Lágrimas não significam que Kim Jong Un está amolecendo
Ao mesmo tempo que chora em discurso, o líder da Coreia do Norte apresenta armamentos poderosos em parada militar

Em 10 de outubro, Kim Jong Un – o notório ditador da Coréia do Norte – se tornou um dos poucos líderes mundiais a chorar publicamente, enquanto pedia perdão a seu povo pelas dificuldades que tiveram que enfrentar neste ano.
Apenas em 2020, não é?
Kim fez seu ‘mea culpa’ no aniversário de 75 anos da fundação do Partido dos Trabalhadores da Coreia, o partido comunista que comanda a Coréia do Norte desde seu início.
Ele agradeceu aos norte-coreanos por sua “grande perseverança” e por depositar sua confiança no partido. Os elogiou por como eles “bravamente superaram dificuldades e provações” neste ano.
E então, foi tomado pela emoção quando agradecia aos membros do exército do país pela superação de dois desastres – a epidemia e as chuvas que atingiram o país no verão.
Depois, o regime exibiu seu aparelhamento militar avançado, incluindo o que parece ser um dos maiores mísseis balísticos do planeta.
Todo o evento, que foi editado para a transmissão, parecia ser uma produção bem feita, com aviões caça passeando pelo céu noturno e soldados marchando em uníssono.
O tom ameno do discurso de Kim – que teve pouco da retórica explosiva que apresentou nos últimos anos, e em nenhum momento se referiu aos Estados Unidos – comparado à parada militar em si, parece contraditório, mas esses extremos resumem bem o ano de 2020 na Coréia do Norte.
A nação de Kim está em uma encruzilhada. As armas nucleares e programas de mísseis balísticos de Pyongyang fizeram progressos consideráveis sob o comando dele.
Diplomaticamente, ele também entregou promessas – desenvolveu uma relação pessoal com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e reconstruiu a amizade com a China, o maior patrono econômico dos norte-coreanos.
Mas para um líder que se vende como “um homem do povo”, sua promessa de melhorar as vidas de todos os norte-coreanos permanece sem solução.
O lado vulnerável de Kim
O pedido de desculpas de Kim e seu cortejo emocionado ao militarismo não são totalmente fora do personagem que ele construiu.
Domesticamente, o jovem líder da Coreia do Norte é pintado como um homem do povo, mesmo que venha de uma família que é idolatrada com fervor religioso.
Kim mantém uma agenda ocupada e pavimenta os caminhos ao interagir constantemente com cidadãos comuns, sorrindo a seu lado e até mesmo abraçando alguns – um contraste relevante com seu pai recluso, e antecessor, Kim Jong II.
Também ao contrário de seu pai, Kim se permite admitir fracassos em todas as áreas, desde lançamentos de satélites até programas econômicos, e aprender com seus erros.
Apesar de ter um custo na imagem do mito da infalibilidade da família Kim que a mídia estatal do país vem refinando há décadas, isso ajuda a alimentar a figura de um homem mais moderno e um líder mais ágil.
Chorar em público, entretanto, era um nível de vulnerabilidade que Kim ainda não havia atingido.
John Delury, professor da Escola de Relações Internacionais da Yonsei University, afirma que acredita que a decisão de Kim em compartilhar uma emoção tão crua está enraizada na confiança que tem no cargo.
“É um estilo político. É uma forma de populismo para se conectar com o público – para mostrar que ele sente profundamente o sofrimento deles, que ele se importa”, disse Delury.
Se a população norte-coreana acredita que ele é sincero, é uma pergunta em aberto. Retratações públicas são uma coisa, mas a tradição midiática estritamente controlada de Pyongyang não tolera divergência.
Kim é acusado de fazer vista grossa para uma rede de prisões políticas que encarcera mais de 100 mil pessoas em condições aterrorizantes.
“Desde o primeiro dia de governo, ele promete desenvolvimento econômico”, afirmou Delury. “Ele pediu desculpas por falhar nesse quesito ano após ano...e ainda não desistiu da promessa.”
Enquanto muitos culpam o comando ineficiente da economia da Coréia do Norte pelo fracasso em melhorar o padrão de vida no país, as sanções impostas como punição à Pyongyang por seus programas de armas nucleares e mísseis balísticos tornaram quase impossível para a nação melhorar suas perspectivas econômicas.
A busca incansável de Kim por armas nucleares e mísseis balísticos é vendida aos habitantes como formas de reforçar sua segurança, mas eles são os verdadeiros pagadores das contas.
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‘Nunca subestime a Coreia do Norte’

Os armamentos demonstrados no dia 10 de outubro demonstraram que a Coreia do Norte continua aplicando esforços no desenvolvimento de utensílios de guerra avançados.
Apesar de o país ter mostrado instrumento tradicionais impressionantes, o ponto alto da parada foram os armamentos estratégicos: dois mísseis balísticos colocados à mostra perto do fim.
Um deles tinha um desenho semelhante ao de mísseis disparados por submarinos e o outro, era um enorme míssil balístico de alcance intercontinental. O último – que aparenta ser um dos maiores mísseis já construídos – é provavelmente a nova “arma estratégica” que Kim prometeu em janeiro que revelaria em 2020.
Especialistas afirmam que o design da arma parece tecnologicamente similar ao Hwasong-15, um míssel intercontinental de grande porte lançado em teste pela Coréia do Norte em novembro de 2017.
A maioria concorda que o acréscimo no tamanho do míssil pode servir para carregar múltiplas ogivas, o que facilitaria uma ameaça aos sistemas de defesa de mísseis dos Estados Unidos.
Pyongyang também exibiram o que aparenta ser novos e maiores veículos desenhados para transportar os mísseis intercontinentais, o que em teoria tornaria mais difícil que adversários pudessem interceptá-los antes do lançamento.
A conclusão final da exposição militar é clara: a Coreia do Norte está trabalhando intensamente no avanço das armas, ainda que tenha diminuído os testes que provocavam Washington.
“Nunca subestime a Coreia do Norte. Eles estão constantemente trabalhando para aumentar sua capacidade de defesa”, disse Melissa Hanham, uma especialista em mísseis na Fundação do Futuro One Earth.
“Quanto mais deixarmos a porta aberta, mais tempo eles terão para desenvolver um programa de armamento nuclear.”
Mesmo que um oficial dos EUA tenha afirmado que a decisão da Coréia do Norte de desenvolver um novo míssil intercontinental era “decepcionante”, exibir essas armas em uma parada governamental foi uma das maneiras menos provocativas de mostrá-las de forma doméstica e internacional.
Lançá-las em testes poderia provocar uma resposta dura de um presidente americano notoriamente reativo, em meio à uma campanha eleitoral.
Quando perguntado na quarta-feira (14) sobre os mísseis, o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, destacou esse ponto: uma parada não é uma demonstração das capacidades da arma, e desde o encontro com Trump, Kim Jong Un não testou mais mísseis de longo alcance.
Evans Revere, especialista e ex-membro do Departamento de Estado, afirmou que a retórica mais branda de Kim, quando justaposta à exposição das armas deixa claro que “Kim Jong Un entende que a essência do acordo que tem com Trump não permite que ele teste esses mísseis e nem armas nucleares”.
“Além disso, o presidente Trump deixou claro que ele não está incomodado com testes de menor escala ou desenvolvimentos que estejam ocorrendo na área nuclear”, disse Revere.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês)