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Lucelmo Lacerda

Lucelmo Lacerda- Professor universitário, historiador, psicopedagogo e pesquisador

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Abril Azul: o que as pessoas com Autismo realmente querem da sociedade brasileira?

Conscientização do Autismo  • Divulgação
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O dia 2 de abril é celebrado como o Dia Internacional de Conscientização sobre o Autismo. Com a programação estendida para todo o restante do mês, a data virou o movimento conhecido como Abril Azul. É por isso que talvez você passe em frente a algum monumento ou empresa de sua cidade iluminados com a cor azul, usualmente utilizada para se fazer referência ao Transtorno do Espectro do Autismo - TEA.

Para quem vive o Autismo na pele, por ser alguém com esta condição, ou ter um filho ou um irmão com esta condição, este é o tema da vida, das conversas com os amigos, os assuntos da terapia e das postagens na internet. Para quem, como eu, vive o Autismo, abril não é um mês em que falamos mais do assunto, mas é o mês em que a sociedade para para ouvir o que temos para dizer e isso é muito bom!

O Transtorno do Espectro do Autismo – TEA é uma condição que afeta 1 a cada 44 pessoas, segundo dados do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA. Ela é diagnosticada por meio de avaliação clínica, com observação e testagem comportamental e não por exames laboratoriais, o que torna muito difícil o acesso – exigindo uma ampla gama de profissionais e com bastante expertise.

Quem fecha o diagnóstico é o médico, normalmente neuropediatra, mas é fundamental a avaliação de profissionais da psicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, entre outros, eventualmente.

Pessoas com Autismo têm prejuízo clinicamente significativo na comunicação social e apresentam padrões fixos e repetitivos de comportamentos, que podem ser mais leves, moderados ou severos, exigindo progressivo apoio da família e da sociedade, especialmente nos campos da saúde, educação e mercado de trabalho.

Pessoas com Autismo podem ter um diagnóstico estável já a partir de 1 ano e 2 meses e, quanto mais precoce a intervenção, mais efetiva ela é, de modo que o diagnóstico mais cedo possibilita (ao menos em tese) o acesso aos tratamentos com melhor evidência científica, que são baseados em uma ciência chamada Análise do Comportamento Aplicada – ABA.

O diagnóstico precoce também possibilita o acesso às estratégias escolares com as melhores evidências científicas, que podem incluir diferentes tipos de procedimentos. Essas pessoas também terão uma probabilidade maior para conquistar apoio em termos de organização social da vida da família, passando por jornadas de trabalho menores para cuidadores, programas de acessibilidade ao emprego e, eventualmente, residências assistidas.

Todos esses apoios necessários ainda estão muito longe de estarem acessíveis para as pessoas reais no Brasil. O SUS, por exemplo, não oferece os tratamentos com evidência para o Autismo, exceto em algumas experiências-piloto no país, limitando-se normalmente a alguns atendimentos esparsos, cujo efeito é exatamente igual a zero.

A educação do país, já é apontada por muitos como uma tragédia, mas quando falamos de Educação Especial, o desastre é ainda maior. Isso porque nenhuma estratégia com evidência é utilizada nas salas de aula, quase nunca são feitas avaliações individualizadas e adaptações necessárias, previstas no Plano Educacional Individualizado. Plano esse que poderia muito bem ser considerado um integrante do folclore brasileiro, como o Curupira ou o Boitatá, já que existe apenas num universo imaginário.

Para que esta realidade mude, a sociedade precisa ouvir as demandas dos autistas e suas famílias para muito além do Abril Azul. Ela deve olhar essas reivindicações nas propostas dos candidatos a prefeito, a governador, a presidente e usar as propostas voltadas para as pessoas com Autismo como parte das motivações para escolher um representante.

A sociedade precisa considerar essas políticas como tema pertinente na luta por direitos, seja na vida real e em nossa militância digital. É preciso fomentar os debates sobre esses direitos nas conversas de botequim e no bate-papo animado dos ambientes de trabalho. Para que as pessoas com Autismo tenham suas necessidades atendidas, precisamos pintar o ano todo de Azul.

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