Desigualdade de gênero ainda é generalizada na ciência brasileira, aponta estudo
Apesar do número crescente de mulheres com doutorado, muitas ainda são preteridas para cargos de docência
A desigualdade de gênero ainda é generalizada na ciência brasileira. Apesar do número crescente de mulheres com doutorado, muitas delas ainda são preteridas para cargos de docência, indicam dados inéditos sobre as universidades brasileiras.
A pesquisa, conduzida pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa da UERJ com apoio do Instituto Serrapilheira, comparou a proporção de doutoras e de docentes mulheres nas universidades de todo o País em 80 áreas de conhecimento.
Em somente quatro delas não foi constatada disparidade significativa entre um porcentual e outro. Em artes, enfermagem, serviço social e ciência da computação, a proporção de docentes mulheres supera a taxa de mulheres tituladas com doutorado.
O levantamento mostra que é disseminado no campo científico brasileiro o chamado “efeito tesoura”, metáfora utilizada para caracterizar a queda no contingente feminino em cargos de maior relevância no meio acadêmico.
Em medicina, por exemplo, as mulheres são 60,69% dos titulados com doutorado, mas somente 44,51% dos docentes permanentes.
Em química, mulheres tituladas com doutorado representam 52,29% do total, mas elas são apenas 36,25% dos docentes permanentes.
As causas para o fenômeno são múltiplas e atingem também mulheres que estão na vida empresarial. Entretanto, há particularidades do meio científico.
“No Brasil, o modo de ascender às universidades públicas é por concurso [público]. E ele contempla as análises de currículo. Essas análises, por exemplo, não consideram períodos em que as mulheres têm queda de produtividade, como na gestação e na maternidade, por exemplo”, diz Márcia Rangel, que participou da coordenação do estudo.
Quando um pesquisador é selecionado para um posto de docente permanente ele passa a ter uma posição mais estável, pode se dedicar a projetos de longo prazo e pesquisas de maior fôlego.
O fato de mulheres ficarem para trás nesse processo de seleção tem efeitos para toda a ciência brasileira. “Adotar diversidade nos espaços como um valor é um posicionamento político, mas as pesquisas mostram que o ambiente diverso se torna mais passível de criar inovações. Perspectivas diferentes sobre fenômenos sociais trazem ideias novas”, afirma Márcia Rangel.
Não há hoje no país uma política pública abrangente para enfrentar essa questão. Uma das medidas experimentadas internacionalmente é a adoção de cotas. Há algumas iniciativas pontuais que começaram a acontecer, como a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), que passou a considerar a maternidade no processo seletivo.