Pacientes confrontam médicos sobre tratamentos para a Covid-19
Nos EUA, trabalhadores desanimados relatam assédio de pacientes desesperados; médicos afirmam que desinformação sobrecarrega sistema de saúde
O Dr. Jack Lyons se lembra dos primeiros dias da pandemia, quando comunidades gratas batiam palmas e panelas para homenagear os profissionais de saúde da linha de frente.
Mas agora, diante da hostilidade apenas por tentar salvar a vida de seus pacientes, ele diz que, infelizmente, aqueles dias já se foram.
Lyons é um dos muitos médicos e profissionais da enfermagem que estão lidando com o aumento de casos de Covid-19 que inundam hospitais à medida que a variante Omicron se espalha rapidamente.
Agora, os profissionais de saúde que lutam na linha de frente da pandemia também estão cara a cara com pacientes que os desprezam e até os ameaçam sobre como estão sendo tratados para o vírus.
“As pessoas agem como se pudessem entrar no hospital e solicitar qualquer terapia que queiram ou, inversamente, recusar qualquer terapia necessária, com a ideia de que, de alguma forma, eles podem escolher e direcionar seu tratamento. E isso não funciona”, Lyons disse do hospital CentraCare em que trabalha, em St. Cloud, Minnesota.
À medida que a altamente transmissível variante Ômicron, que se tornou a cepa dominante nos Estados Unidos em questão de semanas, aumenta a contagem de casos, continua uma nova onda de desinformação sobre a pandemia e sobre as vacinas destinadas a eliminá-la.
Desde teorias conspiratórias infundadas de que as vacinas contêm microchips ou alteram o DNA das pessoas, até mentiras deliberadas sobre mortes causadas pelas vacinas e efeitos colaterais das máscaras, a indústria da desinformação pandêmica está prosperando.
Essa perigosa desinformação também levou a uma série de ações judiciais contra hospitais nos EUA exigindo tratamentos médicos não comprovados, como a ivermectina.
Os provedores de assistência médica estão relatando uma hostilidade crescente entre os médicos e os pacientes e suas famílias. É uma dose constante de assédio.
“Eles insultam sua inteligência, eles insultam sua habilidade e, o mais doloroso, eles dizem que, ao não usar esses tratamentos, você está intencionalmente tentando prejudicar as pessoas que demos tudo para salvar”, disse Lyons.
Cerca de 70% dos pacientes na UTI de Lyons estão doentes com Covid-19, e quase todos eles não se vacinaram.
A ivermectina é usada para tratar parasitas como vermes e piolhos em humanos e também é usada por veterinários para desparasitar animais de grande porte. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) alertaram os centros de envenenamento sobre um aumento acentuado nos relatos de doenças graves causadas pela droga.
“A experiência mais difícil que tivemos foi a família de um paciente que, sob um pseudônimo, fez ameaças contra o hospital”, disse Lyons. “Fizeram uma referência para garantir que o hospital estava cercado e teriam pessoas que estavam vindo para me pegar”.
“Não tenho certeza de como uma pessoa iria interpretar ‘Vamos chegar a esse ponto, vamos marchar contra o hospital. Estamos indo atrás de você’ como qualquer outra coisa que não uma ameaça de morte”, acrescentou.
Lyons sabe que encontra as pessoas em seus piores dias. Como médico intensivista, ele e outros profissionais de saúde há muito tempo são agredidos por pacientes e seus entes queridos nas mais desesperadoras circunstâncias.
Mas a Covid tornou essas conversas ainda mais difíceis, especialmente agora quando tantos de seus pacientes não estão vacinados, não confiam em sua experiência e exigem tratamentos alternativos alimentados por informações incorretas.
“Essas são pessoas que defendem seus entes queridos que precisam de aparelhos de suporte à vida. E eu tenho uma enorme compaixão”, disse ele.
Mas ele sente que essas pessoas foram manipuladas por falsas informações e por outros médicos empurrando tratamentos não enraizados na ciência baseada em evidências, sendo o mais popular a ivermectina.
“E essas são as pessoas pelas quais não tenho nenhum respeito – os charlatões e os vendedores de óleo de cobra que estão vendendo isso”, continuou Lyons.
“Eles estão se alimentando da esperança das pessoas e tentando tirar vantagem de famílias desesperadas que fariam qualquer coisa para levar seu ente querido para casa. É doloroso, estamos cansados, estamos exaustos.”
Profissionais esgotados
Os profissionais de saúde estão tão esgotados que às vezes precisam de incentivo para simplesmente caminhar dos seus carros ao local de trabalho, de acordo com Barbara Chapman, uma enfermeira que trabalha na Universidade do Texas em Tyler.
“É como quando um veterano volta da guerra, ele pode estar fora da guerra, mas ele não saiu dela”, disse Chapman a Lavandera. “É um campo de batalha”.
No verão passado, Chapman ajudou a iniciar uma linha direta oferecendo apoio à saúde mental para professores e profissionais de saúde.
Um número impressionante de profissionais de saúde – mais de um em cada cinco – experimentou ansiedade, depressão ou transtorno de estresse pós-traumático durante a pandemia, revelou uma pesquisa publicada em março.
Médicos e enfermeiras em todo o país tinham esperança de que a disponibilidade de vacinas, a ferramenta mais eficaz para prevenir doenças graves, significaria um fim gradual ao horror.
