Asma leve, como a de Paulo Gustavo, não piora quadro de Covid-19, dizem médicos
Apenas a forma grave da doença e a falta de tratamento adequado aumentam risco de gravidade da Covid-19
O ator e diretor Paulo Gustavo morreu nesta terça-feira (4) em decorrência de complicações da Covid-19. O ator travou uma difícil batalha contra a doença, desde o dia 13 de março, quando foi internado em um hospital privado em Copacabana, no Rio de Janeiro. Pouco depois, em 21 de março, foi intubado devido às dificuldades respiratórias causadas pelo novo coronavírus, e necessitou de um tratamento conhecido como Oxigenação por Membrana Extracorpórea (ECMO, na sigla em inglês), que buscava auxiliar a função pulmonar.
Em uma entrevista para a atriz Ingrid Guimarães no ano passado, Paulo Gustavo chegou a dizer que tinha medo de morrer de Covid-19 porque “tinha problemas respiratórios”. A atriz Tatá Werneck, amiga íntima do diretor, afirmou em uma rede social que o ator não tinha crises de asma há pelo menos dez anos.
Crises esporádicas de asma, como as que o ator sofria, são consideradas a forma leve da doença e não caracterizam comorbidade. Segundo o documento “Orientações sobre Asma durante a pandemia de Covid-19” produzido pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) em conjunto com a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), estudos sobre o tema demonstraram que o diagnóstico de asma em geral não foi associado a piores desfechos de Covid-19, independentemente de idade, obesidade ou outras comorbidades de alto risco, a não ser nos casos mais graves de asma.
“Não houve diferença significativa no tempo de internação hospitalar, na necessidade e no tempo de intubação, traqueostomia, readmissão hospitalar ou mortalidade entre pacientes com e sem asma. Portanto, no momento, não existem evidências de piores desfechos clínicos relacionados à Covid-19 no asmático leve a moderado com a doença controlada”, descreve o documento.
O pneumologista José Cançado, membro do grupo de asma da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), e um dos organizadores do documento, diz que “há estudos que mostram um risco até 25% maior de morte intra-hospitalar por Covid-19 entre pessoas com asma grave”.
No começo da pandemia, médicos acreditavam que os asmáticos eram os pacientes que corriam maior risco de gravidade e morte se contraíssem a Covid-19, sobretudo por já terem pulmões mais sensíveis e sofrerem com crises de falta de ar. O receio era que a função pulmonar piorasse ainda mais com a doença, assim como as crises.
A doença, por ser considerada crônica, não tem cura, mas é facilmente controlada com medicações à base de corticoides e broncodilatadores que fazem a função de diminuir a inflamação pulmonar e abrir os brônquios que se contraem e causam a falta de ar.
No entanto, com o andar da pandemia, os médicos observaram que geralmente pacientes com asma leve ou moderada controlada, ou seja, sem sintomas ou crises esporádicas, não desenvolveram a forma grave da Covid-19. “Não sabemos o porquê, mas na prática é o que acontece”, afirma Thiago Fuscaldi, pneumologista intensivista do Hospital Sírio-Libanês em Brasília.
Segundo Cançado, a literatura médica indica que 90% dos asmáticos que tiveram Covid-19 evoluíram bem contra a doença, enquanto 10% tiveram manifestações mais graves e destes 5% chegaram à Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
O que causa a asma?
A asma é considerada genética, por isso é comum que crianças com histórico na família também desenvolvam a doença. Também existe um fator alérgico que explica crises de asma ao contato com poeira, mofo, vírus, bactérias, fumaça, pólen, e mudança de temperatura.
Enquanto em pessoas não alérgicas o contato com estes agentes causa nenhuma ou poucas reações (como espirros), no asmático, dependendo do gatilho, há uma reação exacerbada do organismo, que produz mais secreções que migram para os pulmões inflamando-os. Com isso, os brônquios se contraem e dificultam a passagem de ar, causando a dificuldade de respirar.
Para conter os sintomas e o agravamento da asma, é necessário o uso de corticoide, que é um anti-inflamatório, e de broncodilatadores injetados nas bombinhas de ar, para permitir ao asmático respirar melhor, explica Fuscaldi.
Incidência e gravidade
A asma é uma das doenças crônicas mais comuns que afetam tanto crianças quanto adultos, sendo um problema mundial de saúde que acomete cerca de 300 milhões de pessoas no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Estima-se que no Brasil existam aproximadamente 20 milhões de asmáticos, de acordo com a SBPT.
Segundo o Datasus, o banco de dados do Sistema Único de Saúde ligado ao Ministério da Saúde, ocorrem no Brasil, em média, 350 mil internações anualmente por crises de asma. É a terceira ou quarta causa de hospitalizações pelo SUS (2,3% do total), conforme o grupo etário considerado.
A asma pode ser descrita como leve, moderada ou grave, de acordo com a recorrência de crises e com os sintomas. A asma leve é quando o portador tem sintomas esporádicos e não precisa usar medicação de rotina. É o contingente da grande maioria da população asmática do país.
