Esquema do PCC no setor de combustíveis: veja quem são os principais alvos

Rede criminosa, liderada por Mohamad Mourad, conhecido como "Primo", e Roberto Augusto Leme da Silva, o "Beto Louco", usava gestoras para lavar dinheiro e ocultar bens, revelam apurações que incluem quebra de sigilo bancário

Beto Souza, da CNN, em São Paulo
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Uma vasta investigação do MPSP (Ministério Público de São Paulo) revelou a atuação de uma complexa rede criminosa responsável por movimentações financeiras que superam R$ 8,4 bilhões em infrações penais, enriquecimento ilícito e lavagem de capitais.

A apuração destaca o uso estratégico de fundos de investimento e suas administradoras e gestoras como pilares centrais para a ocultação da verdadeira titularidade dos negócios e a lavagem de dinheiro.

Segundo a investigação, o grupo é liderado por Mohamad Hussein Mourad, o "Primo", e Roberto Augusto Leme da Silva, conhecido como "Beto Louco".

Empresas citadas na investigação

Segundo a investigação, a rede criminosa instrumentaliza centenas de empresas em diversos setores e estados, empregando "empresas de fachada" e "laranjas" para mascarar os verdadeiros controladores e beneficiários.

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Conforme a apuração do MP, essa estrutura oculta permite a movimentação de vultuosas quantias sem o devido rastreamento, dificultando a ação das autoridades.

Um dos focos da investigação é a instrumentalização de Fundos de Investimento. Essas entidades eram utilizadas para adquirir posições societárias em diversas empresas, além de usinas sucroalcooleiras, veículos e imóveis.

Conforme a investigação, a falta de transparência sobre os cotistas únicos e os beneficiários finais desses fundos é uma característica-chave que permitia a ocultação dos ativos ilícitos.

Entre as empresas citadas estão:

  • Trustee (Trustee Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda.): Atua como administradora e gestora de diversos fundos de investimento, sendo implicada na aquisição e ocultação de bens para o grupo criminoso. 

  • Reag (Reag Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A): Outra administradora e gestora de fundos de investimento amplamente utilizada. Outros fundos ligado à Reag, está implicado na ocultação de valores sem origem comprovada.

  • Zurich Fundo de Investimento em Participações Multiestratégia: Um fundo de investimento instrumentalizado pelo grupo Mohamad. Ele é sócio-proprietário de diversas empresas que recepcionaram imóveis do esquema, originalmente abrigados em outra estrutura societária.

Outros fundos mencionados

Outros fundos de investimentos aparecem citados na investigação. Segundo o documento, medidas de indisponibilidade de bens, direitos e valores foram apresentadas "a fim de assegurar a efetividade da persecução penal e a reparação dos danos causados, garantindo a perda de bens, direitos e valores que estejam direta ou indiretamente relacionados à prática de crimes".

Entre as menções feitas pela investigação estão o Banco Genial, que administrava um fundo envolvido no esquema com transferências de R$ 100 milhões.

Em contato com a CNN, a Genial afirmou que "diante da menção do Fundo em mídias de conotação negativa e até que os fatos sejam esclarecidos, o Banco Genial tomou a decisão de renunciar nesta data à prestação de todos os serviços ao Fundo".

Um documento obtido pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), no âmbito da Operação Carbono Oculto, organiza os investigados em três categorias distintas.

Na primeira lista, aparecem os principais suspeitos pessoas físicas, entre eles indivíduos identificados como “Primo” e “Beto Louco”. A segunda relaciona empresas supostamente vinculadas ao crime organizado, muitas delas sob influência dos dois nomes já citados. A terceira lista reúne as chamadas “contrapartes” — pessoas físicas e fundos de investimento, entre eles o GAD III, gerido pela gestora Buriti.

Esse fundo, segundo os investigadores, realizou a venda de ativos de uma usina do grupo Virgolino de Oliveira (VO), no interior de São Paulo, a uma empresa que, diferentemente da Buriti, aparece como suspeita de manter vínculos com organizações criminosas.

De acordo com documentos relacionados ao caso, a gestora Buriti não tem responsabilidade sobre a análise do comprador, tarefa que caberia ao administrador do fundo. Tanto a Buriti quanto outras empresas da terceira lista não foram formalmente acusadas, nem foram alvo de mandados de busca e apreensão. A Buriti informou que tomou conhecimento de sua citação nos autos apenas após reportagens da imprensa.

