Saiba como foi o julgamento do núcleo 4 da tentativa de golpe no STF

Segundo a PGR, os integrantes do núcleo 4 executavam medidas para manter manifestações em frente ao QG Exército em Brasília, realizavam "operações estratégicas de desinformação" e teriam divulgado notícias falsas sobre as eleições

Leticia Martins e Isabella Cavalcante, da CNN, São Paulo e Brasília
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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) inicia, nesta terça-feira (6), o julgamento para decidir se aceita ou não a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a suposta trama golpista de 2022, agora envolvendo mais sete investigados. Eles são apontados como integrantes do chamado “núcleo 4 do plano.

Segundo a PGR, o núcleo 4 prestava apoio às ações golpistas. A denúncia aponta que os envolvidos adotaram medidas para manter manifestações em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) na última eleição presidencial.

Dentre as estratégias, conforme a peça da PGR, os integrantes do núcleo 4 realizavam “operações estratégicas de desinformação” e teriam divulgado notícias falsas sobre as eleições, além de orquestrar ataques virtuais a instituições e autoridades.

Para analisar o caso, a Primeira Turma do STF reservou três sessões para isso: a primeira na manhã de terça-feira, outra na parte da tarde e a última, se necessária, na manhã de quarta-feira (7).

Os cinco ministros da Turma — Cristiano Zanin (presidente), Alexandre de Moraes (relator), Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino — irão decidir se aceitam a denúncia contra sete acusados, ou seja, se há elementos suficientes para que eles se tornem réus em uma ação penal.

Veja quem são os denunciados:

  • Ailton Gonçalves Moraes Barros, major da reserva;
  • Ângelo Martins Denicoli, major da reserva;
  • Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal (IVL);
  • Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente;
  • Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel;
  • Marcelo Araújo Bormevet, policial federal;
  • Reginaldo Vieira de Abreu, coronel.

Eles são acusados de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

O julgamento foi aberto por Zanin e contará com a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes. Em seguida, foi realizada a sustentação oral de Cláudia Sampaio Marques, Subprocuradora-Geral da República.

Nos dois núcleos anteriores, quem fez a fala foi o procurador-geral da República, Paulo Gonet.

Na avaliação da PGR, os sete denunciados "agiram no sentido de manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no Poder. Para alcançar esse objetivo, eles adotaram uma série de ações e estratégias, que consistiram desde a divulgação de notícias falsas, realização de lives e aí a denúncia contém todo aquele conjunto de ações que foram descritas, que foram as ações praticadas pelo grupo criminoso para a consecução desse objetivo comum a todos, isso que é um dado importante, todos tinham consciência e agiam no sentido do objetivo em comum que era exatamente que o governo legitimamente eleito não exercesse o mandato e manter o presidente Jair Bolsonaro no exercício do cargo de presidente".

"Houve elaboração de relatório com dados falseados para ajuizar ação no TSE para verificação extraordinária para obter anulação dos votos em urnas fabricadas antes de 2022. Ação usada em relatório sabidamente com dados falsos, era para conduzir população de que as urnas eletrônicas não eram confiáveis. Isso levaria a vitória de Bolsonaro", prosseguiu a subprocuradora.

Depois disso, chegou a vez das defesas dos denunciados, que se manifestaram por até 15 minutos cada, conforme a ordem definida pelo presidente da Turma.

Érica de Oliveira Hartmann, advogada de Ailton Barros, foi a primeira apresentar a defesa. Ela afirmou que a denúncia contra o major da reserva é inepta, pois não há descrição da conduta do acusado nos atos antidemocráticos.

O segundo advogado a falar foi Zoser Plata Bondim Hardamn de Araújo, que defende Ângelo Martins Denicoli. Segundo a defesa do acusado, a denúncia contra o major da reserva ocorre em "excesso acusatório".

Em seguida, foi a vez de Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal (IVL), ser defendido. O advogado Melilo Dinis do Nascimento afirmou que seu cliente não discutiu a suposta insegurança das urnas eletrônicas.

Na sequência, Juliana Rodrigues Malafaia, advogada de Giancarlo Gomes Rodrigues, declarou que seu cliente não produziu fake news.

Leonardo Coelho Avelar, advogado de Guilherme Marques de Almeida, utilizou metade de seu tempo e declarou que o acusado não sabia que estava enviando fake news e que apenas "exerceu seu direito de expressar sua opinião particular".

