Bolsonaro diz que Cid tinha "autonomia" e cita "vácuo" na legislação sobre presentes da Presidência

Ex-presidente citou portaria de 2018 que já foi revogada para justificar joias em seu acervo pessoal durante entrevista ao Estadão

Fernanda Pinotti, da CNN, em São Paulo
Bolsonaro foi perguntado sobre o esquema de venda de joias recebidas pela Presidência  • REUTERS/Adriano Machado/File Photo
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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid tinha "autonomia" e que "o tempo deve clarear" o que ocorreu.

Durante entrevista ao Estadão, nesta sexta-feira (18), Bolsonaro foi perguntado sobre o esquema de venda de joias recebidas pela Presidência como presentes oficiais investigado pela Polícia Federal (PF).

Na noite de quinta-feira (17), o advogado de Mauro Cid, Cezar Bitencourt, afirmou que o ex-ajudante estava pronto para confessar que vendeu as joias dadas de presente ao governo brasileiro por ordem de Bolsonaro. No entanto, na manhã desta sexta, a defesa de Cid indicou que o militar pode recuar da decisão.

A pedido da PF, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou a quebra os sigilos bancário e fiscal da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e do ex-presidente, no Brasil e no exterior. Quando questionado sobre a decisão, Bolsonaro respondeu que não havia "problema nenhum".

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro se pronunciou, na manhã desta sexta-feira (18), sobre a decisão do ministro.

Em publicação no stories do Instagram, Michelle disse: “Pra quê quebrar meu sigilo bancário e fiscal? Bastava me pedir! Quem não deve, não teme!”

A PF obteve um áudio no qual Mauro Cid diz que seu pai, Mauro Lourena Cid, estaria em posse de US$ 25 mil, em dinheiro vivo, para entregar a Bolsonaro. Quanto a esse valor, o ex-presidente afirmou: "Não recebi nada".

"Vácuo" na legislação

Durante a entrevista ao Estadão, o ex-presidente citou mais de uma vez a portaria 59, publicada em novembro de 2018 pela Secretaria-Geral da Presidência da República, ainda no governo de Michel Temer. O texto dessa portaria diz que itens de natureza personalíssima não precisam ser incorporados ao acervo patrimonial da Presidência, ou seja, poderiam ser incorporados ao acervo privado.

A portaria 59 define como personalíssimos: condecorações, vestuários, artigos de toalete, roupas de casa, perecíveis, artigos de escritório, joias, semijoias e bijuterias.

No entanto, essa portaria foi revogada em 2021, durante o governo do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, perdendo o efeito.

Questionado pelo Estadão sobre essa revogação, Bolsonaro cita um "vácuo" depois que a portaria é revogada.

"Até o final de 2021, tudo é personalíssimo, inclusive joia. Dali pra frente pode ter um vácuo. Precisa de uma lei para disciplinar isso aí", disse o ex-presidente. "A partir de 2022, não está definido o que é personalíssimo. Não quer dizer que seja ou não seja. Fica no ar."

Veja também: Mauro Cid é pressionado a recuar de confissão sobre venda de joias

"Foi o meu governo que revogou a portaria. Se eu tivesse intenção outras, não teria revogado", acrescentou.

Bolsonaro disse que o Tribunal de Contas da União (TCU) já "provocou" o Congresso para que uma decisão legislativa seja tomada de forma definitiva. "O Lula sofre até hoje com isso, todos os presidentes sofreram", segundo ele.

O entendimento do TCU sobre o caso foi fixado durante julgamento de 2016, que abordava os presente recebidos por Lula e Dilma durante seus mandatos. A decisão determina que todos os presentes e documentos recebidos pela Presidência devem ser incorporados ao patrimônio da União, com exceção de itens de natureza personalíssima ou consumo próprio.

O Tribunal cita como exemplos de itens "personalíssimos": medalhas personalizadas, bonés, camisetas, gravata, chinelo, perfumes, entre outros.

Embora joias não sejam expressamente citadas na decisão, durante seu voto, o relator do caso, ministro Walton Alencar, deixou claro que elas não estariam incluídas.

"Imagine-se, a propósito, a situação de um Chefe de Governo presentear o Presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do Presidente da República, uma vez que ele os recebe nesta pública qualidade", segundo o entendimento de Alencar.