Operação contra o PCC cumpre mandados na avenida Paulista

Alvo de ação tem endereço indicado como sede da empresa Athena Intermediações; objetivo é desarticular infiltração do PCC no setor de combustíveis e na exploração de jogos de azar

Carolina Figueiredo, da CNN, Vitor Bonets, da CNN*, em São Paulo
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Uma operação do MPSP (Ministério Público de São Paulo), deflagrada na manhã desta quinta-feira (25), cumpre 25 mandados de busca e apreensão. Um dos endereços alvo dos mandados está localizado na Avenida Paulista, região central de São Paulo, e é indicado como sede da empresa Athena Intermediações.

A Operação Spare é realizada em conjunto com a Polícia Militar do Estado de São Paulo e tem como objetivo desarticular a infiltração do PCC no setor de combustíveis e na exploração de jogos de azar.

A CNN tenta localizar os responsáveis pela defesa jurídica da empresa em busca de um posicionamento.

PCC, fintech e Carbono Oculto

A fintech por meio da qual a organização criminosa movimenta milhões de reais é a mesma utilizada pelos alvos da Operação Carbono Oculto, o que aproxima a ação desta quinta da ação do último dia 28 de agosto. A empresa foi identificada como a BK Bank.

As investigações tiveram início a partir da apreensão de máquinas de cartão em casas de jogos clandestinos situadas na cidade de Santos, que estavam vinculadas a postos de combustíveis.

A análise das movimentações financeiras revelou que os valores eram transferidos para uma fintech, utilizada para ocultar a origem ilícita dos recursos e sua destinação final.

Chefe do esquema

Conforme apurou a CNN, o chefe do esquema é Flávio Silvério Siqueira, conhecido como Flavinho, suspeito há anos de lavar dinheiro do crime organizado por meio de postos de combustíveis

A Receita Federal detalhou que Flavinho seria um dos principais operadores de uma organização criminosa que atua há mais de duas décadas no mercado de combustíveis no estado de São Paulo.

Motéis, postos e lojas

Segundo o MPSP, foi possível identificar uma complexa rede de pessoas físicas e empresas envolvidas na movimentação dos valores ilícitos.

Também foram identificados vínculos com motéis, postos de combustíveis, lojas de franquia e instituições de pagamento quem mantinham uma contabilidade paralela, dificultando o rastreamento dos recursos.

A operação coordenada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) conta com o apoio da Receita Federal, a Secretaria da Fazenda, a Procuradoria-Geral do Estado de SP e a Polícia Militar. Participam da ação 64 servidores da Receita, 28 promotores do MPSP e cerca de 100 PMs.

Como funcionava o esquema

O sofisticado esquema revelado na Operação Carbono Oculto, deflagrada no fim do mês de agosto, também era operado pelos alvos da “Spare”. Recursos ilegais eram inseridos no setor formal por meio de empresas operacionais. Esse movimento se dava em espécie e por maquininhas via fintechs, e posteriormente os recursos lavados eram reinvestidos em negócios, imóveis e outros ativos, por meio de Sociedades em Conta de Participação (SCP).

O principal alvo da operação, o Flavinho, está ligado a uma extensa rede de postos de combustíveis usada para lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. A estrutura foi identificada a partir da concentração de empresas sob responsabilidade de um único prestador de serviço, que formalmente controlava cerca de 400 postos - sendo 200 vinculados diretamente ao alvo e seus associados.

A Receita Federal identificou ao menos 267 postos ainda ativos que movimentaram mais de R$ 4,5 bilhões entre 2020 e 2024, mas recolheram apenas R$ 4,5 milhões em tributos federais - o equivalente a 0,1% do total movimentado, percentual muito abaixo da média do setor. Também foram identificadas administradoras de postos que movimentaram R$ 540 milhões no mesmo período.

A atuação do grupo, no entanto, não se restringia ao setor de combustíveis. Por meio de pessoas relacionadas, o principal alvo também operava lojas de franquias, motéis e empreendimentos na construção civil.

