Justiça aceita denúncia contra prefeito de Bragança Paulista por fraude a licitação na saúde
CPI que investigou contratos na área da saúde foi presidida pelo filho do prefeito denunciado
A Justiça Federal em São Paulo aceitou denúncia contra o prefeito da cidade de Bragança Paulista (SP), Jesus Adib Abi Chedid (DEM), 83 anos, por fraude a uma licitação que contratou uma Organização de Saúde por R$ 18,4 milhões para a gestão de Unidades Básicas de Saúde, em 2017. Além dele, outras sete pessoas que participavam do esquema também foram denunciadas.
A CNN teve acesso aos documentos que estavam sob sigilo até dezembro do ano passado e que mostram que o filho do prefeito, o deputado estadual Edmir Chedid (DEM), se relacionava com operadores do esquema criminoso. O parlamentar foi presidente de duas comissões que investigaram contratos na área da saúde.
A investigação que levou à denúncia do prefeito foi conduzida pela Procuradoria Regional da República da 3ª Região e foi um desdobramento da Operação Ouro Verde, deflagrada em novembro de 2017 em Campinas. Na época, foi desvendado um esquema no qual servidores municipais ajudavam na contratação ilícita de organizações sociais para desviar recursos públicos. Ao menos seis pessoas já foram condenadas.
Os documentos mostram que a OSS, que atuava em Campinas, pertencia aos mesmos donos da Associação Casa de Saúde Beneficente de Indiaporã – Reviva Saúde, contratada para a gestão hospitalar em Bragança Paulista e que o esquema criminoso funcionou da mesma forma e quase que paralelamente.
De acordo com a investigação, os proprietários de ambas organizações não apareciam nos quadros societários, mas atuavam como lobistas junto a diversas prefeituras para fomentar o esquema viciado de licitações. Após a vitória em uma licitação, os valores recebidos pelas organizações eram repassados para outras empresas registradas no nome dos lobistas. Esses recursos também seriam divididos com servidores municipais.
Em Bragança Paulista, a contratação da Reviva Saúde foi dividida em dois certames. O primeiro foi barrado logo na primeira etapa pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo porque o edital impedia o caráter competitivo entre as organizações interessadas. Entretanto, segundo a Promotoria, na segunda chamada da licitação, representantes da Reviva, em conluio com servidores municipais, conseguiram armar um esquema para a organização vencer a disputa.
Para o Ministério Público Federal (MPF), a vitória foi “absolutamente imotivada, sem nenhuma exposição das razões de convencimento dos membros da Comissão Especial de Seleção, em patente violação aos princípios regentes da Administração Pública.”
O contrato com o valor final de R$ 18,4 milhões foi efetivado em agosto de 2017 e estipulava que parte dos pagamentos fossem realizados com recursos federais. Nos meses seguintes, houve uma sucessão de empresas subcontratadas pela Reviva Saúde. Nos mesmos moldes do ocorrido na cidade de Campinas, essas empresas que pertenciam aos operadores do esquema, recebiam os valores. A suspeita é que parte do dinheiro foi repassada ao prefeito e a outros servidores que participaram da licitação fraudulenta.
Ao todo, estima-se que mais de R$ 1 milhão foram desviados somente no contrato de Bragança Paulista. De acordo com o MPF, os repasses às empresas cessaram após a operação desencadeada em Campinas (Ouro Verde).
Dono das OSS e “pedágio”
Fernando Vitor Torres Nogueira Franco, o Vitão, é médico com cadastro ativo no Conselho Regional de Medicina. Ele foi apontado como o principal articulador no caso de Campinas. Na época em que foi preso, agentes de segurança também apreenderam um veículo da marca Ferrari.
Para os procuradores, Vitão repetiu o esquema em Bragança Paulista e também ocupava um posto central na organização criminosa. Em uma conversa interceptada com autorização da Justiça, ele diz que é dono de organizações sociais, entre elas a Reviva Saúde.
Em outra interceptação, em contatos com um suposto dono de uma empresa que entraria em uma licitação nas proximidades de Bragança Paulista, ele explica que naquela região, quem manda é o Deputado Edmir Chedid e diz que o interessado precisaria pagar um pedágio para atuar. Vitão ainda fala que se encontraria com o parlamentar para discutir a situação no dia seguinte.
Documentos do processo mostram que o contrato com Bragança Paulista foi fechado depois do suposto encontro com o parlamentar e que Vitão recebeu ligações do deputado nos dias seguintes. Fontes consultadas pela reportagem sobre a condição de anonimato contaram que apesar do prefeito eleito ser Jesus Adib Abi Chedid, o filho dele, Edmir, é quem tem grande influência nas tomadas de decisão do executivo municipal.
Diversos outros contatos mostram Vitão como um ponto central entre organizações sociais, que não deveriam ter fins lucrativos, mas que lucravam milhões com prefeituras interessadas na contratação fraudulenta de serviços médicos.
Contratos investigados fora das CPIs
Em abril de 2018, pouco tempo depois do caso de Bragança Paulista, foi instaurada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que teve como finalidade apurar denúncias de irregularidades nos contratos celebrados com Organizações Sociais da Saúde pelas prefeituras e pelo Governo do Estado de São Paulo.
O deputado Edmir Chedid (DEM) foi o presidente da investigação, que não obteve detalhes sobre a atuação da Vitale Saúde na cidade em que o pai dele permanece como prefeito. Fernando Vitor, o dono e lobista, chegou a ser ouvido, mas as informações coletadas ficaram restritas somente ao que ocorreu na cidade de Campinas, no caso do Hospital Ouro Verde.
Em abril de 2020, o deputado Edmir Chedid foi nomeado novamente presidente de outra CPI para apurar irregularidades praticadas no âmbito dos contratos de gestão celebrados pela Secretaria de Saúde, entre elas a quarteirização das atividades-fim, agravada por sub contratações efetuadas pelas empresas contratadas. Essa investigação não abordou o tema em relação à Bragança Paulista.
Prefeitura nega irregularidades
Procurada pela reportagem, a prefeitura de Bragança Paulista informou que a contratação seguiu a devida legalidade e que em momento algum houve influência de pessoas estranhas à Administração.
A pasta disse ainda que o procedimento percorreu por diversas secretarias municipais, comissões públicas, Conselho Municipal de Saúde e, ainda, foi o referido edital de seleção pública submetido ao Eg. TCE-SP, que não identificou irregularidades e determinou o prosseguimento. Por fim, a prefeitura informou que tem certeza que, ao final o processo, vai ser julgado com a absolvição de todos os acusados.
A reportagem também entrou em contato com o advogado Guilherme Azevedo Joffily, que representa Fernando Vitor, que informou que seu cliente irá se manifestar somente no processo.
A CNN aguarda um posicionamento do deputado Edmir Chedid.