Cinco dicas para deixar de descontar a raiva nos outros quando se está sofrendo
Descontar nos outros de maneira verbal e física pode trazer alívio temporário, mas prejudica nossos relacionamentos, explica psicóloga
Crises de saúde mental da juventude, tiroteios em massa, violência contra a mulher e a polarização política mergulham muitos em angústia e desespero.
A ansiedade e a depressão permanecem significativamente mais altas do que antes da pandemia, mostram pesquisas, e ambas estão ligadas à raiva.
Como psicóloga, ouço de meus pacientes como eles se pegam atacando as pessoas ao seu redor porque seus nervos estão à flor da pele. Sentir-se assustado, irritado ou triste é desconfortável.
Descontar nos outros de maneira verbal e física pode trazer alívio temporário, mas, em última análise, prejudica nossos relacionamentos e as pessoas de quem gostamos e nos faz sentir ainda pior.
Embora seja difícil impedir que nossa dor se transforme em raiva, podemos mudar a forma como respondemos às nossas emoções. Aqui estão cinco estratégias que compartilho com meus pacientes:
1. Para agir com bondade, comece com autocompaixão
As pessoas boas se sentem mal por ferir os entes queridos quando explodem, levando-as a sentir vergonha. E a vergonha, por sua vez, leva a enfiar a cabeça na areia para evitar lidar com a realidade. Então você primeiro precisa aceitar que todos os humanos são falíveis. Isso ajudará a lidar com a negação.
Liste as consequências específicas de comportamentos agressivos para as pessoas em sua vida. Se você não tiver certeza de como suas ações afetam os outros, pergunte a eles. Então verifique com você mesmo.
Como você se sente depois de perder a paciência? Você está alcançando seus objetivos agindo dessa maneira? Esses comportamentos associados à raiva são consistentes com quem você quer ser como parceiro, amigo, pai ou mãe, chefe, colega de trabalho, vizinho ou parente?
As respostas lhe darão uma noção de quanto dano você está causando aos outros e a si mesmo. É importante que você tenha isso em mente ao embarcar na mudança de comportamento.
2. Identifique os gatilhos e lide com as emoções
Faça uma lista de situações típicas em que você explode. Você está mais vulnerável no final do dia – quando chega em casa com fome e exausto? O seu calcanhar de Aquiles é a dor que vem com a rejeição? Talvez a paternidade mais permissiva de seu cônjuge transforme sua preocupação com os filhos em críticas enfurecidas.
É útil reconhecer seus gatilhos para evitar ou modificar esses contextos. Por exemplo, adie a discussão de tópicos difíceis em casa se você tende a se sentir preso e explodir com isso. Em vez disso, tenha conversas difíceis com seu parceiro durante uma caminhada, por exemplo. Ou peça aos seus colegas de quarto para lhe dar algum espaço quando você estiver se sentindo para baixo, se as intrusões deles tenderem a deixá-lo irritado.
Muitos de meus pacientes ficam surpresos ao perceber que a raiva é muitas vezes uma emoção secundária que mascara outras primárias. Tente identificar se a ansiedade, a depressão, o arrependimento, a dor ou a decepção se escondem por trás dessa raiva. Nesse caso, concentre-se em lidar primeiro com a emoção primária.
3. Preste atenção aos primeiros sinais físicos de raiva
Este é o cerne de como parar de descontar a raiva nas pessoas. Concentre-se no que está acontecendo em seu corpo enquanto você percebe o início de sua onda de raiva. Cada episódio começa com uma reação de luta ou fuga.
Você tem aperto no peito ou no estômago? Sente-se corado? Fica com dentes ou pulsos cerrados? Boca seca? Coração batendo acelerado? Descubra qual sensação tende a aparecer primeiro.
Em seguida, surfe a onda de raiva e o desejo de agir até chegar à costa metafórica. Costumo orientar meus pacientes a recriar um episódio recente de raiva em suas mentes e, em seguida, praticar o surfe dos sentimentos repetidamente. Acontece que as emoções não duram muito se não agirmos por causa do nosso desconforto.
Se você não conseguir permanecer nessa onda sem atacar, tente as próximas duas estratégias primeiro.
4. Pratique comportamentos alternativos
Em vez de gritar, xingar ou se enfurecer fisicamente, considere sair da situação. Você precisará fazer isso ao primeiro sinal de raiva e deve ter um plano de como sairá da situação e para onde irá a seguir.
Avise amigos e parentes que você está trabalhando em seus comportamentos agressivos e que você pode sair de uma situação um pouco abruptamente. Dizer que precisa ir ao banheiro ou fazer um telefonema é sempre uma maneira graciosa de se retirar rapidamente.
Caso seja uma opção, se retirar de cena tem vários benefícios: uma mudança de cenário para focar, os efeitos calmantes da natureza e a presença de pessoas passando, o que reduz a chance de agir com raiva. Caso contrário, tenha um espaço pré-planejado para se retirar em sua casa ou escritório, por exemplo. Onde quer que você vá, certifique-se de ficar lá até que sua raiva diminua.
Para acelerar o retorno a um estado de calma, diminua a respiração contando até quatro segundos durante a inspiração e oito segundos na expiração, e respire puxando pela barriga em vez do peito.
Aposte em outras atividades baseadas em evidências que recomendo aos meus pacientes: faça exercícios intensos, faça sua mente trabalhar duro contando de 100 por sete ou nomeie animais começando com cada letra do alfabeto. Você também pode se imaginar em seu local de férias favorito, incluindo todas as vistas, cheiros e sons.
Eventualmente, você será capaz de se engajar nessas estratégias calmantes, mesmo permanecendo na situação que provoca raiva.
5. Aja de forma oposta aos seus impulsos
Aqui é onde o conselho comum sobre a raiva desmorona: chutar ou quebrar algo não diminuirá sua raiva nem a chance de atacar alguém, apesar da popularidade dos sacos de pancada ou espaços como Wreck Room em Londres. Os cientistas descobriram que agir agressivamente na verdade aumenta a raiva. Por outro lado, comportamentos gentis podem extinguir a chama.
Então, reconheça o que você sente vontade de fazer quando sua angústia se transforma em raiva e, em seguida, faça o oposto intencionalmente. Se você sentir vontade de levantar a voz, fale suavemente e devagar. Quando você se sentir puxado para franzir a testa, sorria em vez disso. Quando estiver prestes a deixar escapar algo áspero, morda a língua. E sua vontade de cerrar os punhos e socar algo é um sinal de que é hora de descansar as palmas das mãos no colo e relaxar os músculos.
O que fazer se alguém descontar a raiva em você
Você pode ficar se perguntando o que fazer quando se encontra no lado receptor da ira de alguém. Quando alguém te repreende e você suspeita que na verdade ela está descontando em você problemas próprios, pergunte calmamente o que está acontecendo. Se isso apenas aumentar o comportamento agressivo, desengaje-se e não volte a se envolver antes que eles estejam prontos para falar sem atacar.
Se você ficar frustrado e com raiva em resposta à ira deles e sentir vontade de responder da mesma forma, use as estratégias acima para se conter. Nenhuma discussão será produtiva enquanto as pessoas estão perdendo o controle.
Se você se encontra repetidamente no alvo da ira de alguém – verbal ou física – entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), que realiza apoio emocional, atendendo voluntária e gratuitamente pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo pelo número 188.
O site Mapa da Saúde Mental permite a consulta de locais que oferecem o atendimento gratuito, voluntário ou com preços acessíveis no Brasil.
*Jelena Kecmanovic é psicóloga clínica, diretora fundadora do Arlington/DC Behavior Therapy Institute e professora adjunta da Georgetown University.