Durante as fiscalizações da Receita, foram identificados 21 CNPJs ligados a 98 estabelecimentos relacionados a uma mesma franquia, todos em nome de alvos da operação desta quinta.

Mais de 60 motéis também foram identificados, a maioria em nome de “laranjas”, com movimentação de R$ 450 milhões entre 2020 e 2024. Esses estabelecimentos contribuíram para o aumento patrimonial dos sócios, com distribuição de R$ 45 milhões em lucros e dividendos. Um dos motéis chegou a distribuir 64% da receita bruta declarada. Restaurantes localizados nos motéis, com CNPJs próprios, também integravam o esquema - um deles distribuiu R$ 1,7 milhão em lucros após registrar receita de R$ 6,8 milhões entre 2022 e 2023.

Segundo a Receita, operações imobiliárias realizadas pelos CNPJs de motéis vinculados a integrantes da organização criminosa também chamaram atenção. Um dos CNPJs adquiriu um imóvel de R$ 1,8 milhão em 2021; outro comprou um imóvel de R$ 5 milhões em 2023.

As investigações revelaram ainda o uso de SCPs para construção de empreendimentos imobiliários, especialmente prédios residenciais em Santos, durante a década de 2010. Como os sócios ocultos dessas sociedades são mantidos em sigilo, não é possível determinar quantas ainda estão em poder dos alvos. Com base em uma sócia ostensiva comum, estima-se que ao menos 14 empreendimentos movimentaram R$ 260 milhões entre 2020 e 2024.

Aquisicão de bens de luxo

Com os recursos obtidos por meio do esquema, os alvos da operação adquiriram imóveis e bens de alto valor, diretamente ou por meio de empresas patrimoniais e de fachada.

Entre os bens estão um iate de 23 metros, inicialmente comprado por um dos motéis e depois transferido a uma empresa de fachada, que também adquiriu um helicóptero; outro helicóptero (modelo Augusta A109E) foi comprado em nome de um dos investigados; um Lamborghini Urus adquirido por empresa patrimonial; além de terrenos onde estão localizados diversos motéis, avaliados em mais de R$ 20 milhões. Estima-se que os bens identificados representem apenas 10% do patrimônio real dos envolvidos.

A Receita Federal também detectou um padrão de retificação de declarações de Imposto de Renda: declarações antigas e recentes eram retificadas no mesmo dia, com inclusão de altos valores na ficha de bens e direitos da declaração mais antiga - próxima à decadência - sem a correspondente inclusão de rendimentos e pagamento de imposto, o que configura mais uma tentativa de indicar origem para patrimônio adquirido com recursos sem origem e não tributados.

Usando desse artifício, membros da família do principal alvo aumentaram seu patrimônio informado de forma irregular em cerca de R$ 120 milhões.

Conexão com Carbono Oculto

Durante as investigações, foram identificadas conexões entre os alvos da “Operação Spare” e indivíduos envolvidos em outras ações de combate ao PCC, incluindo a própria “Operação Carbono Oculto” e a “Operação Rei do Crime”. Entre os indícios estão transações comerciais e imobiliárias entre os investigados, uso compartilhado de helicópteros e reservas conjuntas de passagens para viagens internacionais.

A Receita Federal também deflagrou outras ações com foco em combustíveis. Por meio de sua área aduaneira, realizou na última sexta-feira (19) a “Operação Cadeia de Carbono”, que resultou na apreensão de cargas de dois navios no Porto do Rio de Janeiro.

As mercadorias, compostas por petróleo e seus derivados, foram avaliadas em aproximadamente R$ 240 milhões e são suspeitas de terem sido importadas por empresas que não comprovaram a origem dos recursos utilizados para aquisição de bens de valor tão elevado.

O nome “Spare”, que batiza a operação desta quinta-feira foi retirado do boliche. Um spare ocorre quando o jogador derruba todos os pinos após os dois arremessos de uma mesma rodada. No contexto do combate à organização criminosa, a “Operação Carbono Oculto” representaria o primeiro arremesso, e a operação de hoje, o segundo, concluindo o objetivo inicial.

(Em atualização)