Venezuelanos deportados dos EUA denunciam tortura em prisão de El Salvador

Relatório da Human Rights Watch revela abusos graves, incluindo violência sexual, contra imigrantes em centro de detenção

Rocio Muñoz-Ledo e Michael Rios, da CNN
Supostos integrantes da gangue Tren de Aragua, da Venezuela, que foram deportados pelos Estados Unidos chegam a El Salvador
Supostos integrantes da gangue Tren de Aragua, da Venezuela, que foram deportados pelos Estados Unidos chegam a El Salvador  • Governo de El Salvador
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Um relatório da Human Rights Watch e do grupo de direitos humanos centro-americano Cristosal alega que dezenas de venezuelanos deportados dos Estados Unidos para uma prisão de El Salvador no início deste ano foram submetidos a tortura e outros abusos graves, incluindo violência sexual.

O relatório divulgado nesta quarta-feira (12) inclui entrevistas com 40 dos 252 venezuelanos que foram enviados ao notório Cecot (Centro de Confinamento contra o Terrorismo).

Eles descrevem terem sido espancados por guardas, com alguns sendo levados ao confinamento solitário como punição por protestarem, e outros sendo levados à beira do suicídio.

O relatório acusa o sistema prisional de El Salvador de violações sistemáticas dos direitos humanos e a administração Trump de cumplicidade em tortura, desaparecimentos forçados e outras violações.

Em resposta a uma consulta da CNN, o DHS (Departamento de Segurança Interna dos EUA, na sigla em inglês) defendeu a decisão da administração de enviar os migrantes para o Cecot.

“Sob direção do presidente (Donald) Trump, o DHS deportou cerca de 300 terroristas do Tren de Aragua e MS-13 para o Centro de Confinamento contra o Terrorismo (CECOT) em El Salvador, onde não representam mais uma ameaça ao povo americano”, informou um comunicado atribuído à secretária assistente, Tricia McLaughlin.

A CNN também procurou a Presidência salvadorenha e a diretoria de prisões de El Salvador para comentários. No passado, o governo do país afirmou que respeita os direitos humanos das pessoas sob sua custódia, “independentemente de sua nacionalidade”, e que seu sistema prisional cumpre os padrões de segurança e ordem.

“Vocês chegaram ao inferno”

“O pesadelo começou no momento em que me tiraram do avião”, afirma o relatório citando Gonzalo, um jovem de 26 anos de Zulia, Venezuela. Gonzalo afirma que os imigrantes foram espancados ao desembarcar em El Salvador e que os maus-tratos continuaram quando foram transferidos para o Cecot.

Ele disse que um funcionário da prisão lhes disse: “Vocês chegaram ao inferno.”

Ele e outros entrevistados pela HRW e Cristosal alegaram que os guardas periodicamente os agrediam com chutes, socos e cassetetes durante as revistas diárias nas celas.

Três das pessoas entrevistadas relataram que foram submetidas a violência sexual, segundo o relatório.

Alguns dos detentos afirmaram terem sido humilhados pelos guardas, que supostamente lhes diziam que “nunca sairiam vivos”, que “ninguém sabia que eles estavam lá” e que “suas famílias os haviam abandonado”.

Vários detentos relataram ter pensamentos suicidas, e pelo menos um disse ter tentado suicídio.

“Eu queria me matar porque achava que estaria melhor morto. No final, a única coisa que me deu força foi Deus... e minha família, minha esposa, minha filha e minha mãe”, relata Nelson, um dos detentos, no documento.

Muitas das descobertas no relatório coincidem com as informações que diversos ex-detentos fizeram à CNN no final de julho, dias após serem libertados do Cecot e repatriados para a Venezuela.

“Bem-vindo ao inferno do Cecot”, recordou o maquiador venezuelano Andry Hernández em entrevista à CNN sobre sua chegada à prisão salvadorenha.

Guardas prisionais salvadorenhos escoltam supostos membros da gangue venezuelana Tren de Aragua e da gangue MS-13 deportados pelo governo dos EUA em Tecoluca, El Salvador March 31, 2025. • Secretaria de Imprensa da Presidência/ Divulgação via REUTERS
Guardas prisionais salvadorenhos escoltam supostos membros da gangue venezuelana Tren de Aragua e da gangue MS-13 deportados pelo governo dos EUA em Tecoluca, El Salvador March 31, 2025. • Secretaria de Imprensa da Presidência/ Divulgação via REUTERS

Jerce Reyes, José Mora e Rafael Martínez relataram à CNN que eram frequentemente agredidos pelos guarda —  muitas vezes por desobedecerem às rígidas regras da prisão ou por motivos que consideravam injustificados.

Eles também acusaram as autoridades prisionais salvadorenhas de negarem direitos humanos básicos, incluindo acesso a advogados e condições adequadas de vida.

Em um dia quente, Reyes conta que tomou banho para se refrescar em um horário não permitido. Os guardas o pegaram, entraram na cela, o espancaram e o enviaram para uma cela menor e isolada como punição.

Martínez alegou que foi punido certa vez por colocar a cabeça entre as grades da cela quando se sentiu mal. Ele disse que foi levado para outra cela, onde cerca de oito guardas o espancaram e fraturaram seu braço direito.

“[Os guardas] nos torturavam física e psicologicamente”, disse Mora.

Os homens também falaram sobre uma greve que fizeram para exigir direitos básicos, incluindo comunicação com o mundo exterior. Mas seus protestos foram recebidos com uma resposta violenta dos guardas, segundo eles.

“Quando protestamos, eles atiraram em nós à queima-roupa com balas de borracha, direto na cela”, contou Mora à CNN.

“Éramos como galinhas ou ratos presos... e atiravam em nós com balas de borracha.”

Alegações de envolvimento criminal

O governo Trump acusou os deportados, sem apresentar provas, de terem ligações com a organização criminosa Tren de Aragua.

A Human Rights Watch e a Cristosal afirmaram em seu relatório que aproximadamente metade dos venezuelanos enviados ao Cecot não tinha antecedentes criminais e apenas 3% haviam sido condenados nos Estados Unidos por crimes violentos ou potencialmente violentos.

Em resposta à CNN, o DHS insistiu que os quase 300 detentos eram membros das gangues Tren de Aragua e MS-13, afirmando que os grupos são “algumas das gangues terroristas mais violentas e impiedosas do planeta” e alegou que eles “estupram, mutilam e assassinam por diversão.”

Reyes, Mora e Martínez disseram que foram acusados erroneamente por autoridades americanas de pertencerem à gangue Tren de Aragua e, apesar de suas negativas, foram deportados dos Estados Unidos.

Segundo registros, Martínez enfrentou acusações de roubo nos Estados Unidos, declarou-se culpado e foi liberado sob fiança antes de ser preso e enviado a uma prisão salvadorenha.

Mora, por sua vez, foi preso na Venezuela por crimes relacionados a drogas e cumpriu sua pena. Nos Estados Unidos, recebeu multas de trânsito, segundo registros oficiais.

A CNN verificou que Reyes não possui antecedentes criminais em seu país de origem.

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