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    Entenda por que vacinas da Covid-19 protegem mesmo diante das mutações do vírus

    Estudos indicam que dose de reforço aumenta significativamente o nível de proteção contra a infecção que tende a diminuir após seis meses

    Lucas Rochada CNN , em São Paulo

    Vírus são microrganismos com estruturas relativamente simples, compostos basicamente de proteínas e de informações genéticas. Essa característica faz com que eles tenham uma alta capacidade de mutação.

    Com o coronavírus não é diferente. A circulação extensiva do vírus causador da Covid-19 contribui para o surgimento de novas variantes. Desde a descoberta da Ômicron, em novembro de 2021, o coronavírus continuou a evoluir, dando origem a muitas linhagens descendentes e também recombinantes.

    De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), que realiza o monitoramento contínuo das diferentes linhagens, a diversificação genética da Ômicron indica uma pressão do vírus pela adaptação aos hospedeiros humanos.

    A maior parte das mutações virais está localizada na proteína Spike, utilizada pelo vírus para invadir as células humanas. Algumas dessas mutações podem tornar o vírus menos suscetível à resposta imunológica esperada pelas vacinas.

    As vacinas contra a Covid-19 em uso no mundo foram desenvolvidas a partir das linhagens do vírus que circulavam no início da pandemia e que não apresentavam a mesma quantidade de mutações das cepas circulantes no momento.

    No entanto, estudos em andamento indicam que, mesmo diante das mutações, os imunizantes permanecem eficazes na proteção contra quadros graves, hospitalizações e morte pela doença. As análises indicam, ainda, que a dose de reforço aumenta significativamente o nível de proteção contra a infecção que tende a diminuir após seis meses.

    O que contribui para a manutenção da proteção

    A imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), explica alguns dos fatores que contribuem para a manutenção da eficácia das vacinas em uso.

    Segundo a especialista, a efetividade das vacinas está relacionada à produção de anticorpos neutralizantes específicos contra o coronavírus e à indução de outros mecanismos relacionados à defesa do organismo, como a ativação dos linfócitos, ou células T.

    A chamada resposta celular gerada pelos imunizantes envolve células de memória do sistema imunológico que permanecem no organismo. Assim, quando o indivíduo entra em contato com o coronavírus por meio de uma infecção natural, elas ativam a produção de anticorpos que respondem contra a infecção, evitando principalmente o agravamento da doença.

    “Existem dois tipos de proteção imunológica aos vírus que geram memória. Um desses são os anticorpos, o outro são os linfócitos T, que ficam nos tecidos, nos pulmões e demais órgãos, protegendo da doença. Essa imunidade não foi afetada pelas variantes em nada pelo que conseguimos medir”, afirma Cristina.

    Como grande parte das mutações são encontradas na proteína Spike, os principais impactos refletem principalmente na capacidade do vírus de invadir as células humanas, e não no agravamento da doença.

    “A maior parte das mutações está na parte da proteína Spike que chamamos de RBD, que é a parte que liga no receptor. As mutações da Ômicron são principalmente ali. Se você olha, por exemplo, os linfócitos T, as mutações não afetam as áreas que eles reconhecem. Por que eles reconhecem pedaços bem pequenos”, explica a imunologista.

    Pesquisadores do Imperial College, de Londres, realizaram um amplo estudo que vai ao encontro da importância da vacinação. Embora o organismo humano seja capaz de produzir defesas contra o coronavírus durante a infecção natural, o nível de proteção pode não ser tão elevado dependendo da variante envolvida, segundo a pesquisa.

    No estudo britânico, que contou com a participação de profissionais de saúde, os pesquisadores investigaram a imunidade das células T e B contra a Ômicron em vacinados com diferentes históricos de infecção pelo SARS-CoV-2.

    Os resultados do estudo, publicado na revista Science, apontaram que a infecção pela Ômicron não foi capaz de reforçar os mecanismos de ação do sistema imunológico.

    O que dizem os estudos de efetividade

    Diferentemente dos testes de eficácia, que dizem respeito aos estudos conduzidos em ambientes controlados, como aqueles realizados durante o desenvolvimento das vacinas, os dados de efetividade refletem os resultados da vacinação na prática em grandes populações.

    Pelo menos 33 estudos de 14 países (Argentina, Brasil, Canadá, Chile, República Tcheca, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Israel, Catar, África do Sul, Reino Unido, Estados Unidos e Zâmbia) avaliaram amplamente a proteção de seis vacinas contra a Covid-19 diante da infecção pela variante Ômicron.

    Entre as pesquisas, 12 estudos contribuíram com estimativas de efetividade apenas do esquema primário de vacinação, quatro apresentaram dados apenas da primeira dose de reforço e 17 contribuíram para ambas.

    Os resultados desses estudos mostram redução da efetividade das vacinas contra a variante Ômicron, com apenas a série primária, para todos os desfechos (doença grave, doença sintomática e infecção) em comparação ao que foi observado para as outras quatro variantes de preocupação do coronavírus: Alfa, Beta, Gama e Delta.

