Em sessão marcada por abandonos, médicos mantêm defesa do 'tratamento precoce'

Nesta sexta-feira (18), foram ouvidos Ricardo Ariel Zimerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves

Murillo Ferrari, Rafaela Lara e Renato Barcellos, da CNN, em São Paulo, e Gustavo Zucchi, da CNN, em Brasília
Ricardo Ariel Zimerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves
Ricardo Ariel Zimerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves  • Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Compartilhar matéria

A CPI da Pandemia ouviu nesta sexta-feira (18) os médicos Ricardo Ariel Zimerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves.

Além da ampla defesa do chamado "tratamento precoce", a sessão foi marcada pelo abandono de alguns parlamentares. O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), se recusou a fazer perguntas para os médicos e se retirou da sessão.

"Com todo respeito, mas eu me recuso a fazer qualquer pergunta aos depoentes. Não dá para continuar nesta situação. A CPI tem papel de dissuadir práticas criminosas, como essa do presidente da República", disse Renan, se referindo à transmissão na véspera feita por Jair Bolsonaro (sem partido) em sua conta no Facebook criticando vacinas contra o novo coronavírus.

Além do relator, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e o senador Humbeto Costa (PT-PE) também deixaram a sessão.

Embora tenham criticado a "imunidade de rebanho", os médicos ressaltaram que o termo "tratamento precoce" é errado, mas defenderam que medidas -- como o uso de medicamentos sem eficácia científica comprovada contra a Covid-19 -- sejam tomadas assim que é feito o diagnóstico do paciente.

"Deixando bem claro que o termo tratamento precoce, em si, é um erro. Não existe tratamento precoce, existe tratamento", afirmou Francisco Alves. "Nenhum médico espera um câncer ficar do tamanho de um abacate para propor um tratamento para o cidadão. Não espero um paciente com dor no peito infartar para propor o tratamento.

Zimerman foi convidado a partir de requerimentos dos senadores Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Marcos Rogério (DEM-RO). Já Alves teve convite solicitado por Jorginho Mello (PL-SC), Ciro Nogueira (PP-PI) e Heinze.

Também estava prevista para a sessão a votação de ao menos 40 requerimentos de transferência de sigilo, convocação e pedidos de informação, mas a discussão e análise dos pedidos foi adiada pela mesa diretora da CPI.

Médicos Ricardo Ariel Zimerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves
Médicos Ricardo Ariel Zimerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Resumo da CPI da Pandemia:

• Imunização de rebanho não pode ser usada como estratégia

"[Imunização de rebanho] é a consequência de as pessoas não serem mais suscetíveis, só isso. Queremos que essa consequência chegue com a imunização do maior número possível de brasileiros, por isso que coloquei, por exemplo, minha foto sendo imunizado com a Coronavac – porque eu estou defendendo o que eu prego para meus pacientes", disse o especialista.

Depois, Aziz perguntou se quem se contamina com Covid-19 ficaria imunizado contra a doença. O infectologista começou a responder citando um estudo na África do Sul, que considerou inadequado, mas foi interrompido pelo parlamentar e não concluiu sua explicação.

"O termo [imunização de rebanho] vem da vacinologia, vossa excelência. Como que podemos dissociar?", disse, citando uma fórmula estatística.

• 'Tratamento off label deve complementar outras estratégias'

"Me parece lógico que se fizermos a vacinação e fizermos o tratamento, teremos resultado potencializado em relação a escolher um ou outro", disse.

"Bom é que a gente não precisa escolher, podemos fazer os dois. E recomendo fortemente que as pessoas usem todas as estratégias disponíveis, não é o momento de politização. Se não usarmos tudo que, o vírus pode continuar evoluindo para linhagens cada vez piores", completou.

Ele disse ainda ter sido um dos primeiros a se vacinar com a Coronavac e que publicou isso em sua conta no Instagram para estimular as pessoas a fazerem o mesmo. "A vacina, na época, tinha sido aprovada com uma apresentação de slides, mas eu entendi a relevância disso em saúde pública. Minha pergunta é: porque com meta-análises essas drogas não podem ser, também, consideradas?"