Na asma leve persistente, os sintomas aparecem duas ou mais vezes por semana, e há necessidade do uso de corticoide ou broncodilatador de forma inalatória (a bombinha) de rotina.
Já quem tem asma persistente moderada apresenta mais episódios de cansaço, chiado na respiração, algumas alterações nos exames de espirometria (exame que prova a capacidade pulmonar) e esporadicamente precisa tomar medicação intravenosa no hospital para aliviar sintomas mais intensos.
Nos casos graves, os sintomas são os mesmos que no moderado persistente, mas a asma não é controlada mesmo com corticoides e broncodilatadores. Por isso, é necessário recorrer à medicação imunobiológica (omalizumabe, mepolizumabe, benralizumabe ou dupilumabe) para conter a inflamação nos pulmões.
Há como melhorar o ambiente para diminuir crises asmáticas, como evitar exposição à poeira, ao mofo, cortinas de pano, usar pano úmido para limpar o chão em vez de vassoura, ou qualquer outro fator que cause as crises alérgicas.
Tomar vacinas que evitam infecções virais (como da Influenza) e infecções bacterianas também podem evitar crises futuras de asma, explica o pneumologista do Sírio-Libanês.
Quando a asma é risco para Covid-19?
Nos casos graves de asma, a capacidade respiratória é diminuída, por isso há necessidade do uso de corticoides orais de rotina ou injetáveis, se a pessoa for hospitalizada. Pacientes com asma grave geralmente não conseguem fazer exercícios, têm tosse e chiado no peito com frequência e não raro precisam ser internados para conter crises.
O uso contínuo de corticoide oral afeta a imunidade, o que pode aumentar a chance de a pessoa que toma esse tipo de medicamento evoluir mal se contrair a Covid-19. “A diminuição da atividade do sistema imunológico indica uma resposta menor do organismo contra infecções virais, fúngicas e bacterianas. Quando o paciente tem um quadro muito grave de asma, precisa usar corticoide por anos”, diz Fuscaldi.
“O uso contínuo de corticoide inalatório pela bombinha, por sua vez, não causa o mesmo efeito, porque a absorção do corticoide pelo organismo neste caso é bem menor”, ressalta o pneumologista do Sírio-Libanês.
O que acontece se tenho asma e contraio Covid-19?
De acordo com o pneumologista da SBPT, pesquisas vêm mostrando que o uso de broncodilatadores e de corticoides por quem tem asma, na realidade, ajudam a proteger seus pulmões contra as reações mais agressivas do vírus da Covid-19. O que talvez explique porque não há tantos casos graves de Covid-19 entre pacientes com asma.
“Há duas teorias, uma delas indica que a inflamação alérgica da asma leva à proteção porque o indivíduo gera mais células de defesa contra o vírus; a outra aponta que o corticoide que ele usa para tratar a asma diminui a expressão do receptor do vírus que entraria nas células e causaria a doença”.
Como diferençar sintomas de asma e de Covid-19?
Os sintomas mais comuns da asma são tosse seca, falta de ar, cansaço e chiado no peito – semelhantes aos da infecção pelo vírus Sars-coV-2, da Covid-19. Levando isso em consideração, nunca foi tão importante manter a asma sob controle como agora, explica Cançado. “Pessoas que não tratam a asma podem ter sintomas como a falta de ar piorados se contraírem a Covid-19″, explica.
Quem tem asma pode tomar a vacina contra Covid-19?
Pessoas com asma grave são consideradas do grupo prioritário para vacinação contra a Covid-19 justamente por correrem maior risco de terem formas graves da doença e morte. Já os indivíduos que têm asma leve ou moderada devem seguir a recomendações do Plano Nacional de Imunizações (PNI).
Considerando as vacinas aprovadas para uso emergencial no Brasil nesse momento, não há contraindicação para asmáticos tomarem a Coronavac (Sinovac/Instituto Butantan), nem a vacina Oxford/AstraZeneca, segundo o documento da SBPT.
Quanto à vacina da Pfizer, Cançado indica que pessoas que já tiveram choque anafilático após receberem alguma vacina devem avaliar com um pneumologista ou alergista se podem tomar a vacina da empresa americana.
Isso porque, segundo o documento da SBPT, “foi relatada anafilaxia em taxas aproximadas de 11,1 e 2,5 eventos por milhões de doses” nas vacinas da Pfizer e Moderna. “Fora isso, qualquer pessoa com asma, se não tiver este histórico, pode tomar estas vacinas sem qualquer preocupação”, afirma o pneumologista da SBPT.
“A maioria desses eventos ocorreu em indivíduos com antecedente de reações alérgicas graves em até 30 minutos após a vacinação. Os autores não reportaram dados sobre eventos adversos especificamente em asmáticos”, descreveu o documento da SBPT e da Asbai.