Como o antirretroviral oral molnupiravir pode mudar o tratamento contra Covid-19
Pílula antirretroviral pode significar o primeiro tratamento contra Covid-19 por comprimido
A pílula antirretroviral contra Covid-19 molnupiravir, produzida pelos laboratórios Merck Sharp & Dohme (MSD) pode significar o primeiro tratamento contra Covid-19 por comprimidos. O uso da pílula diminui pela metade a chance de alguém com Covid-19 ser internado ou morrer pela doença, segundo estudo mais recente com o medicamento. O Reino Unido aprovou seu uso no país nesta quinta-feira (4).
Porém, a pílula que será conhecida como Lagevrio não chega como uma substituta da vacinação, mas como um complemento para combater a pandemia, dizem os especialistas.
Ao contrário das vacinas, que estimulam uma resposta imunológica, o molnupiravir interrompe a replicação do vírus, disse Sanjaya Senanayake, médico de doenças infecciosas e professor associado de medicina da Escola de Medicina da Universidade Nacional da Austrália à CNN.
“Em certo sentido, faz com que o vírus produza ‘filhotes’ prejudiciais à saúde”, disse.
“Como terapêutica oral, o molnupiravir oferece um acréscimo importante às vacinas e medicamentos implantados até agora para combater a pandemia de Covid-19”, disse Dean Y. Li, vice-presidente executivo e presidente da Merck Research Laboratories.
A pesquisa com o molnupiravir foi realizada com 775 pessoas em mais de 170 países, incluindo o Brasil, onde foi feita em São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, São José do Rio Preto (SP) e Bento Gonçalves (RS).
Ainda no Brasil, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está trabalhando em dois estudos globais de fase 3 do molnupiravir, visando avaliar os resultados preliminares de eficácia e da tecnologia necessária para a produção do medicamento no Brasil.
Para que serve o molnupiravir?
O medicamento funciona da seguinte maneira: assim que um paciente é diagnosticado com Covid-19, ele pode iniciar um tratamento com o molnupiravir. No estudo divulgado, pessoas acima de 18 anos, com Covid leve ou moderada, confirmada por exame laboratorial, e não vacinadas contra Covid-19, receberam 800 mg de molnupiravir duas vezes ao dia.
As pessoas analisadas tinham ao menos um fator considerado de risco para agravar a Covid-19, como ter mais de 60 anos, obesidade, doença cardíaca ou diabetes.
Os participantes receberam a pílula ou o placebo dentro de cinco dias a partir do início dos sintomas. Depois de 29 dias, nenhum dos que tomaram a pílula morreu em comparação às oito mortes entre aqueles que receberam o placebo.
Os resultados da fase 3 de um estudo mostraram que a pílula pode reduzir o risco de hospitalização ou morte em 50%, em comparação aos pacientes que tomaram um placebo.
Das 775 pessoas analisadas no estudo, 7,3% dos que receberam molnupiravir foram hospitalizados ou morreram até o dia 29 após a randomização, em comparação com 14,1% dos pacientes tratados com placebo, comunicou a MSD quando divulgou o resultado do estudo em 1º de outubro.
Os dados ainda não foram revisados por pares ou publicados, mas geraram entusiasmo sobre um tratamento potencialmente fácil e acessível para Covid-19.
Tratamento feito em casa
Wendy Holman, diretora executiva da farmacêutica Ridgeback Biotherapeutics, que está colaborando com o trabalho, disse em um comunicado que os resultados são encorajadores e espera que a droga possa ter um “impacto profundo no controle da pandemia”.
“Tratamentos antivirais que podem ser tomados em casa para manter as pessoas com Covid-19 fora do hospital são extremamente necessários”, disse ela.
Especialistas concordam que a droga é promissora. Em vez de pacientes esperando para ver se ficarão gravemente doentes, o vírus poderia ser tratado logo após o diagnóstico, em casa, liberando recursos do hospital para pacientes com quadros mais graves.
Até porque o único antirretroviral autorizado para uso contra Covid-19 até então era o remdesivir, que só pode ser administrado por infusão intravenosa, com necessidade de estrutura hospitalar.
Os resultados do remdesivir, fabricado pela Gilead Sciences e vendido sob o nome de Veklury, mostraram ainda que o medicamento parece não reduzir o risco de morte, mas ajuda as pessoas a se sentirem melhor mais rapidamente, quando administrado no início de uma doença.
Reino Unido aprova o uso
Os resultados positivos do estudo levaram a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido a aprovar o uso do molnupiravir contra Covid-19, a primeira autorização de uso do antirretroviral oral feita por um país.
