Opinião: Lidar com Netanyahu só depois da guerra pode ser perigoso
Premiê israelense prolonga guerra para adiar acerto de contas com sociedade após ataque do Hamas que matou 1.200 pessoas, diz especialista


Chegou a hora dos israelenses negociarem, mas com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Agora que a guerra contra o Hamas entrou numa nova fase, com o anúncio de que várias brigadas de soldados vão deixar Gaza e que a guerra será longa e de intensidade mais baixa, com um combate mais direcionado, os israelenses podem voltar suas atenções para a questão urgente do primeiro-ministro que falhou no seu trabalho mais importante: manter o país seguro.
Nos próximos dias, semanas e meses, os israelenses terão de tomar decisões extraordinariamente difíceis que definirão o rumo do país para os próximos anos.
As decisões devem ser tomadas sob a orientação de um líder que goza de apoio popular, confiança e legitimidade generalizados; alguém que pode reunir as pessoas e inspirar confiança. Nem é preciso dizer (e isso é algo confirmado por múltiplas pesquisas) que Netanyahu não é essa pessoa.
Em sua longa carreira política, Netanyahu tem se disposto a colocar os seus próprios interesses à frente daqueles do país. Ele fez isso de forma mais prejudicial em 2022, quando a única maneira de conseguir a maioria e se tornar primeiro-ministro foi trazendo para a sua coligação políticos de extrema-direita que eram verdadeiros párias até então. Com essa mesma coligação fazendo pressão, Netanyahu apoiou a reforma da lei do judiciário que mais tarde ameaçou destruir o país. E isso foi antes da calamidade de 7 de outubro.
Agora, é hora de Bibi, como ele é conhecido, se afastar pela causa do país.
Talvez, ao voluntariamente deixar o poder – o que, sem dúvida, seria doloroso para ele – Netanyahu possa começar a limpar parte da espessa mancha de seu legado.
Os termos das negociações seriam bem diretos. Netanyahu deve renunciar em troca de imunidade sobre as acusações por fraude, violação de confiança e suborno – acusações que são negadas veementemente por ele.
Mesmo antes de os terroristas do Hamas terem invadido Israel em 7 de outubro, assassinado cerca de 1.200 pessoas (o pior massacre de judeus desde o Holocausto), sequestrado mais de 240 e lançado uma campanha calculada de estupros, mutilações e violência sexual; mesmo antes do que foi inquestionavelmente um dos piores dias da história de Israel, Netanyahu já tinha criado divisões no país inéditas desde a fundação do Estado de Israel moderno.
O acordo do primeiro-ministro com parlamentares extremistas da sua coligação – Itamar Ben Gvir e Bezalel Smotrich – negociado como um último esforço para manter o poder e possivelmente ficar fora da cadeia, incluiu uma proposta de revisão judicial que iria minar severamente o poder dos tribunais, abrindo um caminho para todo o tipo de mudanças no caráter do país.
Centenas de milhares de cidadãos saíram às ruas, protestando semana após semana durante oito meses. As manifestações terminaram apenas depois do Hamas ter atacado e a atenção se voltar para a ajuda às famílias de reféns e às dezenas de milhares de israelenses retirados das casas para dar espaço às tropas que preparavam a guerra.
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Acredita-se que o Hamas esteja abrigando no subsolo um número considerável de combatentes e armas • Reuters
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O conflito entre Israel e Hamas começou em 7 de outubro quando o grupo extremista islâmic disparou uma chuva de foguetes lançados da Faixa de Gaza sobre o país judaico. A ofensiva contou ainda com avanços de tropas por terra e pelo mar • Reuters
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Foguetes disparados em Israel a partir de Gaza • REUTERS/Amir Cohen
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Após os ataques aéreos, o Hamas avançou no território israelense e invadiu a área onde estava acontecendo um festival de música eletrônica; mais de 260 corpos foram encontrados no local • Reprodução CNN
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Carros foram deixados para trás pelos motoristas que tentavam fugir do grupo extremista islâmico • Reuters
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Imagens mostram carros abandonados e sinais de explosões após ataque em festival de música eletrônica em Israel • Reuters
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As forças israelenses responderam com uma contraofensiva que atingiu Gaza e deixou vítimas, inclusive, em campos de refugiados. Israel declarou "cerco total" e suspendeu o abastecimento de água, energia, combustível e comida ao território palestino • 13/10/2023 REUTERS/Violeta Santos Moura
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Destruição em campo de refugiados palestinos em Gaza após ataque aéreo de Israel • Reuters
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Pessoas carregam o corpo de palestino morto em ataque israelense no campo de refugiados de Jabalia, no norte da Faixa de Gaza • 09/10/2023 REUTERS/Mahmoud Issa
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Campo de refugiados palestinos atingido em meio a ataques aéreos israelenses em Gaza • Reuters
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Prédios destruídos na Faixa de Gaza • Ahmad Hasaballah/Getty Images
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Escombros de prédio destruído após sataques em Sderot, no sul de Israel • Ilia Yefimovich/picture alliance via Getty Images
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Delegacia destruída no sul de Israel após ataque do Hamas • REUTERS/Ronen Zvulun
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Palestinos queimam pneus de carros e bloqueiam estradas enquanto entram em confronto com as forças israelenses no distrito de Beit El, em Ramallah, na Cisjordânia • Anadolu Agency via Getty Images
