Bolívia vota em segundo turno para presidente pela primeira vez na história
Disputa tem candidatos da direita e colocará fim a quase 20 anos de hegemonia da esquerda no poder
Mais de 7,5 milhões de bolivianos são esperados nas urnas neste domingo (19) para votar, pela primeira vez na história do país, em um segundo turno de eleições presidenciais.
O pleito também é histórico por marcar o fim do ciclo político de quase 20 anos de governo do partido MAS (Movimento ao Socialismo), fundado pelo ex-presidente Evo Morales (2006-2019).
A disputa deste domingo se dá entre Rodrigo Paz, candidato do Partido Democrata Cristão, que surpreendeu ao sair vitorioso do primeiro turno com 32,02% dos votos, e o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga, da Aliança Liberdade e Democracia, que obteve 26,70% na votação de 17 de agosto.
Apesar de ambos os candidatos serem de direita, há diferenças entre suas propostas para dar fim aos anos de projeto político do MAS, sob os governos de Morales e Luis Arce, que está no fim do seu mandato.
Quiroga, de 65 anos, presidiu o país entre 2001 e 2002, após a renúncia do ditador Hugo Banzer, de quem era vice.
De direita, ele defende contrair um empréstimo imediato do Fundo Monetário Internacional e de outros organismos para lidar com a escassez de divisas.
Ele defende diminuir a quantidade de instituições estatais, e propõe um esquema de “propriedade popular” de empresas públicas. A ideia é dar ações das principais companhias estatais para todos os bolivianos maiores de idade, para que a população receba dividendos.
Já Paz, de 58 anos, é filho do ex-presidente Jaime Paz Zamora, ex-prefeito do município de Tarija e atualmente senador.
Ele propõe um “capitalismo para todos” e define seu projeto político como de “centro”. No seu plano de governo, está previsto o congelamento de atividades de todas as empresas estatais deficitárias, e de contratações pelo Estado.
Para a falta de divisas do país, ele propõe a reorganização de finanças públicas e afirma que não irá endividar a Bolívia para que o dinheiro do FMI fique com os poderosos, em vez de ser destinado a pequenos investidores.
Intenção de voto

O mais recente levantamento eleitoral coloca Quiroga como favorito para vencer o segundo turno. A última pesquisa Ipsos-Ciesmori para a rede de televisão Unitel coloca o ex-presidente na liderança, com 47% das intenções de votos, 7,7 pontos percentuais à frente de Rodrigo Paz, com 39,3%.
Segundo a pesquisa, no entanto, 5,5% de eleitores ainda estavam indecisos, 3,5% pretendiam votar em branco e 4,7% votar nulo.
A última pesquisa da Captura Consulting também coloca Quiroga na dianteira das intenções de voto para o segundo turno, com 42,9%, a 4,2 pontos percentuais de distância de Paz, que aparece com 38,7%.
De acordo com este levantamento, divulgado pela emissora Red Uno em 10 de outubro, 10% dos entrevistados estavam indecisos, 5,8% pretendiam votar nulo e 2,6% planejavam votar em branco.
Os institutos de pesquisa do país, no entanto, foram colocados em xeque no primeiro turno, quando não previam Rodrigo Paz, que liderou a votação, entre os candidatos com mais intenções de voto.
Principais desafios do próximo presidente
O futuro presidente da Bolívia não terá uma tarefa fácil, principalmente para corrigir os fortes desajustes na economia. No primeiro semestre deste ano, o país teve a primeira recessão em quase quatro décadas, com uma taxa negativa de crescimento de 2,4%.
Com uma produção de gás em declínio - a atividade extrativa geral do país caiu 12,98% no segundo trimestre -, o país tenta lidar com uma grave escassez de dólares, que impacta fortemente o preço dos produtos e o abastecimento de combustível, quase todo importado.
Filas quilométricas já são parte do cotidiano dos bolivianos, que viram as filas de postos de gasolina e diesel se multiplicarem no último ano. Motoristas de ônibus e caminhões chegam a passar três dias em filas, à espera de conseguir abastecer.
A falta de combustível gerou, inclusive, temores de problemas logísticos nas eleições deste domingo (19). Mas o governo de Luis Arce e a estatal YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos) se comprometeram com o TSE (Tribunal Supremo Eleitoral) a garantir o fornecimento necessário para a realização do pleito.
Mas a escassez atinge vários setores essenciais para o dia a dia dos bolivianos, como a produção de alimentos.
No começo da semana, a CAO (Câmara Agropecuária do Oriente), que abrange produtores da região leste do país, afirmou que a falta de combustível paralisou a produção, e pediu ao futuro presidente uma solução definitiva para o problema.
"Durante meses aguentamos o quanto pudemos, fizemos o impossível por manter viva a produção, os motores acesos, as colheitas a tempo e os alimentos nas mesas bolivianas. Mas hoje, o agro está em terapia intensiva, e estamos a um passo de cruzar um ponto sem retorno", afirmou o presidente da CAO Klaus Freking.
A falta de dólares e de combustível também incide em outro problema que castiga os bolivianos: a inflação, que em setembro atingiu 23,32% anuais.
Para a cientista política Lily Peñaranda, independente do grau de capitalismo proposto, o próximo presidente terá que tomar iniciativas “absolutamente impopulares”. “Serão medidas que levarão a um aprofundamento da crise, porque não tem outra saída”, disse à CNN.
Segundo ela, o país agora tem uma “estabilidade fictícia” com o atual valor do câmbio oficial - de cerca de sete bolivianos por dólar americano - sustentado com a queima das poucas reservas internacionais que restam do país.
“Necessariamente terá que haver uma flexibilização do câmbio, e com a desvalorização da moeda, teremos inflação na cesta básica e no custo de vida. O câmbio flexível também vai encarecer os combustíveis, e com os aumentos de preços os salários não serão suficientes. É a receita para uma crise social profunda, mas é inevitável, iniludível”, afirma.
Como são as eleições na Bolívia
A votação vai das 8h às 16h (das 9h às 17h no horário de Brasília). Se houver fila nas salas eleitorais, no entanto, a votação só terminará depois que todos os presentes votarem. O voto na Bolívia é em papel, com uma cédula em que o eleitor marca com "x" ou outro símbolo em seus candidatos a presidente e vice.
Após a escolha, a cédula deve ser depositada em uma urna de papelão, que conta com uma abertura coberta por plástico na parte frontal, permitindo que seu interior seja visível.
Os votos são contados pelos mesários e registrados manualmente em uma ata eleitoral, cuja foto é enviada para o centro de contabilização do TSE (Tribunal Supremo Eleitoral da Bolívia), para a divulgação dos resultados preliminares no próprio dia da votação.
Os primeiros resultados são esperados às 21h, no horário de Brasília.
O resultado oficial, no entanto, somente será proclamado após a revisão de cada ata eleitoral pelo TSE boliviano.
A CNN vai acompanhar a votação e a repercussão das eleições da Bolívia direto de La Paz.