diferente. Eu ainda gosto de jogar bons jogos, não torneios. Posso jogar tão bem quanto qualquer um se minha mente estiver funcionando da maneira correta, se estiver em um bom dia.

Nesse momento, sinto que ela está pensando em outras coisas, distraída com outras questões. Sinto que hoje estou mais para os momentos de sorte do que para o processo de ser um jogador de xadrez. Não é só a idade, você usa a sua concentração, mas se temos outros problemas, acabamos perdendo o foco.”

O esporte que mais gosta fora do xadrez

“É o futebol. Eu conheço vários clubes aqui. Se não me engano, em 1996, assisti a uma partida no Rio de Janeiro, Vasco da Gama contra o Botafogo. Eu assisti todas as Copas do Mundo desde 1970. Tenho várias memórias de diversos eventos no mundo do futebol.

Minha primeira grande memória foi a vitória do Brasil por 4 a 1 sobre a Itália na final de 70, o gol que o Pelé fez logo no início, de cabeça. O gol do Carlos Alberto eu também me lembro. Aquele time era incrível
Garry Kasparov, lenda do xadrez

Também assisti à Copa de 2022. Como cidadão croata, senti muito orgulho nas últimas edições porque tivemos campanhas fenomenais, especialmente se tratando de um país pequeno. Dois bronzes e uma prata.

Hoje em dia, estou mais enferrujado, mas se tiver uma excelente partida passando, de alto nível, eu paro para assistir, mas não estou acompanhando muito ultimamente.”

Peça favorita no xadrez

“Não. A melhor peça de xadrez é a que vale mais no momento em que é usada”

Magnus Carlsen ou Garry Kasparov

“Difícil responder. Depende muito da sua geração e experiência. É o mesmo que perguntar se você prefere Maradona ou Messi. Fica ao seu critério.”

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