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As Brigadas Izz ad-Din al-Qassam seguram uma bandeira palestina enquanto destroem um tanque das forças israelenses em Gaza • Hani Alshaer/Anadolu Agency via Getty Images
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Bombeiros tentaram apagar incêndios em Israel após bombardeio de Gaza no sábado (7) • Reuters
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Foguetes disparados de Gaza em direção a Israel na manhã de sábado (7) • CNN
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Veja como funciona o sistema antimíssil de Israel • CNN
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Ataque israelense na Faixa de Gaza • 10/10/2023 REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa
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Casas e prédios destruídos por ataques aéreos israelenses em Gaza • 10/10/2023 REUTERS/Shadi Tabatibi
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Tanque de guerra israelense estacionado perto da fronteira de Gaza • Ahmed Zakot/SOPA Images/LightRocket via Getty Images
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Imagens se satélite mostram destruição na Faixa de Gaza • Reprodução/Reuters
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Salva de foguetes é disparada por militantes do Hamas de Gaza em direção a cidade de Ashkelon, em Israel, em 10 de outubro de 2023. • Saeed Qaq/Anadolu via Getty Images
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Salva de foguetes é disparada por militantes do Hamas de Gaza em direção a cidade de Ashkelon, em Israel, em 10 de outubro de 2023. • Majdi Fathi/NurPhoto via Getty Images
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Barco de pesca pega fogo no porto de Gaza após ser atingido por ataques de Israel. • Reuters
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Palestinos caminham em meio a destroços de prédios destruídos por Israel em Gaza • 10/10/2023REUTERS/Mohammed Salem
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Palestinos caminham em meio a destroços de prédios em Gaza destruídos por ataques de Israel • 09/10/2023REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa
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Soldados israelenses carregam corpo de vítima de ataque realizado por militantes de Gaza no kibbutz de Kfar Aza, no sul de Israel • 10/10/2023 REUTERS/Violeta Santos Moura
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Destruição em Gaza provocada por ataques israelenses • 10/10/2023REUTERS/Mohammed Salem
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Ataque israelense na Faixa de Gaza • 10/10/2023 REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa
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Casas e prédios destruídos por ataques aéreos israelenses em Gaza • 10/10/2023 REUTERS/Shadi Tabatibi
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Munição israelense é vista em Sderot, Israel, na segunda-feira • Mostafa Alkharouf/Anadolu Agency via Getty Images
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Tanque de guerra israelense estacionado perto da fronteira de Gaza • Ahmed Zakot/SOPA Images/LightRocket via Getty Images
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Chamas e fumaça durante ataque israelense a Gaza • 09/10/2023REUTERS/Mohammed Salem
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Sistema antimísseis de Israel intercepta foguetes lançados da Faixa de Gaza • 09/10/2023REUTERS/Amir Cohen
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Hospital na Faixa de Gaza usa geladeiras de sorvete para colocar cadáveres devido à superlotação do necrotério • Ashraf Amra/Anadolu via Getty Images
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Fumaça sobe após um ataque aéreo israelense no oitavo dia de confrontos na Faixa de Gaza, em 14 de outubro de 2023 • Ali Jadallah/Anadolu via Getty Images
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Homem palestino lava as mãos em uma poça ao lado de um prédio destruído após os ataques israelenses na Cidade de Gaza • Ahmed Zakot/SOPA Images/LightRocket via Getty Images
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Embaixada dos EUA no Líbano é alvo de protestos • Reprodução CNN
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Palestinos protestam na Cisjordânia contra ataques de Israel
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Hospital em Gaza é atingido por um míssil • Reprodução
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Hospital atacado em Gaza • Reprodução
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Palestinos procuram vítimas sob escombros de casas destruídas por ataque israelense em Rafah, no sul da Faixa de Gaza • 17/10/2023REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa
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Cidadã palestina inspeciona sua casa destruída durante ataques israelenses no sul da Faixa de Gaza em 17 de outubro de 2023 em Khan Yunis • Ahmad Hasaballah/Getty Images
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Tanque de guerra israelense • Saeed Qaq/Anadolu via Getty Images
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Ataque de Israel contra Gaza • 11/10/2023REUTERS/Saleh Salem
Primeiro-ministro com mais tempo no poder na história de Israel, Netanyahu poderia ter saído há anos com uma respeitável lista de feitos. Ele ajudou a transformar a pequena economia de Israel numa potência, estabelecendo o cenário para a ascensão da nação como um dos países mais resilientes e inovadores do mundo, uma incubadora de novas tecnologias. Além disso, ele comandou o fim do isolamento regional do país, ajudando a construir laços entre Israel e alguns dos seus países vizinhos árabes.
