Presidente do Irã desiste de entrevista após repórter da CNN negar uso de véu
Entrevista aconteceria em Nova York, mas exigência do presidente fora do país seria devido à “situação no Irã”, aludindo aos protestos após prisão e morte de jovem por mau uso do lenço
O presidente iraniano, Ebrahim Raisi, desistiu de uma entrevista que havia sido planejada há muito tempo com a principal âncora internacional da CNN, Christiane Amanpour, na Assembleia-Geral das Nações Unidas na quarta-feira (21), após ela recusar uma exigência de última hora para usar o véu cobrindo a cabeça.
Cerca de 40 minutos depois que a entrevista estava marcada para começar e com o presidente Raisi já atrasado, um assessor disse a Amanpour que o presidente havia sugerido que ela usasse um lenço na cabeça. Amanpour disse que “recusava educadamente”.
Amanpour, que cresceu na capital iraniana Teerã e é fluente em farsi, disse que usa um véu na cabeça enquanto faz reportagens no Irã para cumprir as leis e costumes locais, “caso contrário, você não poderia atuar como jornalista”. Mas ela disse que não cobriria a cabeça para realizar uma entrevista com uma autoridade iraniana fora de um país onde isso não é obrigatório.
“Aqui em Nova York, ou em qualquer outro lugar fora do Irã, nenhum presidente iraniano nunca me pediu –e entrevistei todos eles desde 1995, dentro ou fora do Irã–, para usar um lenço na cabeça”, disse ela no programa “New Day” da CNN norte-americana nesta quinta-feira (22).
“Eu educadamente recusei em meu nome e da CNN e de jornalistas do sexo feminino em todos os lugares porque isso não é um requisito”.
A lei iraniana exige que todas as mulheres cubram a cabeça e usem roupas largas em público. A regra é aplicada no Irã desde a Revolução Islâmica de 1979 e é obrigatória para todas as mulheres do país – incluindo turistas, figuras políticas que visitam o local e jornalistas.
Amanpour disse que o assessor de Raisi deixou claro que a entrevista –que teria sido a primeira do presidente iraniano em solo americano– não aconteceria se ela não usasse um lenço na cabeça. Ele se referiu a isso como “uma questão de respeito”, já que são os meses sagrados de Muharram e Safar, e se referiu à “situação no Irã”, aludindo aos protestos que varrem o país, acrescentou ela.
Protestos contra o governo eclodiram em todo o Irã na semana passada pela morte de Mahsa Amini, de 22 anos, enquanto estava sob custódia, depois de ter sido presa pela polícia da moralidade do Irã sob acusação de violar a lei sobre lenços na cabeça.
Milhares de pessoas foram às ruas, com algumas mulheres cortando o cabelo e queimando seus hijabs em protesto contra a lei. Grupos de direitos humanos relataram que pelo menos oito pessoas foram mortas nas manifestações, que foram recebidas com grande repressão pelas autoridades, de acordo com testemunhas e vídeos compartilhados nas redes sociais.
As manifestações parecem ser as demonstrações mais amplas de desafio contra o governo da República Islâmica, que se tornou mais rigorosa desde a eleição do governo linha-dura de Raisi, no ano passado.
Após oito anos da administração moderada de Hassan Rouhani, o Irã elegeu Raisi, um chefe judiciário ultraconservador cujos pontos de vista estão alinhados com o pensamento do poderoso clero e líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei.
No Irã, o véu na cabeça é um símbolo poderoso de um conjunto de regras pessoais impostas pelos líderes clericais do país, que governam o que as pessoas podem usar, assistir e fazer. Na última década, os protestos explodiram, pois muitos iranianos ficaram ressentidos com essas limitações.
A morte da jovem Amini alimentou uma onda de raiva que vinha de longa data sobre contra as restrições às liberdades pessoais. Pesquisas nos últimos anos mostraram que um número crescente de iranianos não acredita que o hijab ou lenço na cabeça, devam ser obrigatórios.
Autoridades iranianas afirmaram que Amini morreu após sofrer um “ataque cardíaco” e entrar em coma, mas sua família disse que ela não tinha problemas cardíacos pré-existentes, de acordo com o Emtedad News, um meio de comunicação iraniano pró-reforma. O ceticismo sobre o relato das autoridades sobre a morte da jovem também alimentou o clamor público.
Imagens de câmeras de segurança divulgadas pela mídia estatal iraniana mostraram Mahsa Amini desmaiando em um centro de “reeducação”, onde foi levada pela polícia da moralidade para receber “orientações” sobre seu traje.
Amanpour planejava entrevistar Raisi sobre a morte de Amini e os protestos, bem como o acordo nuclear e o apoio do Irã à Rússia na invasão da Ucrânia, mas disse que ela teve que declinar.
“À medida que os protestos continuam no Irã e as pessoas estão sendo mortas, teria sido um momento importante para falar com o presidente Raisi”, disse ela em um tópico no Twitter.