    No entanto, as estimativas de efetividade contra a Ômicron permanecem mais altas para doenças graves do que os outros quadros clínicos na maioria dos estudos. As análises apontam ainda que a primeira dose de reforço melhora significativamente a efetividade das vacinas para todos os desfechos clínicos.

    Os resultados dos estudos indicam que, após a primeira dose de reforço, a efetividade das vacinas diminui mais em relação a doença sintomática e infecção do que para doença grave ao longo do tempo. No entanto, ainda não estão disponíveis estudos que avaliem a efetividade da vacinação de reforço em um prazo maior do que seis meses.

    Para doença grave, a efetividade do esquema de vacinação primário mostrou pouco declínio ao longo de seis meses.

    O índice foi maior ou igual a 70% durante os três primeiros meses após a vacinação para 7 das 13 (54%) estimativas de efetividade para as vacinas de RNA mensageiro da Pfizer e da Moderna.

    Dos dois estudos de vacinas de vetor viral disponíveis, ambas tiveram efetividade abaixo de 70%: um relatou efetividade abaixo de 70% para a AstraZeneca e o outro indicou efetividade abaixo de 50% para a Janssen. Em relação às vacinas de vírus inativado, estimativas apontam que a Coronavac apresentou efetividade maior ou igual a 50%.

    Nova geração de vacinas

    Para os especialistas consultados pela CNN, o desenvolvimento de uma nova geração de vacinas contra a Covid-19 é um movimento esperado da indústria farmacêutica em busca de aprimoramento – o que não significa, necessariamente, que os imunizantes em uso tenham perdido a capacidade de proteção.

    Considerando a evolução viral ao longo do tempo, a atualização das vacinas permitirá o desenvolvimento de formulações com proteção mais abrangente, capazes de reduzir de maneira mais robusta até mesmo a infecção, e também mais prolongada, como acontece com outros tipos de imunizantes.

    “A imunidade que as variantes afetaram foi a capacidade do anticorpo evitar que o vírus entre na célula. Então, mesmo que ele entre, você ainda vai estar protegido. Vacinas atualizadas vão diminuir a chance dele entrar”, afirma Cristina.

    A Pfizer e a Moderna, farmacêuticas que utilizam a tecnologia de RNA mensageiro contra a Covid-19, apresentaram resultados de candidatas a vacinas específicas para a variante Ômicron.

    Em junho, a Pfizer divulgou dados promissores da versão adaptada de duas vacinas, uma monovalente e outra bivalente. Enquanto uma é uma combinação da vacina da Pfizer, a outra é direcionada à proteína Spike da linhagem BA.1 da Ômicron.

    De acordo com a Pfizer, os dados do estudo de fases 2 e 3 apontaram que uma dose de reforço de ambas as vacinas candidatas adaptadas provocou uma resposta imune substancialmente maior contra a BA.1 da Ômicron BA.1 em comparação com a vacina atual. A resposta imune robusta foi observada em dois níveis de dosagem com 30 e 60 microgramas.

    No dia 8 de julho, a Moderna apresentou novos dados clínicos da vacina de RNA mensageiro voltada para a variante Ômicron. Os resultados mostram respostas de anticorpos expressivas em comparação com a atual dose de reforço. A dose de reforço de 50 microgramas apresentou perfil de segurança no estudo que contou com a participação de 437 voluntários.

    Dose de reforço

    A primeira dose de reforço melhorou a proteção contra a doença grave em todos os estudos. A efetividade da vacina foi igual ou superior a 70% em 94% das estimativas que avaliaram a proteção entre 14 dias e três meses após o recebimento do reforço.

    De três a seis meses após o reforço com as vacinas de RNA mensageiro, o índice foi igual ou superior a 70% para 21 de 26 estimativas.

    Considerando apenas o esquema inicial de vacinação, a efetividade dos imunizantes contra infecção sintomática nos primeiros três meses foi menor em comparação com a doença grave. Além disso, a efetividade diminuiu mais significativamente ao longo do tempo.

    “As vacinas diminuem a proteção com o passar do tempo e de acordo com a variante que está circulando, mas quando nós aplicamos os reforços, tanto o primeiro quanto o segundo reforço para quem já está indicado, ele recompõe essa proteção. Para a Ômicron, essa dose de reforço é fundamental”, afirma Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

    Os estudos apontam que a dose de reforço de vacinas de RNA mensageiro após a conclusão de uma série primária de uma vacina do mesmo tipo, da AstraZeneca ou da Coronavac, melhorou a proteção contra doença sintomática.

    No entanto, a proteção da primeira dose de reforço diminuiu rapidamente ao longo do tempo: apenas três das 13 estimativas disponíveis em três a seis meses após o recebimento de uma dose de reforço de tiveram efetividade maior ou igual a 50% e nenhuma foi igual ou superior a 70%.

    “Com a vacinação completa, que considera quando as pessoas fazem inclusive os reforços, a possibilidade de ter doença grave, de hospitalização e de morte é muito menor comparando com aqueles que fizeram só a vacinação básica de duas doses ou com aqueles que não se vacinaram”, afirma Cunha.

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