Já Francisco Alves, sobre a mesma questão, exemplificou que estão em andamento em todo mundo as campanhas de vacinação contra a Covid-19 apesar de não haver estudos randomizados, duplo-cego, multricêntricos.

"Não dá para entender porque que se adotam dois pesos e duas medidas. Vacinação é essencial em qualquer epidemia, em qualquer doença infecciosa como um todo. Mas nunca foi e nunca será a única estratégia de combate e remissão de doenças", afirmou.

"Até porque, essas  vacinas para Covid não são esterilizantes. Elas tem eficácia medida na redução da incidência da doença (...) que é o que no fim importa. A pessoa quer se proteger do vírus, não quer morrer do vírus. Contar com a vacina como único método é errada".

• Administração de dose errada pode matar, diz Zimermam

"Os fármacos devem ser prescritos por médicos e com acompanhamento. Algumas dessas drogas têm doses letais. A cloroquina é um exemplo clássico, as pessoas podem morrer envenenadas pela cloroquina, infelizmente isso pode acontecer. Então é uma catástrofe uma administração de dose errada. Não pode. Isso precisa estar claro. Como disse o Dr. Francisco [Alves], a diferença entre medicamento e veneno é a dose."

Segundo ele, essas indicações para o tratamento da doença provocada pelo novo coronavírus não podem ser feitas sem um kit fixo de medicamentos e respeitando a individualidade dos pacientes. "É preciso individualizar sempre", disse.

• Termo 'tratamento precoce' é um erro em si e foi estigmatizado, diz infectologista

"Deixando bem claro que o termo tratamento precoce, em si, é um erro. Não existe tratamento precoce, existe tratamento", afirmou;

"Nenhum médico espera um câncer ficar do tamanho de um abacate para propor um tratamento para o cidadão. Não espero um paciente com dor no peito infartar para propor o tratamento."

Ele defendeu que seja iniciado o tratamento assim que é feito o diagnóstico do paciente.

"Esse termo 'tratamento precoce', que acabou surgindo e foi cunhado para identificar que o tratamento deveria ser o mais cedo possível diante dos sintomas, acabou estigmatizado e quem o defende é alvo de ataques nas redes sociais e na própria comunidade médica", ressaltou

"Mas a gente não liga porque sabemos que estamos salvando vidas. Então, não vai ser a chacota de algum colega negacionista que vai me fazer voltar atrás."

• Cloroquina foi alvo de politização e viés de confirmação

"Eu nunca vi antes e acho que [esse embate] é explicado pela politização que, infelizmente aconteceu", afirmou.

"O que ocorre é uma espécie de viés de confirmação. Ou seja, se você já decidiu seu lado, você não vai querer ler o que diz o contrário. Eu fico até duas horas da manhã toda noite, e meus colegas também, revisando todas as evidências", completou.

Ele disse ainda que quem faz análise sistemática e não heurística das evidências, quem não tem viés confirmatório, em geral, chega a mesma conclusão que ele – mais cedo, o médico disse que era favorável ao uso de hidroxicloroquina em algumas situações, mas que não defendia imunoterapia.

• 'Lockdown total causa riscos por aglomerar pessoas em casa', diz médico

"Quando ficam 6, 7, 8 pessoas dentro de casa, para o gestor de saúde pública pode ser um lockdown, para o vírus é uma aglomeração", afirmou.

Ele disse ainda haver correlação entre a "aglomeração intradomiciliar" e o surgimento da cepa P.1, registrada pela primeira vez em Manus. "Para P.1 surgir foi necessário 35 mutações. Esse salto evolutivo só ocorreria em um ambiente de muita replicação viral, descontrolada."

