Da Covid zero à recuperação econômica: o que esperar da China em 2023
Três anos depois das rígidas restrições para conter o coronavírus, a vida na China pode finalmente voltar ao normal com o país se juntando ao resto do mundo
Depois do fim tumultuado de um ano importante e desafiador, a China entra em 2023 com uma grande incerteza – e potencialmente uma nesga de luz no final do túnel pandêmico.
O caos desencadeado pela saída abrupta e mal preparada do líder Xi Jinping da política de Covid zero está se alastrando para o novo ano, com boa parte do país enfrentando uma onda de casos sem precedentes.
Mas a reabertura também oferece um vislumbre de esperança para muitos: depois de três anos de restrições sufocantes por causa do coronavírus e do isolamento autoimposto em relação ao resto do mundo, a vida na China pode finalmente voltar ao normal com o país se juntando ao resto do mundo e aprendendo a viver com o vírus.
“Agora entramos numa nova fase de resposta à Covid, na qual desafios difíceis permanecem”, declarou Xi no discurso de véspera de Ano Novo transmitido pela TV.
“Todo mundo está segurando a situação com grande coragem e a luz da esperança está bem diante de nós. Vamos fazer um esforço extra para avançar, pois perseverança e solidariedade significam vitória”.
Xi já havia apostado seu capital político ao manter a estratégia de Covid zero. Agora, ao desmantelar seu plano dispendioso com uma abertura abrupta após protestos em todo o país, muitos questionam a sabedoria do presidente.
As manifestações, que em alguns lugares incluíram raros pedidos para que Xi e o Partido Comunista “renunciassem”, podem ter terminado, mas o sentimento de frustração ainda não se dissipou.
O discurso de Ano Novo veio num momento em que a economia da China sofre uma pressão mais imediata devido a um surto em espiral que atingiu fábricas e empresas, mostrando que o caminho para a recuperação econômica pode ser longo e complicado.
As fronteiras firmemente fechadas do país estão gradualmente se abrindo e os turistas chineses estão ansiosos para explorar o mundo novamente. Mas alguns países parecem cautelosos para recebê-los, impondo novos pedidos de teste de Covid negativo antes de viajar.
Uma outra questão é a rapidez com que os visitantes globais regressarão à China – ou com que intensidade.
Xi, que recentemente ressurgiu no cenário mundial depois de garantir um terceiro mandato no poder, sinalizou que espera curar as relações desgastadas com o Ocidente. Entretanto, sua agenda nacionalista e a “amizade sem limites” com a Rússia provavelmente complicarão as coisas.
Com o início de 2023, a CNN dá uma olhada no que observar na China no ano que começa.
A epidemia da Covid e as viagens de Ano Novo
A tarefa mais urgente e assustadora que a China enfrenta no novo ano é como lidar com as consequências de sua saída frustrada da política de Covid zero, em meio a um surto que ameaça não só a vida de centenas de milhares como também a credibilidade de Xi e seu Partido Comunista.
A suspensão repentina das restrições no mês passado levou a uma explosão de casos e expôs o pouco preparo para lidar com o aumento de pacientes e mortes.
O frágil sistema de saúde do país está se esforçando para enfrentar o cenário. Remédios para febre e resfriado são difíceis de encontrar, hospitais estão sobrecarregados, médicos e enfermeiros trabalham no limite e os crematórios lutam para dar conta do fluxo de corpos.
Só que os especialistas alertam que o pior ainda está por vir. Embora algumas grandes metrópoles como Pequim possam ter superado o pico do surto, cidades menos desenvolvidas e o imenso interior rural ainda estão se preparando para mais casos.
Com a corrida de viagens para o Ano Novo Lunar – o feriado mais importante de reunião das famílias chinesas – começando esta semana, centenas de milhões de pessoas devem voltar às suas cidades de origem, saindo das grandes metrópoles e levando o vírus para o interior vulnerável, onde as taxas de vacinação são mais baixas e os recursos médicos ainda mais escassos.
A perspectiva é sombria. Alguns estudos estimam que o número de mortes pode ser superior a um milhão se a China não conseguir aplicar doses de reforço e drogas antivirais suficientemente rápido.
O governo lançou uma campanha de reforço para os idosos, mas muitos continuam relutantes em tomá-la devido a preocupações com os efeitos colaterais. Combater a resistência às vacinas exigirá tempo e esforço significativos, num momento em que os trabalhadores da saúde já estão sobrecarregados.
Tensão econômica e recuperação
As restrições da Covid impostas pelo governo deixaram a China fora de sincronia com o resto do mundo. Três anos de lockdowns e restrições nas fronteiras prejudicaram as cadeias de abastecimento, as empresas multinacionais e os fluxos de comércio e investimento entre a China e outros países.
As implicações para a economia global são potencialmente enormes agora que a China se junta ao resto do mundo na convivência com o coronavírus.
Qualquer aumento no crescimento da China proporcionará um impulso vital às economias que dependem da demanda chinesa. Haverá mais viagens internacionais e produção. Mas o aumento da demanda também irá elevar os preços da energia e das matérias-primas, colocando uma pressão ascendente sobre a inflação global.