Em vez disso, a desinformação fez com que muitos se recusassem a ser vacinados, o que reduziu a esperança de que o país atingisse a imunidade coletiva, o ponto em que um número suficiente de pessoas estaria protegido contra uma doença que ela não pode se espalhar pela população.
“Queremos ajudar as pessoas. E agora que as pessoas não estão sendo vacinadas, não estão acreditando em nós”, disse Chapman. “Eles estão questionando nossa educação e nossa formação. É doloroso, estamos cansados, estamos exaustos e, portanto, fomos moralmente feridos neste surto”.
Um médico do pronto-socorro que pediu para não ser identificado por medo de retaliação falou sobre a imensa frustração e esgotamento que os médicos sentem ao lidar com pacientes que exigem tratamentos não comprovados, mas continuam resistindo à vacina.
“Quero dizer, você pode imaginar se um dentista tivesse tantos argumentos sobre escovar os dentes quanto nós temos sobre a vacina contra a Covid?”, disso o médico.
Mais de 69.700 pacientes com Covid-19 estavam internados em hospitais dos EUA na quarta-feira – um número que vem crescendo desde a última vez que caiu para cerca de 45 mil em 8 de novembro, de acordo com dados do Departamento de Saúde e Serviços Humanos.
Os EUA tiveram uma média de 1.324 mortes por Covid-19 por dia na semana passada, 11% a mais que na semana anterior, de acordo com a Johns Hopkins.
Onda de pedidos de demissão
No início, os profissionais de saúde estavam dispostos a fazer sacrifícios transformadores para ajudar a salvar vidas em meio a uma pandemia que mudou o mundo.
Muitos alugavam apartamentos e viviam separados de suas famílias para atender seus pacientes. Moradores fizeram desfiles para agradecê-los por seu trabalho. Eles reutilizaram EPIs, cancelaram férias e trabalharam em turnos prolongados para empregadores que nem sempre valorizam a segurança de seus funcionários.
Mas agora, com a disponibilidade de vacinas que pode ser a única maneira de encerrar o ciclo da tragédia, muitos estão preocupados que os profissionais de saúde, desvalorizados e constantemente enfrentando ameaças, finalmente deem um basta.
Um estudo liderado pela American Medical Association examinou a relação entre “estresse relacionado à Covid e intenções de trabalho dos profissionais de saúde dos EUA” e destacou a séria preocupação de que o país possa estar à beira de uma “onda de rotatividade” no setor da saúde.
O estudo constatou que um em cada cinco médicos e dois em cinco enfermeiros pretendem deixar sua prática atual dentro de dois anos.
Até Lyons, que trabalha no mesmo hospital desde o início da pandemia, diz que está cada vez mais difícil permanecer otimista.
“É frequentemente desolador. É desmoralizante algumas vezes. Fazemos o nosso melhor para nos mantermos esperançosos”, disse ele. “Mas com o passar dos meses, nós nos encontramos cada vez mais cansados e cada vez mais colegas deixando a profissão. Fica mais difícil a cada dia”.
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Filas para testes da Covid-19 chegam a até três horas de espera em Barcelona, na Espanha • David Zorrakino/Europa Press via Getty Images
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Médico examina paciente com Covid-19 em hospital em Codogno, na Itália • 11/02/2021 REUTERS/Flavio Lo Scalzo
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Pedestres cruzam a ponte de Westminster após novas restrições serem implementadas devido à variante Ômicron do coronavírus • , em Londres28/11/2021 REUTERS/Tom Nicholson
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Shopping em Londres, Reino Unido. País sofre com a disseminação da variante Ômicron. • Reuters/May James
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Fila para tomar a dose de reforço em Londres, Inglaterra • Jeff J Mitchell/Getty Images
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Fila para testagem da Covid-19 em Nova York • Getty Images
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Testes de Covid-19 sendo realizados em Nova York • Anadolu Agency via Getty Images
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Pessoas aguardam em fila para teste de Covid-19 em Nova York • by Liao Pan/China News Service via Getty Images
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Fila para receber a dose de reforço da vacina contra a Covid-19 em Saint-Quentin-En-Yvelines, na França • Chesnot/Getty Images
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Ômicron causa aumento de casos na Alemanha • REUTERS/Annegret Hilse
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Com aumento de casos devido à Ômicron, filas para testes da Covid-19 em Fort Lauderdale, na Flórida, nos EUA • Mike Stocker/Sun Sentinel/Tribune News Service via Getty Images
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Lojas e restaurantes estão vazios em Haarlem, na Holanda, com a declaração de um novo lockdown após a chegada da Ômicron (21 dez. 2021) • Helene Wiesenhaan/BSR Agency/Getty Images
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Homem se testa para a Covid-19 em Mumbai, na Índia, onde a nova variante já chegou (18 dez. 2021) • Satish Bate/Hindustan Times via Getty Images
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Criança recebe vacina contra Covid-19 em Montreal, no Canadá • 26/11/2021 REUTERS/Christinne Muschi
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Local de vacinação contra a Covid-19 em Dacar, no Senegal • 28/07/2021REUTERS/Zohra Bensemra
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Idoso toma vacina da Pfizer-BioNTech contra a Covid-19 no Monte Athos, Grécia • 16/11/2021 REUTERS/Alexandros Avramidis