Estudo de DNA revela por que exército de Napoleão foi devastado; veja
Pesquisadores descobriram evidências de bactérias desconhecidas em restos mortais de soldados da campanha russa de 1812, revelando nova perspectiva sobre a derrota histórica

Próximo ao fim de seu reinado, o imperador francês Napoleão Bonaparte liderou um exército de mais de meio milhão de homens em uma invasão à Rússia em 1812. Seis meses depois, após o exército ser forçado a recuar, estima-se que apenas dezenas de milhares de seus soldados conseguiram retornar à França.
Conhecida como uma das guerras mais custosas da história, a morte de centenas de milhares de soldados foi atribuída não só às batalhas, mas também à fome, ao frio e a uma epidemia de tifo que se alastrou.
Agora, pesquisadores encontraram evidências no DNA dos restos mortais dos soldados de que pode ter havido múltiplas doenças que devastaram o exército, incluindo dois tipos de bactérias anteriormente não detectadas. O estudo foi publicado na sexta-feira (24) na revista científica Current Biology.
"Anteriormente, pensávamos que havia apenas uma doença infecciosa que dizimou o exército de Napoleão — o tifo", disse o autor principal Rémi Barbieri, ex-pesquisador de pós-doutorado do Instituto Pasteur em Paris, que atualmente ocupa uma posição de pós-doutorado na Universidade de Tartu, na Estônia. Em vez disso, os pesquisadores encontraram algo inesperado, abrindo caminho para potencialmente descobrir outras doenças infecciosas que podem ter contribuído para a morte dos soldados, acrescentou ele.
Os pesquisadores encontraram os patógenos — Salmonella enterica e Borrelia recurrentis, bactérias que causam febre paratifóide e febre recorrente, respectivamente — ao analisar dentes dos soldados mortos que foram encontrados em uma vala comum descoberta em 2001 em Vilnius, Lituânia.
As novas descobertas não apenas oferecem uma visão mais clara de um evento histórico significativo, mas também destacam como o avanço da tecnologia abriu portas para a compreensão de circunstâncias históricas, segundo os pesquisadores.
Caldeirão de doenças
Quando Napoleão e suas tropas chegaram a Moscou, não foram recebidos por soldados russos. Em vez disso, encontraram uma cidade abandonada, com plantações queimadas e sem suprimentos disponíveis, como alimentos seguros para consumo ou roupas limpas. Com a aproximação dos rigorosos meses de inverno, o exército francês foi forçado a recuar, mas não sem enfrentar muitas adversidades.
A Rickettsia prowazekii, a bactéria responsável pelo tifo, foi detectada pela primeira vez nos dentes dos soldados de Napoleão durante um estudo em 2006, mas a pesquisa foi limitada pela tecnologia disponível na época.
Para descobrir se o tifo foi o único responsável pela morte dos soldados, os autores do novo estudo utilizaram um método conhecido como sequenciamento de alto rendimento, capaz de sequenciar milhões de fragmentos de DNA simultaneamente. A técnica permite identificar DNA altamente degradado, como os fragmentos genômicos extraídos de amostras com mais de 200 anos.
"Isso só é possível com essas máquinas muito potentes capazes de sequenciar uma grande quantidade de DNA", afirmou o coautor do estudo Nicolás Rascovan, supervisor da pesquisa e chefe da Unidade de Paleogenômica Microbiana do Institut Pasteur. "Este tipo de análise, estes tipos de projetos, podem realmente fornecer um panorama muito mais claro sobre o cenário das doenças infecciosas no passado... e como eventos históricos também moldaram o panorama das doenças infecciosas atualmente".
Os autores do estudo analisaram 13 amostras e não encontraram vestígios de tifo, mas seu trabalho não desacredita as descobertas do estudo de 2006, ressaltaram os pesquisadores. A amostra do estudo também é pequena demais para determinar o impacto exato que as doenças tiveram no exército de Napoleão. "O que muda com nosso estudo é o fato de que agora temos evidências diretas de que havia várias doenças infecciosas diferentes presentes neste local", disse Rascovan. É provável que outras doenças ainda não detectadas também tenham contribuído, acrescentou.
Cecil Lewis, pesquisador de DNA antigo que estuda o microbioma humano, afirmou que os resultados não foram particularmente surpreendentes, mas classificou como uma contribuição significativa para "nossa compreensão sobre o fim do exército de Napoleão". Lewis, vice-presidente acadêmico da Escola de Ciência e Matemática de Oklahoma, não participou do estudo.
"Estamos agora em um período em que estudos de DNA antigo podem contribuir com mais nuances para a compreensão de tais eventos históricos, o que é empolgante", disse Lewis por e-mail. "Estudar patógenos históricos e antigos, seu lugar na história, oferece um vislumbre dos caminhos evolutivos que os organismos percorreram, alguns agora extintos, outros formando a base dos patógenos atuais".
E completou: "Esses dados nos ajudam a compreender melhor as possibilidades de como os patógenos podem impactar vidas, evoluir e persistir, o que é crucial para antecisar e gerenciar ameaças futuras."
A febre paratifóide e a febre recorrente ainda existem atualmente, mas não são tão comuns ou letais. Napoleão sobreviveu à retirada, mas seu exército reduzido acabou contribuindo para sua queda do poder alguns anos depois.
"É impressionante como, em tão pouco tempo, desde o primeiro estudo em 2006 até hoje, as tecnologias se desenvolveram tanto que podemos fazer coisas que eram impossíveis de sequer imaginar há alguns anos e agora são possíveis", disse Rascovan. "Por isso, estou muito animado para ver o que virá em termos de desenvolvimentos tecnológicos."


