FGV: nenhum policial foi responsabilizado por letalidade em SP em seis anos

No estado, 946 mortes foram contabilizadas entre 2018 e 2024; todos os casos foram arquivados

Guilherme Gama, Rafael Saldanha, da CNN, em São Paulo
Compartilhar matéria

Entre 2018 e 2024, nenhum policial foi responsabilizado por abordagem violenta contra a população no estado de São Paulo, segundo o estudo do Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV Direito SP, divulgado nesta segunda-feira (5).

Em 62% dos casos, as vítimas eram pessoas negras, conforme o estudo. A análise foi feita com base em documentos de 859 procedimentos criminais, como boletins de ocorrência, relatórios e laudos, pareceres do Ministério Público e decisões judiciais.

Entre os inquéritos, uma a cada quatro vítimas foi fatal — foram 946 mortes em seis anos, sem responsabilização por parte da polícia.

Termos como “prática de crime” ou “atitude suspeita” foram usados para justificar as abordagens violentas, segundo a análise dos pesquisadores. O estudo ainda destaca que partes de investigações são omitidas como forma de favorecer a versão da política.

O exame de resquício de pólvora nas vítimas, por exemplo, foi negligenciado em 85,4% dos casos. Nos exames realizados, apenas 1% apresentou resultado positivo para disparo pelas vítimas.

“Os dados reunidos revelam um cenário de persistente impunidade, no qual a atuação policial letal é sistematicamente legitimada por narrativas oficiais, sustentadas em registros documentais marcados por seletividade racial, apagamentos e omissões técnicas” explica Julia Drummond, coordenadora-geral do Mapas da (In)Justiça.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo disse que as forças de segurança do Estado são instituições legalistas e não compactuam com excessos ou desvios de conduta de seus agentes. "As corporações promovem treinamentos constantes e contam com comissões especializadas para aprimorar os procedimentos. Por determinação da SSP, todos os casos de morte decorrente por intervenção policial (MDIP) são investigados com rigor pelas corregedorias, com acompanhamento do Ministério Público e do Judiciário."

A pasta afirma que, desde 2023, mais de 550 policiais foram presos e 364 demitidos ou expulsos das corporações.

Em nota, o Ministério Público de São Paulo diz que ofereceu sim, no período entre 2018 e 2024, diversas denúncias relativas a casos de mortes decorrentes de intervenção policial perante as Varas do Tribunal do Júri em todo o Estado. Informa, ainda, que nos episódios em que ocorre a promoção de arquivamento, a medida passa pelo crivo do Poder Judiciário.

Nota - MP de SP

O MPSP informa que, diferentemente do noticiado nesta semana com base em uma pesquisa da FGV, a instituição ofereceu sim, no período entre 2018 e 2024, diversas denúncias relativas a casos de mortes decorrentes de intervenção policial perante as Varas do Tribunal do Júri em todo o Estado. Importante salientar que, nos episódios em que ocorre a promoção de arquivamento, a medida passa pelo crivo do Poder Judiciário. Para fazer frente a seu papel constitucional, o Ministério Público instituiu, em 2022, o Grupo de Atuação Especial em Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (GAESP), que entre as suas atribuições precípuas busca a redução dos índices de letalidade policial. Para tanto, de forma inovadora e com base no princípio da transparência, o GAESP criou o painel de letalidade, disponibilizando ao público estatísticas atualizadas concernentes a mortes decorrentes de intervenção policial. A precariedade da pesquisa pode ser constatada pela simples consulta à página 11, em que consta que houve oferecimento de denúncia em caso de letalidade ocorrido no ano de 2018, ainda em tramitação na vara de origem. Isso contraria o relatado no Sumário Executivo do estudo, que sustenta, equivocadamente, não ter havido denúncias, assertiva, como demonstrado, que não expressa a realidade. Esta Procuradoria-Geral de Justiça reafirma o compromisso do MPSP, instituição que cumpre fielmente suas atribuições constitucionais, quais sejam a defesa do regime democrático e a defesa da ordem jurídica, no sentido de atuar incansavelmente para efetivar a Justiça e responsabilizar os autores de qualquer tipo de delito, incluindo os cometidos por militares, bem como expressa a sua irrestrita confiança na coragem e no profissionalismo dos mais de 2.000 membros, com os quais a sociedade poderá sempre continuar contando, da maior unidade do Ministério Público de todo o país.