Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    ONG é condenada em 1ª instância a ressarcir voluntários na Ucrânia após não repassar vaquinha online

    Em nota, a defesa da responsável pela organização contesta decisão e diz entender que "a sentença divergiu das provas apresentadas nos autos"

    Thiago Félixda CNN , São Paulo

    A ONG brasileira Frente BrazUcra, responsável por ajuda humanitária na guerra da Ucrânia, foi condenada a ressarcir duas pessoas que atuavam em solo ucraniano durante o conflito, após uma “vaquinha” online de arrecadação de fundos não ter repassado os valores aos voluntários.

    O conflito entre Rússia e Ucrânia começou em fevereiro de 2022, quando o brasileiro Alysson Guimarães Vitali, 46, um dos voluntários, vendo a situação da população local e a atuação da ONG pela mídia, embarcou para a fronteira ucraniana com a Polônia para auxiliar as vítimas do confronto e acabou passando 45 dias em solo ucraniano.

    A CNN teve acesso em primeira mão ao processo que tramita na Justiça de São Paulo desde o final de 2022. A sentença que envolve o ressarcimento aos voluntários soma a quantia de R$ 77.614,56 e deverá ser paga pela responsável pela organização, Clara Magalhães Martins. Ainda cabe recursos, já que a sentença saiu apenas na primeira instância.

    A ideia de Vitali era ficar apenas sete dias, mas percebeu que seria necessário um tempo maior. Sendo assim, buscou contato com a responsável pela organização, quando foi prometido que haveria ajuda de custo no que fosse necessário.

    A instituição criou uma campanha de doação online e arrecadou R$ 207.000,00; parte disso seria para ressarcir os custos de dois voluntários, mas o reembolso nunca foi feito.

    “Quando eu me juntei ao grupo, foi realmente como voluntário, com meu próprio recurso, mas por sete dias. Amigos ajudaram, familiares doaram dinheiro. Ficou claro e bem explícito que não daria para arcar financeiramente com um período maior. Mas como ela [Clara] abriu uma vaquinha e arrecadou uma verba, disse podermos ficar tranquilos, que todo gasto referente à ajuda, como medicamentos, alimentação, aluguel de carro, todos os custos inerentes a uma ajuda humanitária na guerra, seriam reembolsados. Assim, confiamos nela”, diz Vitali.

    Voluntários brasileiros na guerra entre a Rússia e Ucrânia
    Voluntários brasileiros na guerra entre a Rússia e Ucrânia • Arquivo pessoal

    Após arrecadação dos valores, Vitali apontou que a ONG criou novas regras para o ressarcimento, posteriores ao combinado. “Os que atuavam em solo ucraniano eram apenas nós três. Ela afirmou isso de forma autoritária. Éramos um grupo de pessoas tentando ajudar e, a partir de um momento, ela decidiu criar as diretrizes. Mas quando pedimos o reembolso, ela falou que havia uma diretriz, mas só estava na cabeça dela”, conclui Vitali.

    Na sentença, a juíza Priscilla Miwa Kumode indica na condenação que ré deverá “reembolsar os valores despendidos pelos autores para o resgate e para suprimento das necessidades básicas das pessoas afetadas pelo conflito armado, não estando inclusas, porém, as despesas dos autores com suas próprias necessidades ou valores despendidos para chegarem até o país”, cita trecho do documento.

    Procurada pela reportagem da CNN, tanto Clara Magalhães Martins quanto sua defesa enviaram notas, que seguem abaixo na íntegra:

    Nota – Clara Magalhães Martins

    Em resposta à matéria publicada em 9/12, gostaria de esclarecer os fatos, visto que não foi dado tempo suficiente para manifestação prévia de minha parte. Primeiramente, é importante destacar que os autores do processo, que publicamente se identificavam como voluntários independentes — fato notório amplamente divulgado em suas redes pessoais, páginas de doação e inúmeros artigos publicados pela mídia —, levantaram fundos de forma autônoma em nome da nossa iniciativa, com valores recebidos diretamente em suas contas pessoais. Esses recursos nunca foram declarados ou repassados para a iniciativa.

    Atuo na Ucrânia desde 2022 e continuo até hoje. No início da invasão em larga escala, pessoas de diversas nacionalidades uniram esforços para responder aos pedidos de auxílio do povo ucraniano. Na época, eu morava e estudava na Alemanha. Com meus próprios recursos, aluguei um carro e, em 25/02, fui até a fronteira polonesa para ajudar. Esse movimento cresceu rapidamente, tanto online quanto presencialmente, e contou com o apoio de um grupo de brasileiros que auxiliou na evacuação de centenas de pessoas e na entrega de toneladas de mantimentos.

    Em meio ao horror da guerra, foi reconfortante testemunhar o quanto as pessoas estavam dispostas a ajudar. Sempre digo que aqui conheci as melhores pessoas. Mas, infelizmente, também conheci as piores. Assim, nos causou surpresa quando essas duas pessoas entraram com um processo solicitando quase R$ 80 mil como reembolso por terem sido voluntários. A solicitação é infundada, já que o trabalho voluntário, por definição, não é remunerado nem implica expectativa de reembolso. O voluntariado é feito por vontade própria, não por expectativa de ganho financeiro.

    Todos os recursos arrecadados em 2022 foram integralmente destinados ao apoio direto ao povo ucraniano. Ressalto que, em quase três anos de atuação, jamais tive qualquer reembolso de despesas pessoais. Passei o primeiro ano morando em um carro, utilizei fundos próprios que estavam destinados à minha educação e, nesse sentido, tive que interromper meus estudos, e tive o apoio generoso de meu então empregador, que manteve meu salário por seis meses, permitindo que eu continuasse trabalhando voluntariamente.

    Hoje, quase três anos depois, continuo servindo ao povo ucraniano, recebendo reconhecimentos tanto de diversas unidades que apoio quanto de entidades brasileiras, sempre atuando de forma aberta e transparente. Sou apenas uma pessoa. Alguém que encontrou, na dor do outro, o seu propósito e que escolheu ficar, dando tudo de si na esperança de ajudar o próximo e aliviar seu sofrimento. Espero que esses esclarecimentos tragam maior transparência e ajudem a elucidar os fatos para o público.

    Nota de Esclarecimento – Giugliani Di Lullo Advogados

    Em relação ao processo judicial recentemente abordado por reportagem veiculada na mídia, esclarecemos os seguintes pontos:

    O processo em questão não se trata de uma demanda de prestação de contas, mas sim de uma ação com objetivos específicos delineados pelos autores. A sentença proferida não declarou que os valores arrecadados em campanha de financiamento coletivo (“vakinha”) foram utilizados de forma indevida. Além disso, a decisão não determinou a devolução integral dos valores gastos pelos Autores na missão, conforme almejavam. Ao contrário disso, limitou-se a determinar a devolução de valores destinados a despesas básicas e transporte dos refugiados envolvidos, sem acolher
    integralmente as alegações dos autores.

    Ressaltamos que a decisão judicial ainda não é definitiva. Entendemos que a sentença divergiu das provas apresentadas nos autos. No exercício do direito de defesa e do contraditório, estamos analisando os fundamentos da decisão e há possibilidade de interposição de recurso, visando à sua revisão por instância superior. Reforçamos nosso compromisso com a verdade dos fatos e com a defesa dos interesses de nosso cliente, respeitando os limites legais e éticos que regem nossa atuação.

    Tópicos