Cristiano Carvalho diz que venda de vacina se encerrou com saída de Pazuello
Representante oficial no Brasil da Davati terá de depor à CPI da Pandemia nesta semana e antecipou à CNN o que pretende falar aos senadores da comissão

Representante oficial no Brasil da Davati, empresa que tentou vender vacinas AstraZeneca ao governo brasileiro, Cristiano Carvalho terá de depor à CPI da Pandemia nesta semana. Ele antecipou à CNN o que pretende falar aos senadores da comissão.
Carvalho diz que sua participação nas tratativas para o negócio bilionário começou no início de fevereiro com telefonemas feitos a ele pelo próprio Roberto Dias, então diretor de logística do Ministério da Saúde. As tentativas de fechar o contrato se encerraram em 15 de março, com a demissão de Eduardo Pazuello do comando da pasta.
Pouco antes de Jair Bolsonaro (sem partido) trocar seu ministro, Carvalho estivera em Brasília num encontro no Ministério da Saúde com Élcio Franco, que comandava a secretaria-executiva, para tentar concluir o negócio. Ele diz que as conversas não mais prosperam a partir da saída de Pazuello e Franco da pasta.
“Nunca mais estive em Brasília ou estive em contato com alguém do Ministério da Saúde. Acredito também que a Davati não mais evoluiu desde então”, disse.
Carvalho nega que, durante as negociações, tenha recebido pedido de propina ou relato de cobrança neste sentido.
Segundo Carvalho, ele chegou ao negócio por intermédio de Rafael Alves. Foi ele quem Dominghetti procurou na segunda quinzena de janeiro “buscando um fornecedor de vacinas para atender o governo federal”. Dominghetti afirmava que tinha acesso ao Ministério da Saúde.
Contatos
Inicialmente, Alves apresentou a Dominghetti a empresa Latin Air Suport como um caminho para o fornecimento de vacinas, mas essa frente não prosperou, afirma Carvalho.
No dia 3 de fevereiro, Cristiano recebeu os primeiros contatos de Roberto Dias, então diretor de logística do Ministério da Saúde, que na ocasião já estava em contato com Dominghetti.
De acordo com Carvalho, Dias se apresentou como diretor do ministério e ele demorou a retornar, porque, a princípio, não acreditou que era mesmo um diretor da pasta. A CNN mostrou que mensagens e registros de ligações do celular de Cristiano já indicavam a tentativa de contato de Dias no início de fevereiro.
Os contatos diretos de Carvalho e Dominghetti começaram no dia 10 de fevereiro. “Sempre fui incrédulo desta negociação com o Ministério da Saúde, porém fui obrigado a dar credibilidade, a partir do momento que chegavam e-mails do Ministério da Saúde agendando reuniões”, disse Carvalho.
Ele cita um e-mail enviado pela Secretaria de Vigilância em Saúde no dia 18 de fevereiro, informando que estavam trabalhando para atender à solicitação de uma audiência “com a brevidade possível”. O pedido havia sido feito pelo reverendo Amilton de Paula que, dias depois, foi mesmo recebido com Dominghetti pelo então diretor do departamento de imunização, Lauricio Cruz.
Carvalho diz que, diante dos sinais do Ministério da Saúde, partiu em busca de alguém que pudesse fornecer vacinas. Ele nega que Roberto Dias tenha falado em propina ou comissão nos contatos que os dois tiveram.
“Entrei em contato com um conhecido nos Estados Unidos, apresentado a mim em 2020 por amigos em comum: o coronel Guerra, que vive nos Estados Unidos. Havia rumores de que a Davati possuía acesso a vacinas de Covid”, relata Carvalho.
Guerra é brasileiro e amigo do presidente da Davati, Herman Cárdenas.
“Expliquei que um diretor do Ministério da Saúde buscava adquirir vacinas, onde foi afirmado a mim que o Sr. Herman Cárdenas possuía acesso a distribuidores e alocadores de fabricantes de vacinas contra Covid-19, porque já atuava na Índia com o fabricante de outros medicamentos e outros tipos de vacinas”, diz.
A partir daí, Carvalho afirma que Dias e Cárdenas passaram a trocar e-mails e, no dia 26 de fevereiro, a Davati formalizou uma proposta de venda de vacinas.
“Caso não existisse o produto da proposta, [Herman Cárdenas] responderia por crime de perjúrio nos Estados Unidos. Assim, o coronel Guerra me passou conforto: não poderia existir falta de veracidade na proposta”, disse.
A oferta foi enviada um dia após o jantar entre Dominghetti e Roberto Dias num restaurante em Brasília. O cabo da PM diz que, nesse encontro, houve pedido de propina por Dias, o que o ex-diretor da Saúde nega.
