Análise: Trump mantém obsessão por Biden e o culpa por problemas dos EUA
Presidente americano continua criticando seu antecessor e sucessor, mesmo após deixar o cargo, atribuindo a Biden desde crises na agricultura até a guerra na Ucrânia

Parece que faz uma eternidade desde que o ex-presidente dos Estados Unidos Joe Biden estava no Salão Oval, tamanha é a turbulência e transformação desencadeadas desde que ele voltou para a cidade de Delaware.
Mas uma pessoa em Washington mantém obsessão pelo 46º presidente — seu antecessor e sucessor.
Donald Trump raramente aparece em público sem reclamar das políticas de Biden ou sem lançar insultos sobre sua capacidade mental ou física.
Sua postura revela uma profunda antipatia pessoal e política em relação a um antecessor que já deixou o cenário político.
Também se baseia nas falhas de Biden, especialmente sobre o aumento de migrantes na fronteira sul e um legado de preços elevados ao consumidor.
No entanto, a deterioração da própria posição política de Trump levanta questões sobre a viabilidade a longo prazo de sua estratégia focada exclusivamente em Biden. Afinal, o ex-presidente já fez sua corrida política. Trump agora está no poder. E os eleitores ainda não estão satisfeitos.
"Herdamos uma bagunça total da administração Biden", disse Trump na segunda-feira (8), abrindo um fórum sobre seu pacote de resgate de US$ 12 bilhões para agricultores.
Sua própria guerra tarifária com a China tornou o resgate necessário, mas o líder republicano culpou Biden por problemas na agricultura.
"Tudo é culpa de Biden"
Problemas na indústria automobilística? Culpe Biden, como Trump fez na semana passada, dizendo que estava oficialmente encerrando os padrões de eficiência de combustível "ridiculamente onerosos" de seu antecessor, introduzidos para combater as mudanças climáticas, uma crise que o atual presidente ignora.
E quanto à guerra na Ucrânia que Trump prometeu encerrar em 24 horas?
Isso também é culpa de Biden, diz o presidente americano, já que a Rússia nunca teria invadido em 2022 se ele ainda estivesse no cargo.
"Foi a guerra de Joe Biden, não minha guerra", disse ele ao programa "60 Minutes" em novembro.
O presidente americano tem enfrentado críticas devido à crise de acessibilidade. Mas ele insiste que Biden causou isso. "Herdei a pior inflação da história", disse ele na semana passada em uma reunião de gabinete.
"Ninguém podia pagar nada". O nome de Biden foi mencionado mais de 30 vezes, demonstrando que os subordinados de Trump sabem que existe uma maneira garantida de agradar ao chefe: culpar seu antecessor.
Após dois membros da Guarda Nacional serem baleados em Washington, DC, no mês passado, supostamente por um afegão que trabalhou com a CIA durante a guerra mais longa dos EUA, Trump atribuiu a culpa à retirada caótica do Afeganistão orquestrada por "um presidente desastroso, o pior na história do nosso país".
Embora o suposto agressor tenha chegado aos EUA durante o governo Biden, ele recebeu asilo no segundo mandato de Trump.
E o líder republicano ignorou as críticas de que expôs tropas da Guarda Nacional ao enviá-las para cidades americanas.
Quando Trump foi criticado por perdoar um ex-presidente hondurenho que cumpria pena federal de 45 anos por tráfico de drogas, ele alegou que a condenação foi uma "armação de Biden".
Uma obsessão pessoal — e comparação

