Quatro pontos para entender o processo de Trump contra a BBC
Presidente americano pediu US$ 10 bilhões (cerca de R$ 54 bilhões) por difamação em um documentário; emissora ainda pode recorrer

O presidente dos EUA, Donald Trump, processou a BBC em US$ 10 bilhões (cerca de R$ 54 bilhões) na segunda-feira (15) alegando difamação depois que a emissora britânica editou um discurso para dar a impressão de que ele estava incentivando seus apoiadores a invadir o Capitólio.
O líder americano negou ter incitado o tumulto e entrou com uma ação judicial em um tribunal federal de Miami alegando difamação e violação de uma lei da Flórida que proíbe práticas comerciais enganosas e desleais.
Ele está pedindo US$ 5 bilhões por cada acusação.
A BBC admitiu que a edição foi enganosa e pediu desculpas a Trump pelo que considerou um erro de julgamento não intencional, embora tenha afirmado que o líder americano não tinha motivos para processá-la.
A edição do discurso e as críticas generalizadas à BBC News resultaram nas demissões do Diretor Geral Tim Davie e da Diretora Executiva de Notícias Deborah Turness. A seguir, veja os principais pontos para entender o processo.
1 - Por que Trump está processando a BBC na Flórida?

O presidente americano entrou com uma ação judicial na Flórida, onde possui residência legal. Ele solicitou um julgamento por júri, o que é padrão nos EUA.
Questões preliminares poderiam investigar se a BBC buscou ativamente estabelecer uma presença na Flórida e se pessoas assistiram ao documentário no estado e se sentiram enganadas por ele, disseram especialistas jurídicos.
O processo alega que a BBC possui um escritório em Coral Gables, na Flórida, mantém páginas na internet dedicadas a notícias no estado e enviou equipes de filmagem à propriedade de Trump em Mar-a-Lago para coletar imagens para o documentário.
O episódio do programa "Panorama" da BBC não foi transmitido nos EUA, mas a acusação alega que estava disponível para assinantes da plataforma de streaming BritBox da BBC e para pessoas que usam redes virtuais privadas (VPNs).
O caso seria arquivado se o tribunal determinar que não tem jurisdição, embora Trump possa reapresentar sua ação judicial em outro lugar.
2 - O que Trump precisa provar?
Figuras públicas nos EUA enfrentam grandes obstáculos em casos de difamação.
Além de demonstrar que uma declaração era falsa e difamatória, é preciso provar que o réu sabia que a declaração era falsa ou que ignorou a verdade de forma imprudente.
Durante um processo conhecido como descoberta de provas, os advogados do presidente americano provavelmente perguntariam à BBC se existem comunicações internas que demonstrem que sinais de alerta foram ignorados ou que jornalistas da emissora tinham a intenção de enganar os telespectadores, disseram especialistas jurídicos.
O processo cita um memorando interno vazado da BBC, escrito por um consultor de ética e padrões, que levantou preocupações sobre um viés sistêmico na emissora em favor da esquerda política.
A crítica contida no memorando à edição do programa "Panorama" poderia reforçar o argumento de Trump de que a BBC agiu de forma maliciosa.
O processo do presidente também alega que a emissora violou uma lei que proíbe práticas comerciais enganosas ou antiéticas. Essas leis não são comumente usadas no contexto de difamação porque os tribunais decidiram que elas se aplicam a golpes contra consumidores, e não a discursos publicados.
3 - Como a BBC poderia se defender?
A Primeira Emenda da Constituição dos EUA garante o direito à liberdade de expressão e confere à imprensa algumas das proteções legais mais fortes do mundo contra processos por difamação.
A BBC também poderia se valer de uma lei estadual que permite aos réus arquivar rapidamente processos por difamação que não tenham fundamento ou que sejam movidos como retaliação contra discursos legalmente protegidos.
A emissora poderia argumentar que o documentário era substancialmente verdadeiro porque Trump foi identificado como a principal causa do tumulto por uma comissão especial da Câmara dos Representantes que investigou o ocorrido em 6 de janeiro.
4 - Trump realmente conseguirá a indenização?
O valor serve como ponto de partida, e não é incomum que demandantes nos EUA apresentem pedidos de indenização exorbitantes como forma de obter vantagem ou como lance inicial para negociações de acordo, afirmam especialistas jurídicos.
O processo movido por Trump alegava que o documentário prejudicou o valor de sua marca pessoal e manchou sua reputação como líder.
A indenização será determinada, em última instância, por um juiz ou júri.
Não é a primeira vez que Trump pede indenizações exorbitantes a uma empresa de mídia.
Ele entrou com um processo de US$ 20 bilhões contra a CBS em 2024 por suposta edição enganosa de uma entrevista com sua rival na eleição presidencial, Kamala Harris. O processo acabou sendo resolvido por US$ 16 milhões.
Em julho, Trump processou o Wall Street Journal em US$ 10 bilhões por um artigo sobre seus laços com o falecido criminoso sexual Jeffrey Epstein. O WSJ negou qualquer irregularidade e o caso continua em andamento.

