Governo interino do Talibã permitirá que estrangeiros saiam do Afeganistão
Duzentos cidadãos de outros países, entre eles norte-americanos, devem partir em voos charter de Cabul nesta quinta-feira (9)
Duzentos estrangeiros que estão no Afeganistão, entre eles norte-americanos, devem partir em voos charter de Cabul nesta quinta-feira (9), depois que o novo governo do Talibã concordou com a retirada, disse uma autoridade dos Estados Unidos.
As partidas estarão entre os primeiros voos internacionais a decolar do aeroporto afegão desde que o grupo islâmico tomou a capital em meados de agosto, desencadeando a caótica saída liderada pelos EUA de 124.000 estrangeiros e afegãos em risco.
Os voos acontecem dois dias depois de o Talibã anunciar um governo interino composto principalmente por homens de etnia pashtun, incluindo suspeitos de terrorismo e radicais islâmicos, frustrando as esperanças internacionais de um governo mais moderado.
O Talibã foi pressionado a permitir a saída pelo Representante Especial dos EUA, Zalmay Khalilzad, disse uma autoridade norte-americana, falando à Reuters sob condição de anonimato.
O funcionário não soube dizer se os civis norte-americanos e outros cidadãos estrangeiros estiveram entre as pessoas presas por dias na cidade de Mazar-i-Sharif, no norte do país, porque seus voos fretados particulares não foram autorizados a decolar.
O anúncio de um novo governo na terça-feira foi amplamente visto como um sinal de que o Talibã não estava procurando ampliar sua base e apresentar uma face mais tolerante ao mundo, como sugeriram anteriormente que fariam.
Todos os ministros são homens e quase todos são pashtuns, o grupo étnico que predomina no do sul do país – reduto do Talibã –, mas que representa menos da metade da população.
Os países estrangeiros receberam o anúncio do governo interino com cautela e consternação na quarta-feira (8). Em Cabul, dezenas de mulheres saíram às ruas em protesto e vários jornalistas que cobriam a manifestação disseram que combatentes do Talibã as detiveram e espancaram.
O novo Ministério do Interior do Talibã disse mais tarde que, para evitar distúrbios e problemas de segurança, qualquer pessoa que fizer uma manifestação deve solicitar permissão com 24 horas de antecedência.
Os protestos de mulheres e homens foram interrompidos porque havia uma ameaça à segurança por combatentes do Estado Islâmico, disse um ministro que não quis ser identificado. Qualquer ataque a jornalistas será investigado, disse ele.
Questionamento sobre reconhecimento
Muitos críticos pediram aos líderes que respeitem os direitos humanos básicos e reanimem a economia, que enfrenta um colapso em meio à alta inflação, escassez de alimentos e a perspectiva de redução da ajuda externa enquanto os países buscam isolar o Talibã
O governo do Talibã quer se envolver com os governos regionais e ocidentais e trabalhar com organizações internacionais de ajuda, disse o ministro talibã.
Mas a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, disse que ninguém no governo de Joe Biden “sugeriria que o Talibã é um membro respeitado e valorizado da comunidade global”.

A União Europeia manifestou a sua desaprovação às nomeações do governo interino. O bloco está pronto para dar continuidade à assistência humanitária de emergência, mas a ajuda ao desenvolvimento de longo prazo dependeria do Talibã defender as liberdades básicas.
A Arábia Saudita expressou esperança de que o novo governo ajude o Afeganistão a alcançar “segurança e estabilidade, rejeitando a violência e o extremismo”.
Analistas disseram que a composição do gabinete pode dificultar o reconhecimento pelos governos ocidentais, o que será vital para um envolvimento econômico mais amplo.
O novo gabinete interino inclui ex-detentos da prisão militar dos EUA na Baía de Guantánamo, em Cuba.
O ministro do Interior, Sirajuddin Haqqani, é procurado pelos Estados Unidos sob acusações de terrorismo e tem contra si uma recompensa de US$ 10 milhões, enquanto seu tio, com uma recompensa de US$ 5 milhões, é o ministro para refugiados e repatriação.
Proibição ao cricket feminino
O diretor da Agência Central de Inteligência dos EUA, William Burns, discutiu a questão do Afeganistão em negociações no Paquistão com o chefe do Exército, general Qamar Javed Bajwa, e o chefe da inteligência militar, tenente-general Faiz Hameed, disseram militares do Paquistão.
O governo deposto do Afeganistão, apoiado pelos EUA por anos, acusou o Paquistão de apoiar o Talibã. Embora negue oficialmente isso, o Paquistão há muito vê o Talibã como sua melhor opção para minimizar a influência da velha rival Índia no Afeganistão.
A última vez que o Talibã governou o Afeganistão, de 1996 a 2001, mulheres e meninas foram proibidas de trabalhar e estudar. O grupo realizou execuções públicas e sua polícia religiosa impôs uma interpretação radical da lei islâmica.
Os líderes do Talibã se comprometeram a respeitar os direitos das pessoas, incluindo os das mulheres, de acordo com a lei islâmica sharia, mas ainda não forneceram detalhes das regras que pretendem aplicar.
Os afegãos que conquistaram maior liberdade nas últimas duas décadas temem perdê-la.
Em uma entrevista ao SBS News da Austrália, um funcionário do alto escalão do Talibã disse que as mulheres não teriam permissão para jogar críquete – um esporte popular no Afeganistão – ou possivelmente qualquer outro esporte porque “não era necessário” e seus corpos poderiam ficar expostos.
O conselho de críquete da Austrália disse que descartaria uma partida-teste planejada contra a seleção masculina do Afeganistão se o Talibã não permitir que as mulheres joguem.