• Zimerman reclama que médicos sofrem coerção

Ricardo Ariel Zimerman avaliou que a coerção é um grande problema que os médicos vem enfrentando. Segundo ele, há um de a primeira opinião ser sempre igual porque os médicos estão com medo.

"Então para que realmente exista uma segunda, terceira opinião, o ambiente precisa ser livre de coerção. Todo mundo que tá tentando tratar seus pacientes tá sofrendo coerção de coletivos diversos", afirmou.

O médico ressaltou também que quem se posiciona a favor de medicamentos como cloroquina e ivermectina -- sem comprovação científica contra a Covid-19 --, em geral, respeita mais a autonomia médica.

“Quem se posiciona contra parece que traz os mesmos artigos, quem se posiciona a favor conhece aqueles artigos mas conhece outros também. Quem se posiciona contra não quer que ninguém prescreva nada", disse. "Do ponto geral, é simples, é só respeitar o que o CFM orienta.”

Para Francisco Eduardo Cardoso Alves, o direito a uma segunda opinião é um "direito sagrado" e nenhum médico pode impedir ou bloquear o o direito do paciente buscar outro posicionamento. Ele ressaltou ainda a importância da autonomia médica.

“O órgão que regula a medicina no Brasil é o Conselho Federal de Medicina a gente não pode em nenhum momento que organismos externos tentem passar o CFM (...) será o caos, será o caos. Sem a autonomia, nós não somos nada.”

• À margem da CPI, Renan anuncia lista de 14 investigados

Em entrevista coletiva à margem da sessão da CPI, o relator senador Renan Calheiros (MDB-AL) divulgou uma relação de 14 pessoas que passarão a ser tratadas como investigadas pela comissão.

Na quinta-feira (17), o analista de política da CNN Caio Junqueira havia antecipado 12 dos 14 nomes presentes na lista de Renan.

Além do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e de seu antecessor, Eduardo Pazuello, estão também de pessoas próximas ou ligadas ao governo federal.

Veja a lista dos investigados pela CPI (na ordem anunciada por Renan):

  1. Elcio Franco, ex-secretário do Ministério da Saúde;
  2. Arthur Weintraub, ex-assessor da Presidência;
  3. Carlos Wizard, empresário
  4. Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde;
  5. Ernesto Araújo; ex-ministro das Relações Exteriores;
  6. Fabio Wajngarten; ex-secretário de Comunicação;
  7. Francieli Fantinato; coordenadora do Programa nacional de Imunização;
  8. Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde;
  9. Marcellus Campêlo, ex-secretário de Saúde do Amazonas;
  10. Marcelo Queiroga, ministro da Saúde;
  11. Mayra Pinheiro; secretária de gestão e trabalho do Ministério da Saúde;
  12. Nise Yamaguchi; médica
  13. Paulo Zanoto; médico
  14. Luciano Dias Azevedo, médico anestesista

• Renan, Randolfe e Humberto Costa deixam sessão da CPI

"Com todo respeito, mas eu me recuso a fazer qualquer pergunta aos depoentes. Não dá para continuar nesta situação. A CPI tem papel de dissuadir práticas criminosas, como essa do presidente da República", disse, se referindo à transmissão na véspera feita por Jair Bolsonaro (sem partido) em sua conta no Facebook criticando vacinas contra o novo coronavírus.

"E ele continua a fazê-lo. Isso não pode continuar. Chegaremos sábado a meio milhão de mortes por Covid no Brasil. E ainda continuamos a ouvir esse tipo de irresponsabilidade. Precisamos dar um basta nisso tudo.”

Renan foi seguido pelo vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e por Humberto Costa (PT-PE).

Além do relator da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), seguem na sessão os senadores Ciro Nogueira (PP-PI), Eduardo Girão (Podemos-CE), Marcos do Val (Podemos-ES), Jorginho Mello (PL-SC) e Luis Carlos Heinze (PP-RS).

Tasso Jereissati (PSDB-CE), considerado independente, também registrou presença de forma virtual na sessão.

