Justiça ainda tem lacunas diante de eventos climáticos extremos, diz FGV

Estudo foi elaborado a partir da tragédia ocorrida em São Sebastião (SP), em 2023

Davi Vittorazzi, da CNN, Brasília
Tragédia em São Sebastião (SP) deixou 65 mortos.  • Foto: © Rovena Rosa/Agência Brasil
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Um estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas) divulgado nesta sexta-feira (4) revela que o sistema de Justiça tem lacunas para dar respostas aos eventos climáticos extremos, quando acionado.

"Desastres e mudanças climáticas têm imposto desafios próprios à atuação das instituições do sistema de justiça. Isso demonstra a necessidade de formação de operadores de justiça para atuarem em casos de desastres e mudanças climáticas, sobretudo no que se refere a uma perspectiva da justiça climática", diz trecho do estudo.

A pesquisa foi elaborada a partir da análise da tragédia ocorrida em fevereiro de 2023, em São Sebastião (SP). À época, as fortes chuvas atingiram o litoral paulista e deixaram 5 mil pessoas desabrigadas e 65 mortas.

Segundo o estudo, os resultados evidenciam a necessidade de reorganizações institucionais, destacando a importância da articulação entre o MP-SP (Ministério Público de São Paulo), a Defensoria Pública e o Judiciário.

"Essa cooperação é essencial para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas, tanto no atendimento às demandas geradas pelos desastres quanto na garantia da participação efetiva das comunidades atingidas", dizem os pesquisadores.

A pesquisa mostra que o sistema de Justiça precisa agir quando o Poder Público não cumpre seu papel. No entanto, é importante considerar os efeitos de tirar a liberdade de decisão da administração pública e as limitações do processo judicial, como sua lentidão.

Para Rafael Guimarães, especialista em Direito Ambiental e Mudanças Climáticas pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), os eventos climáticos extremos são principalmente causados por falta de atuação do Poder Público.

"Vê-se que a fiscalização é praticamente impossível em um país desse porte, porém em grandes casos é imprescindível. Mas, fica a missão de pensar como empresas e produtores possam ter incentivos para apresentar uma preservação como opção financeira melhor, e não somente ter obrigações ambientais enormes que não são poucas", diz à CNN.

Segundo o especialista, em relação à litigância ambiental de grandes proporções, que possa provocar danos ambientais e influenciar no clima, se vê ainda um caminho a ser percorrido.

"Nos casos de Mariana e do Rio Grande do Sul, a cultura da impunidade ainda impera. Falta uma demonstração de que tais desastres não aconteceriam novamente, mas também uma punição efetiva para que as empresas envolvidas — e todas as outras do mesmo ramo — tenham a consciência das pesadas sanções", afirma.

"A inoperância é tamanha, que no caso de Mariana, os cidadãos afetados estão litigando na Inglaterra, justamente por não esperarem da justiça brasileira uma indenização adequada", completa Guimarães.

Enquanto Ana Chagas, advogada que atua na área de Ambiental, Mudanças Climáticas e ESG, avalia que é difícil responsabilizar alguém por danos ambientais que afetam muitas pessoas e se acumulam com o tempo, pela dificuldade de se provar quem causou o problema e como.

"Ainda faltam políticas amplas de precificação e adaptação. Nesse cenário, o Judiciário não deve ser o protagonista, e sim o guardião que garante que a omissão estatal não se traduza em violação de direitos", diz Chagas.

Em outra perspectiva, os pesquisadores da FGV destacam que o sistema de Justiça desempenha um papel essencial na promoção de mudanças diante dos eventos climáticos extremos.

Segundo eles, a judicialização pode estimular a mobilização social, levando a população a exigir formas de participação que vão além dos canais tradicionais do processo judicial.