“Em busca da missão inabalável da Merck de salvar e melhorar vidas, continuaremos avançando com rigor e urgência para levar o molnupiravir a pacientes em todo o mundo o mais rápido possível”, disse Robert M. Davis, CEO e presidente da MSD, em nota sobre a autorização do Reino Unido.
Os pedidos permanecem sob revisão por outras autoridades regulatórias, incluindo a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
O FDA reunirá seu Comitê Consultivo de Medicamentos Antimicrobianos em 30 de novembro para discutir a liberação ou não do molnupiravir nos EUA. MSD e Ridgeback dizem que a EMA iniciou uma revisão contínua de seu pedido.
Produção de genéricos
No início do ano, a MSD assinou acordos de licenciamento bilateral com oito fabricantes de medicamentos genéricos indianos, incluindo Aurobindo Pharma, Cipla Ltd, Dr. Reddy’s Labs, Emcure Pharmaceuticals, Hetero Labs, Sun Pharmaceuticals e Torrent Pharmaceuticals.
As empresas poderão solicitar uma sublicença do Medicines Patent Pool (MPP), apoiado pelas Nações Unidas, que permitirá a mais empresas fabricar versões genéricas do molnupiravir.
A licença, que também inclui transferência de tecnologia, permanecerá isenta de royalties, desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifique a pandemia como “Emergência de Saúde Pública de Preocupação Internacional”, diz a declaração.
“Todos nós sabíamos que iríamos diversificar a pegada geográfica de nossos parceiros genéricos, de modo que não tivéssemos apenas fornecedores de genéricos na Índia, mas também em outras regiões”, disse em uma entrevista Paul Schaper, diretor-executivo de políticas públicas global da MSD.
A Fundação Bill & Melinda Gates informou que vai gastar até US$ 120 milhões para dar o pontapé inicial no desenvolvimento de versões genéricas do molnupiravir, a fim de ajudar a garantir que os países de baixa renda tenham acesso igualitário ao medicamento.
Fiocruz estuda produzir pílula no Brasil
A MSD disse que a licença livre de royalties se aplica a 105 países de baixa e média renda. Ele permite que os fabricantes selecionados pelo MPP façam versões genéricas do molnupiravir, e o Brasil está nesta lista.
No Brasil, além de conduzir estudos que avaliam a eficácia e a viabilidade do medicamento ser produzido no país, a Fiocruz também negocia com a MSD a possibilidade de estudos futuros avaliarem se o antiviral seria eficaz no enfrentamento de outras infecções virais, como dengue e chikungunya.
À CNN, a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, responsável pelo estudo no Brasil, disse que o medicamento será uma espécie de “ponto de virada” no combate à Covid-19. Mas ressalta que o remédio não substitui a vacina.
“Com os resultados concretizados e a aprovação dada para a utilização em massa em todo o mundo, teremos efetivamente um tratamento precoce contra o coronavírus”, disse.
Acesso pode ser entrave ao uso
Uma das questões que envolvem o uso do medicamento é quem, de fato, irá ter acesso. Os países que aprovarem o medicamento terão de decidir se o darão a qualquer pessoa que apresentar sintomas ou se solicitarão um teste positivo.
E em alguns países o acesso rápido a testes que comprovem a Covid-19 não são uma realidade. Os resultados provisórios do estudo dizem que a pílula deve ser consumida antes de cinco dias após o início da detecção dos primeiros sintomas e, em alguns países, ter o resultado rápido para um teste pode ser um problema.
A organização Médicos Sem Fronteiras comemorou os estudos a respeito do medicamento como “um cuidado potencialmente vital” para pessoas que vivem em áreas onde muitos não estão vacinados e são vulneráveis à doença. A primeira questão, porém, é como essas pessoas poderão acessar a solução.
Embora o medicamento seja simples de produzir, de acordo a virologista do MSF Leena Menghaney, a MSD controla a patente e pode decidir a quais países fornecer o medicamento, e a que preço.
A MSD, por sua vez, renovou os pedidos de dispensa de patente que dispensaria direitos de propriedade intelectual para que países em todo o mundo possam produzir versões do medicamento, o que pode salvar muito mais vidas.
Senanayake disse mais uma vez que há o risco de os países mais ricos receberem mais do que sua parcela justa.
“Com Covid, você tem que ser altruísta para ser egoísta. Do contrário, se você proteger apenas seu próprio casulo, seu pequeno país, pode acontecer de uma nova variante que escapa da vacina surgir em outros países”, disse à CNN.
*Com informações da CNN internacional e da Agência Brasil.