Segundo Carvalho, a Davati não teve confirmação de Dias sobre a proposta. E, no dia 1º de março, ele recebeu, então, ligação do coronel Marcelo Blanco, que atuou na diretoria de Logística do Ministério da Saúde. Blanco também irá depor à CPI nesta semana.
“Ele se apresentou como sendo de Brasília, tendo recebido meu contato através do Dominghetti e propondo um call [ligação] entre nós e o Roberto Dias”, disse Carvalho. A conferência telefônica, segundo ele, não chegou a ocorrer.
O último contato com Blanco ocorreu dia 9 de março, de acordo com Carvalho. “Nunca o senhor coronel Blanco mencionou algum jantar entre as partes ou qualquer questão de propina de US$ 1 a dose ou favorecimento ao senhor Roberto Dias”, afirma.
Negociações
Carvalho diz ainda que nunca esteve pessoalmente com Blanco ou Dias e que, a partir desta data, as negociações passaram a ser conduzidas “exclusivamente” pelo reverendo Amilton De Paulo “como facilitador da venda entre a Davati e o Ministério da Saúde”. Como mostrou a CNN, a Davati chegou a enviar um ofício à pasta no dia 8 de março nomeando o reverendo como interlocutor “devido às dificuldades para atender as necessidades” do governo.
Segundo ele, houve, então, “uma extensa troca de e-mails” entre o reverendo e o presidente mundial da Davati sobre negócios e propostas no “Ministério da Saúde do Brasil e também Emirados Árabes”.
“Conforme relatado por vários e-mails do reverendo Amilton, a última proposta feita e assinada pela Davati estava na iminência de ser concluída no dia 12 de março”, afirma. A CNN teve acesso a essa correspondência, na qual o reverendo afirmou que havia expectativa de o negócio ser finalizado.
É neste dia que Carvalho desembarcou em Brasília com a expectativa de “fechar negócio”. Segundo ele, é somente no dia 12 de março também que ele conhece pessoalmente Dominghetti e o reverendo.
“Fomos recebidos no aeroporto pelo advogado de um instituto chamado Força Brasil, que nos levou à sede deste instituto para conhecer o Coronel Hélcio Bruno, presidente do Instituto, bem como encontramos no instituto o reverendo Amilton”, diz. Hélcio Bruno afirmou que levaria o grupo no mesmo dia para falar com o então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, o que aconteceu.
“Chegamos por volta das 10h ao Ministério da Saúde”, sendo atendidos inicialmente pelo coronel Boechat em seu gabinete. Após alguma espera, fomos atendidos pelo secretário Elcio Franco e pelo coronel Pires, quando apresentei as informações que possuía da Davati, mencionamos assim as tratativas com o senhor Roberto Dias, as quais o secretário Élcio Franco desconhecia”, afirmou Carvalho.

Contato com a Presidência
Ele diz que todos saíram do ministério por volta das 12h30 e foram, então, almoçar na casa do reverendo. Foi neste encontro que Amilton de Paula disse que poderia colocar Carvalho em contato com Jair Bolsonaro ou com alguém da presidência.
“Vale ressaltar que não respondo legalmente pela empresa Davati, seja no Brasil ou no exterior. Não tenho acesso aos seus fornecedores de vacinas para Covid, não possuo vínculo empregatício ou contratual, sendo que paguei do meu bolso todas as despesas da minha ida para Brasília para essa suposta conclusão do negócio”, diz.
Segundo Cristiano, as tentativas de negócio se encerraram em definitivo após a demissão de Eduardo Pazuello e a saída de Élcio Franco do posto de número dois do ministério.
Ele diz que é a Davati e Herman Cárdenas que devem esclarecer sobre se havia capacidade de fato de fornecimento das vacinas, conforme proposta feita.
“O senhor Herman Cárdenas nunca mencionou as informações financeiras de sua empresa ou de fornecedores de vacinas de Covid. Sempre atuei como um vendedor autônomo no Brasil, como outros que a Davati possui ou possuía”, afirma.
Procurado, Helcio Bruno e Instituto Força Brasil responderam por meio de nota: “O senhor presidente da Senah fez convite aos integrantes do IFB, que participaram de audiência na secretaria-executiva no dia 12/3 para um almoço residencial, considerando que os restaurantes estavam fechados (Lockdown). Participamos do almoço. Desconhecemos qualquer menção sobre um eventual encontro posterior com o senhor presidente ou Casa Civil, atribuídas ao presidente da Senah”.
A CNN procurou ainda a secretaria de comunicação da Presidência, a Senah, Rafael Alves, a Davati, o coronel Guerra, Élcio Franco e aguarda os posicionamentos.