Mauricio Pestana: o significado real da palavra periferia
Chacina ocorrida nesta semana na Bahia mostra o quanto as periferias estão expostas à falta de cidadania e de direitos humanos



De todas as classificações que encontrei para a o termo periferia, o que mais sintetizou o significado real da palavra foi “afastada do centro urbano e que geralmente abriga população de baixa renda”.
Obviamente, a primeira vez que ouvi o termo foi lá mesmo na periferia, sentindo não apenas o peso da palavra, mas o sentido real do que a mesma queria dizer: lugar distante, carente, desprovido de muitos serviços públicos como saúde, educação, cultura, segurança e lei.
A segunda vez que realizei uma análise mais completa sobre os aspectos periféricos já foi de forma global. Descobri fora do país, mais precisamente na Europa, no dito “primeiro mundo”.
É como muitos nos veem: brasileiros latinos, subdesenvolvidos pertencentes aos países “periféricos”. Este é o olhar preconceituoso de fora para os lugares longínquos, desprovidos de uma atenção maior ou de importância. Por vezes, parece inerente àqueles que se sentem em uma posição geográfica mais desenvolvida.
Isso fica nítido quando, por exemplo, observamos geralmente o olhar que as regiões Sul ou Sudeste direcionam para o Norte ou Nordeste do Brasil ou, como muitos chamam, da periferia do país.
Essa introdução toda sobre periferia e abandono é para demonstrar o quanto a falta de cidadania e de direitos humanos brutaliza esses lugares e o quanto o olhar de quem geralmente está distante desses territórios se torna insensível diante de tragédias humanas que pensávamos estar guardadas nos primórdios da civilização ou no período da inquisição, fazendo da nossa insensibilidade ser parte desses tempos bárbaros.
Nesta semana, veio à tona a notícia de uma chacina com requintes de crueldade, de que não tínhamos notícias nem no período mais nefasto que o século 20 trouxe, com suas diversas ditaduras, torturas e desaparecimentos.
A chacina ocorrida na madrugada de segunda-feira (28), em duas casas vizinhas no Portal do Lunda, na Bahia, teve requintes de crueldade medieval com uma casa incendiada, deixando sete corpos carbonizados, incluindo crianças. Na casa, foram encontrados os corpos de duas mulheres que eram vizinhas da família atacada, que foram mortas com tiros tentando salvar vítimas da barbárie.
Apenas uma criança de 12 anos sobreviveu e foi socorrida com queimaduras graves e internada no Hospital Geral do Estado, em Salvador. A casa incendiada tinha marcas de sangue espalhadas pelas paredes pintadas de verde e no chão de cimento. Os cômodos ficaram tomados pelas cinzas após o trabalho do Corpo de Bombeiros. Brinquedos, como uma bicicleta cor-de-rosa, ficaram para trás.
Acontecimentos como esses são cada vez mais comuns nas periferias de Salvador, capital de um estado do Nordeste tido como periférico, de um país periférico da América Latina, considerada uma região periférica do mundo “civilizado”, onde a morte, com requintes de crueldade medieval coloca-nos todos, periféricos ou não, na condição de bárbaros insensíveis em pleno século 21, em que o direito de ser respeitado e evoluído no prisma dos avanços civilizatórios dependerá muito do território onde você reside e o olhar do “evoluído” para sua tragédia também se guiará por esse prisma.