Os israelenses estavam muito orgulhosos dessas realizações, e muitos creditavam Netanyahu pela participação em parte delas.
No entanto, tudo isso vinha em segundo plano. Em Israel, indiscutivelmente mais do que em qualquer país, a prioridade absoluta é sempre a segurança. E, nesse ponto, Netanyahu falhou catastroficamente.
O primeiro-ministro também falhou desde 7 de outubro ao se recusar a assumir a responsabilidade pelo desastre, afirmando repetidamente “vamos responder a todas estas perguntas”, sobre o que deu errado. E completando que, agora, “vamos nos concentrar na vitória”.
O fato de Netanyahu esperar que o acerto de contas venha depois da guerra cria um incentivo para que ele prolongue o conflito. À medida que Israel decide como prosseguir o conflito com o Hamas, há um conflito de interesses inaceitável e perigoso.
O ataque do Hamas tem sido desastroso para Netanyahu. Uma pesquisa de final de ano do Instituto de Democracia de Israel descobriu que apenas 15% dos cidadãos querem que ele fique no cargo quando a guerra acabar. O favorito a assumir o cargo é 07, general reformado das Forças de Defesa de Israel e um dos líderes da oposição antes do ataque do Hamas. Depois do início do conflito, Ganz se juntou ao gabinete de guerra de emergência de Netanyahu.
Netanyahu não tem legitimidade para presidir às questões vitais que chegam a Israel com uma velocidade implacável.
Quanto tempo os militares de Israel permanecerão em Gaza, e com que força? Quem vai governar a faixa depois do fim da guerra? Será que israelenses e palestinos reiniciarão as negociações para a criação de dois Estados? Será que Israel pode confiar na Autoridade Palestina e no presidente Mahmoud Abbas (que não agrada boa parte dos palestinos) para ajudar a governar Gaza?
E quanto ao Hezbollah no Líbano? Enquanto a milícia ligada ao Irã, muito mais forte do que o Hamas, continua a disparar contra o norte do país, Israel deve tentar destruir os cerca de 200 mil foguetes tem apontado para si, ou é melhor evitar abrir uma segunda frente? A antiga estratégia de Netanyahu de permitir que o Hamas se mantenha no poder se revelou desastrosa. Será essa uma lição que deve ser aplicada ao Hezbollah?
Há ainda outra questão crucial sobre o caráter da democracia de Israel, uma questão que só foi pausada pelo ataque do Hamas.
A reforma judicial proposta levou um grande número de israelenses a protestar porque eles acreditavam que a reforma destruiria a democracia de Israel. Em 1º de janeiro, a Suprema Corte do país rejeitou uma peça fundamental desse plano. A chamada “lei da razoabilidade”, que proibiria o tribunal de bloquear uma lei que considerasse muito extrema, teria essencialmente dado o controle dos dois poderes de governo mais fortes aos partidos no poder.
O sistema de Israel, baseado no common law britânico, não tem uma constituição escrita. Mas precisa urgentemente de uma. A decisão da Corte foi de 8 a 7. É uma receita para a continuação de crises constitucionais num país que enfrenta tantos desafios.
Acredito que uma das razões pelas quais o Hamas atacou naquele momento porque viu a profundidade da divisão de Israel.
Os israelenses se uniram depois dos horrores de 7 de outubro, mas não têm qualquer ilusão de que os problemas que existiam antes desapareceram de repente. Alguns foram adiados, mas muitos outros vieram à tona.
Benjamin Netanyahu é o homem errado para o momento. Ele deve deixar o poder pelo bem Israel.
Frida Ghitis, ex-produtora e correspondente da CNN, é colunista de assuntos mundiais. Ela é colaboradora semanal da CNN, colunista contribuinte do “The Washington Post” e do “World Politics Review”. As opiniões expressas neste texto são dela.