• 'Cloroquina foi fármaco reposicionado com melhor desempenho', diz Francisco Alves

"Quando se trata de ajudar o país e ajudar o povo brasileiro, não devemos jamais olhar para bandeiras políticas e, sim, fazer o que há de melhor para cumprir nossa missão", afirmou.

Ele afirmou ainda que, no começo da pandemia, quando surgiram os primeiros estudos sobre o reposicionamento de fármacos para o tratamento da Covid-19, a cloroquina e sua 'prima' farmacológica, hidroxicloroquina foram as que apresentaram melhor desempenho.

"Em medicina, a prática de utilizar fármacos homologados em tratamento para outras doenças se chama uso 'off-label', ou seja, fora da bula oficial. Em alguns casos o uso “off-label” se torna tão benéfico que ele acaba sendo incorporado depois pelas agências", disse o médico.

Ele disse que, ao contrário do que foi dito por pessoas "que se intitulam divulgadores, a ciência não é fruto de consenso". "Isso não existe na ciência, em especial, na ciência de fronteira, que analisa o novo, o desconhecido. O dissenso, as diversas opiniões contrárias, os embates teóricos, são parte da essência da ciência, que nasce da observação."

O médico também criticou o estudo realizado no Amazonas com cloroquina.

"O grupo de alta dosagem teve 40% de mortes (...) e, inacreditavelmente, foi aceito para publicação. Em comparação, os 14 ensaios clínicos randomizado sobre monoterapia com hidroxicloroquina não mostraram um caso sequer de arritmia fatal”, afirmou.

• Zimerman defende 'medicina baseada em evidências'

"A medicina baseada em evidência não é tão simples quanto parece. Medicina baseada em evidências não é só ensaios clínicos, randomizados, duplo cego, controlados por placebo", disse ele.

"Na verdade, esses estudos correspondem mais ou menos ao que seriam a Constituição [brasileira]: são extremamente robustos, mas eles tem um problema. Como esses estudos são difíceis de serem feitos, em geral, o número de pacientes arrolados é muito baixo e carecem de poder estatístico para mostrar diferença", completou.

Ele afirmou que, por esse motivo, é preciso juntar esses ensaios para que sejam feitas meta-análises, que também teriam um grau elevado de evidências.

"Dizer que estudo observacional não servem, quando bem corrigidos trazem a mesma resposta que os ensaios clínicos randomizados", afirmou Zimerman, afirmando que em uma pandemia, quando se tem dificuldade em encontrar pacientes para estudos randomizados, os observacionais servem.

• Aziz adia votação de requerimentos

"A votação ficou para terça-feira (22) para respeitar o prazo regimental de 48 horas entre a inclusão dos itens na pauta" da CPI e a data votação pela comissão, informou o senador, ao abrir a sessão desta sexta-feira.

Justificativa das convocações

Zimerman é médico infectologista e ex-presidente da Associação Gaúcha de Profissionais em Controle de Infecção e Epidemiologia Hospitalar. Ele afirma em vídeo que medicamentos para o "tratamento precoce" da Covid-19, como ivermectina e hidroxicloroquina, já têm eficácia comprovada.

Alves é especialista em Infectologia pelo Instituto Emílio Ribas e diretor-presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP). Ele é apontado como um dos coautores da nota informativa do Ministério da Saúde que dava orientações para o "tratamento precoce" da covid-19.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), não existe tratamento precoce com comprovação científica contra a Covid-19. O que médicos e cientistas defendem é o distanciamento social, o uso de máscaras e álcool em gel e a vacinação da população.

Além disso, a própria OMS, a Europa e a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não recomendam o uso de cloroquina para tratar a Covid-19.

CPI da Pandemia aprovou convocação de Osmar Terra e de servidor do TCU
CPI vota requerimentos e ouve médicos que defendem 'tratamento precoce'
Foto: Marcos Oliveira - 9.jun.2021/Agência Senado

(Com informações da Agência Senado)