O penúltimo a falar foi o advogado Hassan Magid de Castro Souki, de Marcelo Araújo Bormevet, pediu que denúncia fosse rejeitada e defendeu que seu cliente não tem vínculo com os demais denunciados e, portanto, ter relação com os outros investigados "é necessário para a condenação de alguém por organização criminosa".

Por fim, o advogado do denunciado Reginaldo Vieira de Abreu, Thiago Ferreira da Silva, afirmou que os fatos descritos na denúncia contra seu cliente "são genéricos, imprecisos e mais do que isso, anêmicos, frágeis" e, portanto, a denúncia teria inépcia.

Após as sustentações das defesas dos denunciados, os ministros da Primeira Turma votaram sobre preliminares e todas foram rejeitadas.

A primeira parte do julgamento foi suspensa às 12h30, com previsão de retorno às 14h30.

Como foram os votos

O julgamento da PET 12.100 retornou às 14h48 com o voto do relator Alexandre de Moraes. Em seguida, votaram os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, nesta ordem.

Moraes

Alexandre de Moraes, relator do caso, rebateu as defesas e afirmou que "foi dito, em algumas sustentações, que o acusado nem estava aqui no dia e não pode ser acusado de dano em patrimônio público. Uma única desinformação levou ao golpe de estado?", questionou.

"O que a denúncia traz é o núcleo atuando em conformidade estratégica com outros núcleos, cada um dentro das suas tarefas, denominada pela Procuradoria-Geral da República como organização criminosa", continuou o magistrado.

Moraes ainda elogiou o trabalho da Polícia Federal e destacou que "não se pode relativizar" as redes sociais.

"Ao longo de toda a investigação da Polícia Federal e consubstanciado na denúncia. Os ataques ao Poder Judiciário, os ataques a urna eletrônica, os ataques a lisura das eleições numa tentativa, a partir destas notícias fraudulentas sendo repetidas e repetidas e instrumentalizando essa organização criminosa, é para, em um determinado momento, jogar uma parcela da população contra os poderes constituídos. Não se pode, de maneira alguma, relativizar, que pode ser uma força maléfica, as redes sociais", disse.

Ao final de sua fala, o ministro afirmou que recebeu integralmente a denúncia da PGR contra os sete acusados.

Flávio Dino

O segundo a votar foi o ministro Flávio Dino, que acompanhou o voto do relator, Alexandre de Moraes.

"Creio que há indícios de autoria suficientes para o recebimento da denúncia", afirmou Dino.

Luiz Fux

O ministro Luiz Fux também aceitou a denúncia contra os sete investigados. Com isso, a Primeira Turma formou maioria para torná-los réus.

Fux comentou sobre cada um dos acusados e destacou que "o fenômeno das fake news é desastroso. Uma notícia dessa da vulnerabilidade das urnas viraliza em segundos, a verdade é muito entediante, então vale a pena acreditar nessas versões".

Cármen Lúcia

Durante o voto, a ministra Cármén Lúcia, que acompanhou o relator, destacou que "a democracia não é um regime político ou a forma de convivência na qual quem ganha aceita o resultado, democracia é quando quem perde aceita o resultado e sabe que haverá de continuar lutando e que haverá espaço, ainda que ele seja minoria no momento pra que ele convença e se torne maioria no momento subsequente da história".

A magistrada ainda rebateu a defesa daqueles que afirmaram não ser possível condená-los por organização criminosa.

"Havia um conjunto de pessoas que atuavam em várias frentes e estes núcleos se conformavam em um trágico e tenebroso ballet no qual as condutas levariam ao resultado que era buscado. Exatamente por isso que foi denunciado a organização e não o fulano de tal sozinho provocando a festa da Selma", disse Cármen Lúcia.

"O que esse núcleo fez foi contaminar aquilo que deveria ser informação de rigidez institucional, não foi uma pessoa sozinha", finalizou.

Cristiano Zanin

O presidente da Primeira Turma também acompanhou o voto de Alexandre de Moraes. Ele destacou que a exposição do relator foi clara e que tudo apresentado indicou a materialidade dos crimes que foram descritos pela denúncia da PGR.

"Tudo isso que foi devidamente descrito na denúncia e que será objeto de uma detalhada instrução que me levam também a receber a denúncia", afirmou Zanin.

A partir de agora, os denunciados responderão a um processo judicial em mais sessões da Primeira Turma do Supremo.

Ao fim do processo, os réus serão absolvidos ou condenados, e caberá aos ministros definirem qual será a pena e por qual crime cada um será punido.