Por que Trump não consegue deixar Biden em paz? Um motivo é que ele sempre precisa de um antagonista. Sua busca por dominância depende de constantemente atacar adversários. E ele não consegue deixar ressentimentos de lado.
A antipatia do líder republicano por seu antigo rival também parece genuinamente pessoal.
Talvez não seja surpreendente, já que ele culpa o democrata por orquestrar as acusações criminais que enfrentou após seu primeiro mandato. No entanto, Biden sempre insistiu que o Departamento de Justiça e promotores locais agiram sem consultar a Casa Branca.
O presidente americano também está cruelmente preocupado com a capacidade física e mental do ex-presidente de 83 anos dentro e fora do cargo.
No sábado (6), Trump relembrou uma partida de golfe com Gary Player, nove vezes campeão de torneios importantes.
"Ele tem 90 anos... fez 70 pontos comigo outro dia. Estávamos jogando bem distante também. Ele é incrível. Você acha que Biden conseguiria fazer isso? Acho que não, ele nem consegue levantar um taco", disse o líder.
Aos 79 anos, Trump é orgulhoso e vaidoso quanto à sua crença de que está em melhor forma que Biden.
Mas sendo novamente o homem mais velho a fazer o juramento inaugural e tendo observado Biden envelhecer visivelmente no cargo, será que um calafrio de medo também não perpassa os pensamentos do presidente?
Ocasionalmente, Trump demonstra melancolia sobre sua mortalidade, mesmo insistindo que está em forma quase sobre-humana.
"Avisarei quando houver algo errado. Isso vai acontecer com todos nós. Mas agora, acho que estou mais afiado do que há 25 anos. Mas quem diabos sabe?", disse ele na reunião do Gabinete na semana passada — durante a qual pareceu cochilar.
Uma coisa que Trump não pode culpar Biden

Existe outra possível raiz para a obsessão do presidente americano por Biden. A vida é difícil como presidente em exercício.
O histórico de Biden está sujeito a críticas. Mas as políticas de Trump agora estão causando seus próprios danos.
Apesar da recusa obstinada do presidente em acreditar, as tarifas aumentam os custos para os consumidores. E a relutância do presidente em igualar os vastos pacotes de armas e munições de Biden para a Ucrânia explica em parte por que a Rússia sente que tem o luxo de continuar em guerra.
Os eleitores agora procuram respostas de Trump, não de Biden. Afinal, foi ele quem criou uma imagem distópica de uma América assombrada pela miséria e violência e prometeu "Só eu posso consertar isso" em 2016.
Ainda assim, a retórica mais extrema de Trump contém um grão de verdade. Se a presidência de Biden tivesse sido um sucesso retumbante, ele não estaria no cargo agora.
O estado de negação do ex-presidente sobre uma crise migratória e um pico de inflação teve um papel crucial na decisão de muitos eleitores de dar a Trump uma segunda chance na Casa Branca.
E a decisão do ex-presidente de buscar um segundo mandato, apesar de sua idade avançada, culminou em uma performance desastrosa no debate que o levou a abandonar sua campanha e uma sequência de eventos que resultaram na reeleição de Trump.
O líder republicano está longe de ser o primeiro presidente a culpar um antecessor.
Toda a presidência de Biden, especialmente durante seus primeiros meses sombrios durante uma pandemia, foi uma repreensão implícita a Trump. Ele culpou o desastre da retirada do Afeganistão no cronograma de seu antecessor.
E ele baseou sua fracassada tentativa de reeleição em um alerta de que o retorno de Trump abalaria a alma da América.
O presidente Barack Obama transformou em arte a prática de culpar seu antecessor, o presidente George W. Bush, pela crise financeira que enfrentou em 2009.
Ele manteve essa narrativa durante sua campanha de reeleição. "Nos certificamos de fazer tudo o que podíamos para sair desse buraco incrível que herdei", disse Obama em 2012.
O jogo de empurra nunca termina
O vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, antecipou um possível tema de campanha para a administração, enquanto tenta desafiar a gravidade política antes das eleições parlamentares do próximo ano, ao tentar transferir a culpa pela crise do custo de vida.
"A farsa é a ideia de que a culpa é nossa e não dos Democratas. E eu realmente acho que essa é uma narrativa completamente absurda", disse ele em entrevista à NBC na semana passada.
Mas o problema para a administração é que os eleitores — que diferentemente de Trump vivem no presente — não estão comprando essa narrativa.
Em uma pesquisa da Fox News no mês passado, 62% dos americanos disseram culpar Trump pelas condições econômicas atuais, enquanto 32% culparam Biden. A taxa de aprovação de Trump está em 39% na média das pesquisas da CNN.


