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Fábio Zacharias

Fábio Zacharias- CEO da PROTESTE I Euroconsumers-Brasil

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Nós somos o propósito

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A frase acima foi o mote de nossa participação no Web Summit Rio, maior evento de tecnologia já realizado no Brasil, que reuniu empresas de diversos portes – desde startups até gigantes do mercado, conhecidas como big techs. Mas por que a PROTESTE, uma organização brasileira de origem europeia, dedicada à informação e defesa dos interesses dos consumidores, participaria de um evento dessa natureza?  E qual seria a razão para a escolha da referida frase?

Ultimamente, a palavra "propósito" tem se destacado nas nuvens de tags das redes sociais e mesmo em publicações, tanto as dirigidas ao bem-estar dos indivíduos quanto às direcionadas ao chamado público corporativo. Especialistas em branding e marketing festejam o emprego do velho vocábulo e justificam que estabelecer uma “razão para existir” faz com que a marca seja única, além de criar diferenciação das concorrentes e alavancar o seu potencial competitivo. Nesse sentido, as “marcas sem um propósito definido” precisariam resolver este problema urgentemente, senão estariam fadadas ao insucesso.

No entanto, em nosso entendimento, essa premissa é falsa. Observamos que as empresas que se propõem a definir o seu propósito acabam apresentando afirmações, também conhecidas como social and sustainability claims, sobre como combatem as mudanças climáticas, protegem o meio ambiente, promovem a diversidade e a inclusão ou solucionam problemas estruturais como o acesso à educação ou à saúde. Centenas, milhares de empresas, dos mais variados setores de atividade, possuem posicionamentos idênticos. Embora essas questões, ou CAUSAS, como preferimos chamá-las, sejam essenciais no cenário atual, não são em si o propósito das organizações.

Parece até uma certa maldade dizer-se, por exemplo, a uma fábrica de sapatos, tocada pela terceira ou quarta geração da família do seu fundador, que essa empresa não tem um propósito – e que, portanto, dezenas ou centenas de pessoas lá trabalharam durante um século sem saber qual era a sua razão de existir e atuar. Resolvemos, assim, romper o silêncio e afirmar que, por mais incrível que possa parecer, o propósito da tal fábrica de sapatos é……produzir sapatos! Isso porque as pessoas necessitam de sapatos e também os desejam, sendo o desejo algo que pode ir além das necessidades básicas. Esse é o estímulo (lembre-se da lição básica de economia, segundo a qual os agentes de mercado se movem a partir de estímulos) e o sentido que movem um investidor e um empreendedor a produzirem sapatos. A sociedade os quer e os deseja. Dessa forma, uma empresa só existe se houver quem demande os seus produtos ou serviços, ainda que estes sejam desconhecidos antes de seu lançamento.

Agora que expliquei o significado que tem para nós a afirmação "nós (os consumidores) somos o propósito", quero mencionar também que, segundo pesquisas internacionais da mais alta seriedade – tais como a The Global CEO Study, da IBM – os consumidores são o público de interesse que mais contribui para os processos de inovação das empresas, respondendo por três vezes mais ideias concretizáveis que as universidade e o dobro em relação aos próprios departamentos de P&D. Assim, inovar é, antes de tudo, conhecer, ouvir e respeitar os consumidores. Também no que diz respeito à governança das companhias, em nada adianta incluir, de forma quase aleatória, nos conselhos consultivos e deliberativos, participantes que representem diversas minorias. Tal prática parece mais um processo de check list de ESG. Uma vez que o fundamental (e propósito) de todo e qualquer negócio, ou seja, o próprio consumidor, não esteja incluído nessas instâncias de governança, qualquer iniciativa será incompleta e, possivelmente, pouco produtiva. Tão natural quanto a presença de quem financiou o negócio, deve ser a presença do ator para o qual o negócio se destina, o consumidor, obviamente.  Até porque, dentre os consumidores haverá pessoas que representam diversas dessas minorias, cuja presença deve ser, sim, assegurada.

No momento em que as empresas amadurecerem esses entendimentos –  e note-se que está em nosso DNA trabalhar com elas também, justamente pela relação de interdependência que mantém com os consumidores –, aí sim, iremos além do marketing social e teremos representações não apenas legítimas, mas que, de fato, contribuam para a inovação e o desenvolvimento dos negócios. Do design de produtos e serviços até as formas de atendimento e solução de problemas no pós-venda, tudo poderá ser mais sustentável, consciente e socialmente justo quando o ator indispensável para qualquer empresa for, finalmente, chamado para a conversa.

 

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