Alex Atala e o D.O.M. de valorizar e exaltar os sabores brasileiros
Ele revolucionou a alta gastronomia brasileira, colocou ingredientes como tucupi e mandioca no radar mundial e usa a cozinha para transformar o país
Um dos pioneiros da alta gastronomia brasileira, ele ajudou a colocar a cozinha nacional no radar gastronômico mundial, assim como a desvendar potentes ingredientes da nossa terra antes usados apenas por povos locais ou pela indústria.
Ano após ano eleito um dos melhores chefs do mundo, Alex Atala continua a missão que iniciou no fim da década de 1990: conhecer mais o nosso território e os nossos produtores para colocar o Brasil à mesa – do mundo.
É esse o trabalho que desenvolve desde 1999 no D.O.M., seu estrelado restaurante na rua Barão de Capanema, nos Jardins, na capital paulista. Além do grande lustre que ilumina o salão central, a cozinha aberta também chama a atenção, principalmente aos olhos mais atentos: aos fundos, o quadro que representa um cocar é apenas um dos artefatos que sinalizam que o Brasil guia o ambiente, tanto nas paredes quanto nas panelas.
A história do D.O.M. é toda construída em cima de sabores brasileiros, mas o que o leva a um patamar diferente é um trabalho de pesquisa, sobretudo de simplicidade
Alex Atala
Foi ainda na infância que Alex teve contato com a Amazônia, em que anos mais tarde ajudaria a jogar luz ao bioma e aos ingredientes da rica região. Iniciou a carreira de chef na Bélgica, depois foi à França e partiu para desafios em cozinhas de Montpellier e Milão. Em 1994, já em São Paulo, esteve à frente dos restaurantes Filomena e 72.
A casa própria veio em 1999 com o Namesa e, no mesmo ano, nascia sua aposta autoral de uma cozinha contemporânea brasileira, o D.O.M. Mas os projetos não pararam por aí: em 2009 o chef deu vida ao Dalva e Dito, com um conceito mais informal de comida afetiva e, claro, bem brasileira.
Isso sem falar na partilha dos conhecimentos através de livros publicados nos últimos anos com foco na gastronomia brasileira. São eles: “Alex Atala – Por uma Gastronomia Brasileira”; “Com Unhas, Dentes e Cuca – Prática Culinária e Papo Cabeça ao Alcance de Todos”, com o sociólogo Carlos Alberto Dória; “Escoffianas Brasileiras”, com a jornalista Carolina Chagas, e “D.O.M. – Redescobrindo Ingredientes Brasileiros”.
“A Mandioca é a rainha do Brasil”
Figurinha carimbada entre os melhores restaurantes da América Latina, o D.O.M mira na simplicidade e acerta em obras de arte. Tome por exemplo seu suflado de mandioca: são apenas dois ingredientes, água e farinha de mandioca, mas que saem das mãos do chef com uma delicadeza ímpar. O alimento é para ser quebrado e apreciado junto de seus elaborados e saborosos pratos.
Além do suflado, Alex me recebeu por uma tarde no restaurante com algumas de suas inventividades para as gravações do segundo episódio da temporada especial do CNN Viagem & Gastronomia.
Ele tem desenvolvido uma mandioca com a mesma textura e que passa pelos mesmos processos do queijo brie. Já cozida, ele leva a matéria-prima para uma câmara e cria o mesmo mofo do brie, resultando em uma iguaria com o sabor e textura semelhantes ao do laticínio.
E não termina por aí: a água do cozimento é colocada em um sifão, então emulsionada e congelada, fazendo com que o líquido vire uma “neve”. Na boca, deixa um aspecto amanteigado. Em um prato ele junta o “queijo” de mandioca, a “neve” e finaliza com mel de jataí. Extraordinário e, ao mesmo tempo, simples.
“A mandioca vai ser a espinha dorsal da cozinha brasileira, o único ingrediente que já estava no Brasil antes do Brasil ser chamado assim. É o ingrediente que atravessa todas as fases do país e está presente hoje em todas as mesas, de todos os lares. A mandioca é a rainha do Brasil”, categoriza o chef.
Para arrematar minha visita, ele ainda preparou uma sobremesa com farofinha de mandioca, só que doce. O dulçor que sentimos não é de açúcar, mas sim da cebola caramelizada. Uma bolinha de sorvete com gota de chocolate finaliza o prato, pronto para ser apreciado e relembrado.
É lindo ver um dos principais chefs do mundo valorizar e difundir algo tão essencial para a vida no Brasil. Segundo o livro “Gastronomia Brasileira: da tradição à cozinha de fusão”, recém-lançado pela Le Cordon Bleu Brasil, a planta nativa da América tem fortes indícios de naturalidade brasileira, e era o principal produto agrícola das nações indígenas quando chegaram os primeiros colonizadores; o padre jesuíta José de Anchieta a chamava de “pão da terra”.
Até hoje a mandioca é processada em uma série de produtos alimentares que estão profundamente enraizados na tradição culinária do país, em especial nas regiões Norte e Nordeste. A mandioca é um patrimônio alimentar da cultura tradicional!
E no D.O.M. é assim: viajamos o Brasil inteiro através de pratos e conhecimentos. O trabalho de Atala pode ser resumido nas palavras do próprio chef: “Mostrar para as pessoas o quão diverso, o quão bonito e o quanto essa cozinha gera valor ao ingrediente, à cultura e à nossa marca que é o Brasil”.
Como experimentar o D.O.M.
Atualmente corre no restaurante o menu-degustação de 12 passos (R$ 690), um dos melhores caminhos para experimentar o trabalho autoral e contemporâneo que Atala quer nos comunicar.
Açaí, tucupi, jambu, mandioca, pirarucu, formiga saúva amazônica e diferentes méis são alguns dos ingredientes nacionais que podem estar no prato e que inclui ainda frutos do mar, carne e peixe. Vale destacar que, pelo mesmo valor, há o Reino Vegetal, versão vegetariana do menu.
Na toada dos ingredientes acima, o chef é também conhecido por difundir alguns alimentos antes não valorizados pela gastronomia. A pimenta baniwa, o miniarroz do Vale do Paraíba, os cogumelos yanomami, a priprioca e a baunilha do cerrado são alguns exemplos trabalhados a partir de pesquisas desenvolvidas no Instituto ATÁ, criado em 2013 pelo chef junto de uma equipe multidisciplinar com foco em fortalecer a cadeia produtiva e valorizar os pequenos produtores do país.
Em cartaz de segunda a sexta na casa, o menu executivo é também uma maneira de experimentar a comida de Atala gastando R$ 98. Há entradinha, prato principal com escolha de peixe do dia, frango ou carne e acompanhamentos servidos à vontade, dos tradicionais arroz e feijão bem feitinhos até banana, farofa e batatas.
“A gente se reconhece através do arroz e feijão. O brasileiro é um expert nessa combinação. Acho que um restaurante brasileiro tinha por obrigação fazer um arroz e feijão”, destaca Atala.
D.O.M.
Rua Barão de Capanema, 549 – Jardins, São Paulo – Brasil / Tel.: (11) 3088-0761 e (11) 3081-4599 / Horário de funcionamento: segunda a sexta-feira, das 12h às 15h e das 19h às 23h; sábado, das 19h às 23h; fechado aos domingos.