Investigação e medidas adotadas

A investigação, conduzida pelo Ministério Público (GAECO), adotou uma série de medidas contundentes para desvendar a intricada rede. Foram autorizadas buscas e apreensões em sedes e filiais de pessoas jurídicas, incluindo as administradoras e gestoras de fundos de investimento, para coletar evidências físicas e digitais.

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A quebra de sigilo bancário e fiscal de pessoas físicas e jurídicas envolvidas, abrangendo o período de 2020 a 2025, busca revelar extratos de movimentação e informações financeiras.

Adicionalmente, foi determinado o sequestro e bloqueio de bens, como ativos financeiros e veículos, incluindo os de fundos de investimento relacionados aos investigados, para garantir a reparação dos danos e impedir a dilapidação patrimonial.

A decisão que desmantelou a megaoperação reforça que a cooperação institucional entre órgãos como a Receita Federal, Secretarias da Fazenda e diversas polícias é fundamental para a análise dos dados e a produção de relatórios fiscais que delineiam a verdadeira face desses negócios ilícitos.

As medidas são justificadas por um robusto conjunto de elementos probatórios, como sobrepreço sistemático na aquisição de cana-de-açúcar, uso de IPs únicos em operações bilionárias, Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) do COAF indicando movimentações atípicas e operações incompatíveis com os objetos sociais declarados das empresas.

O que dizem as partes

A REAG Investimentos S.A. informa que colabora integralmente com as autoridades responsáveis pela Operação Carbono Oculto, e permanece confiante no regular funcionamento das instituições e da justiça, com a certeza de que todos os fatos serão devidamente esclarecidos.

Sobre os fatos objeto de apuração, esclarece que diversos Fundos de Investimentos mencionados na Operação nunca estiveram sob sua administração ou gestão.

Quanto aos Fundos de Investimento apurados em que a empresa atuou como prestadora de serviço, informa que agiu de forma regular e diligente. Cumpre registrar que tais fundos foram, há meses, objeto de renúncia ou liquidação.

Reforça, ainda, que não possui nem nunca possuiu qualquer envolvimento com as atividades econômicas ou empresariais conduzidas por esses clientes.

A REAG permanece em atuação com seu rigor técnico, ética e transparência, em estrita conformidade com as normas e exigências da lei e dos reguladores do sistema financeiro.

Já o Banco Genial manifestou "surpresa e indignação" ao ver seu nome mencionado pela operação. Veja a nota da instituição: 

"A instituição tomou conhecimento do assunto unicamente pela imprensa e, até o momento, não recebeu qualquer notificação oficial sobre a existência de procedimentos investigativos que a envolvam, seja direta ou indiretamente. O Banco Genial sempre conduziu suas atividades com base nos mais elevados padrões de governança corporativa, ética e compliance regulatório, em estrita observância à legislação e regulamentação aplicáveis. Reiteramos que estamos inteiramente à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos necessários. Ao mesmo tempo, repudiamos de forma veemente qualquer ilação infundada que possa macular a reputação da instituição e seus colaboradores."

Uma nova nota do Banco Genial, divulgada na noite desta quinta-feira (28), afirma que o banco tomou a decisão de renunciar nesta data à prestação de todos os serviços ao Fundo de Investimento Financeiro Multimercado Crédito Privado.

Em nota, a Buriti Investimentos esclarece que não foi notificada, não foi convocada para depoimento nem foi alvo de nenhum mandado de busca e apreensão no âmbito da Operação Carbono Oculto.

"A empresa tomou conhecimento do tema por meio da imprensa e não tem conhecimento sobre qualquer procedimento investigativo que a envolva, direta ou indiretamente. A Buriti reforça seu compromisso com a ética, a governança corporativa e o compliance e reitera que está inteiramente à disposição das autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos necessários", conclui.

A CNN tenta contato com as defesas de todos os citados na matéria. O espaço segue aberto.

Errata: a versão anterior do texto citava a Azumi DTVM como gestora do fundo GAD III. A informação, contudo, não procede e foi corrigida.