Venezuelanos deportados dos EUA denunciam tortura em prisão de El Salvador
Relatório da Human Rights Watch revela abusos graves, incluindo violência sexual, contra imigrantes em centro de detenção

Um relatório da Human Rights Watch e do grupo de direitos humanos centro-americano Cristosal alega que dezenas de venezuelanos deportados dos Estados Unidos para uma prisão de El Salvador no início deste ano foram submetidos a tortura e outros abusos graves, incluindo violência sexual.
O relatório divulgado nesta quarta-feira (12) inclui entrevistas com 40 dos 252 venezuelanos que foram enviados ao notório Cecot (Centro de Confinamento contra o Terrorismo).
Eles descrevem terem sido espancados por guardas, com alguns sendo levados ao confinamento solitário como punição por protestarem, e outros sendo levados à beira do suicídio.
O relatório acusa o sistema prisional de El Salvador de violações sistemáticas dos direitos humanos e a administração Trump de cumplicidade em tortura, desaparecimentos forçados e outras violações.
Em resposta a uma consulta da CNN, o DHS (Departamento de Segurança Interna dos EUA, na sigla em inglês) defendeu a decisão da administração de enviar os migrantes para o Cecot.
“Sob direção do presidente (Donald) Trump, o DHS deportou cerca de 300 terroristas do Tren de Aragua e MS-13 para o Centro de Confinamento contra o Terrorismo (CECOT) em El Salvador, onde não representam mais uma ameaça ao povo americano”, informou um comunicado atribuído à secretária assistente, Tricia McLaughlin.
A CNN também procurou a Presidência salvadorenha e a diretoria de prisões de El Salvador para comentários. No passado, o governo do país afirmou que respeita os direitos humanos das pessoas sob sua custódia, “independentemente de sua nacionalidade”, e que seu sistema prisional cumpre os padrões de segurança e ordem.
“Vocês chegaram ao inferno”
“O pesadelo começou no momento em que me tiraram do avião”, afirma o relatório citando Gonzalo, um jovem de 26 anos de Zulia, Venezuela. Gonzalo afirma que os imigrantes foram espancados ao desembarcar em El Salvador e que os maus-tratos continuaram quando foram transferidos para o Cecot.
Ele disse que um funcionário da prisão lhes disse: “Vocês chegaram ao inferno.”
Ele e outros entrevistados pela HRW e Cristosal alegaram que os guardas periodicamente os agrediam com chutes, socos e cassetetes durante as revistas diárias nas celas.
Três das pessoas entrevistadas relataram que foram submetidas a violência sexual, segundo o relatório.
Alguns dos detentos afirmaram terem sido humilhados pelos guardas, que supostamente lhes diziam que “nunca sairiam vivos”, que “ninguém sabia que eles estavam lá” e que “suas famílias os haviam abandonado”.
Vários detentos relataram ter pensamentos suicidas, e pelo menos um disse ter tentado suicídio.
“Eu queria me matar porque achava que estaria melhor morto. No final, a única coisa que me deu força foi Deus... e minha família, minha esposa, minha filha e minha mãe”, relata Nelson, um dos detentos, no documento.
Muitas das descobertas no relatório coincidem com as informações que diversos ex-detentos fizeram à CNN no final de julho, dias após serem libertados do Cecot e repatriados para a Venezuela.
“Bem-vindo ao inferno do Cecot”, recordou o maquiador venezuelano Andry Hernández em entrevista à CNN sobre sua chegada à prisão salvadorenha.

Jerce Reyes, José Mora e Rafael Martínez relataram à CNN que eram frequentemente agredidos pelos guarda — muitas vezes por desobedecerem às rígidas regras da prisão ou por motivos que consideravam injustificados.
Eles também acusaram as autoridades prisionais salvadorenhas de negarem direitos humanos básicos, incluindo acesso a advogados e condições adequadas de vida.
Em um dia quente, Reyes conta que tomou banho para se refrescar em um horário não permitido. Os guardas o pegaram, entraram na cela, o espancaram e o enviaram para uma cela menor e isolada como punição.
Martínez alegou que foi punido certa vez por colocar a cabeça entre as grades da cela quando se sentiu mal. Ele disse que foi levado para outra cela, onde cerca de oito guardas o espancaram e fraturaram seu braço direito.
“[Os guardas] nos torturavam física e psicologicamente”, disse Mora.
Os homens também falaram sobre uma greve que fizeram para exigir direitos básicos, incluindo comunicação com o mundo exterior. Mas seus protestos foram recebidos com uma resposta violenta dos guardas, segundo eles.
“Quando protestamos, eles atiraram em nós à queima-roupa com balas de borracha, direto na cela”, contou Mora à CNN.
“Éramos como galinhas ou ratos presos... e atiravam em nós com balas de borracha.”
Alegações de envolvimento criminal
O governo Trump acusou os deportados, sem apresentar provas, de terem ligações com a organização criminosa Tren de Aragua.
A Human Rights Watch e a Cristosal afirmaram em seu relatório que aproximadamente metade dos venezuelanos enviados ao Cecot não tinha antecedentes criminais e apenas 3% haviam sido condenados nos Estados Unidos por crimes violentos ou potencialmente violentos.
Em resposta à CNN, o DHS insistiu que os quase 300 detentos eram membros das gangues Tren de Aragua e MS-13, afirmando que os grupos são “algumas das gangues terroristas mais violentas e impiedosas do planeta” e alegou que eles “estupram, mutilam e assassinam por diversão.”
Reyes, Mora e Martínez disseram que foram acusados erroneamente por autoridades americanas de pertencerem à gangue Tren de Aragua e, apesar de suas negativas, foram deportados dos Estados Unidos.
Segundo registros, Martínez enfrentou acusações de roubo nos Estados Unidos, declarou-se culpado e foi liberado sob fiança antes de ser preso e enviado a uma prisão salvadorenha.
Mora, por sua vez, foi preso na Venezuela por crimes relacionados a drogas e cumpriu sua pena. Nos Estados Unidos, recebeu multas de trânsito, segundo registros oficiais.
A CNN verificou que Reyes não possui antecedentes criminais em seu país de origem.