“A curto prazo, acredito que a economia da China provavelmente experimentará caos em vez de progresso por uma razão simples: a China está mal preparada para lidar com a Covid”, decretou Bo Zhuang, analista sênior da Loomis, Sayles & Company, uma empresa de investimento sediada em Boston.
Os analistas da Capital Economics esperam que a economia da China contraia em 0,8% no primeiro trimestre de 2023, antes de se recuperar no segundo trimestre.
Já outros especialistas também esperam que a economia se recupere após março. Num relatório de pesquisa recente, os economistas do HSBC projetaram uma contração de 0,5% no primeiro trimestre, mas um crescimento de 5% em 2023.
Reabertura ao mundo
Apesar de toda incerteza, os chineses estão comemorando a reabertura parcial das fronteiras após o fim da quarentena para chegadas internacionais e a retomada das viagens para fora do país.
Embora alguns cidadãos expressem na internet preocupação sobre o rápido afrouxamento das restrições, muitos já planejam ansiosamente suas viagens ao exterior. Os sites de viagens chineses registraram picos maciços no tráfego minutos após anúncio da abertura em 26 de dezembro.
Vários cidadãos chineses que vivem no exterior disseram à CNN que não tinham conseguido ou não tinham vontade de voltar o país enquanto a longa quarentena ainda estava em vigor nos últimos anos. A espera significou momentos importantes da vida perdidos: formaturas, casamentos, nascimentos, mortes.
Alguns países ofereceram uma recepção calorosa, com embaixadas estrangeiras e escritórios oficiais de turismo postando convites para viajantes chineses em sites de mídia social chineses. Mas outros estão mais cautelosos, com muitos impondo novas exigências de teste para viajantes provenientes da China e de seus territórios.
Autoridades desses países apontaram para o risco de novas variantes emergentes do surto da China – embora muitos especialistas em saúde tenham criticado as restrições de viagem direcionadas como cientificamente ineficazes e alarmistas, com o risco de incitar mais racismo e xenofobia.
Laços com o Ocidente e a Rússia
À medida que a China emerge do seu isolamento autoimposto, todos observam como o país pode melhorar sua reputação e as relações que surgiram durante a pandemia.
Os laços da China com o Ocidente e muitos dos seus vizinhos pioraram significativamente por causa das origens do coronavírus, do comércio, das reivindicações territoriais, das denúncias de abuso de direitos humanos e da sua estreita parceria com a Rússia mesmo com a guerra devastadora na Ucrânia.
A falta de diplomacia presencial de alto nível certamente não ajudou, nem o congelamento das reuniões físicas entre conselheiros políticos, grupos empresariais e o público em geral.
Nas cúpulas do G20 e da APEC, Xi sinalizou sua vontade de reparar as relações com os Estados Unidos e seus aliados em uma enxurrada de reuniões bilaterais.
As linhas de comunicação estão abertas de novo e mais intercâmbios de alto nível estão em andamento. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, o presidente francês Emmanuel Macron, o primeiro-ministro holandês Mark Rutte e a recém-eleita primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, deverão visitar Pequim este ano.
Mas Xi também deixou clara a sua ambição de afastar a influência norte-americana na região, e não há ilusão de que as duas superpotências do mundo serão capazes de resolver as suas diferenças fundamentais e deixar de lado a crescente rivalidade entre eles.
No novo ano, as tensões podem voltar na questão de Taiwan, na tecnologia e no apoio da China à Rússia – o que Xi reforçou durante uma reunião virtual com o presidente russo, Vladimir Putin, em 30 de dezembro.
Os dois líderes expressaram uma mensagem de unidade, com Xi dizendo que os dois países devem “fortalecer a coordenação estratégica” e “injetar mais estabilidade no mundo”, de acordo com a agência de notícias estatal chinesa Xinhua.
A China está “pronta para trabalhar” com a Rússia para “defender-se contra o hegemonismo e a política de poder”, e para se opor “ao unilateralismo, ao protecionismo e ao bullying’”, disse Xi. O presidente russo convidou Xi para visitar Moscou no primeiro semestre de 2023.
O governo da China se recusou a condenar a invasão da Ucrânia ou sequer se refere a ela como tal. Em vez disso, criticou as sanções ocidentais e ampliou os pontos de discussão do Kremlin culpando os EUA e a OTAN pelo conflito.
Como a Rússia sofreu humilhantes reveses militares na Ucrânia nos últimos meses, a mídia estatal chinesa parece ter retomado sua retórica pró-Rússia, com Xi concordando em se opor ao uso de armas nucleares na Ucrânia em reuniões com líderes ocidentais.
Poucos especialistas acreditam que a China se distanciará da Rússia. Vários disseram à CNN que a confiança mútua e o alinhamento geopolítico dos dois países permanecem fortes – incluindo sua visão compartilhada para uma “nova ordem mundial”.
“A guerra foi um incômodo para a China no ano passado e afetou o interesse da China na Europa”, disse Yun Sun, diretor do Programa China no think tank Stimson, com sede em Washington. “Mas o dano não é significativo o suficiente para que a China abandone a Rússia”.