Entenda por que jovens se arriscam para viajar de graça pelo mundo
Viajantes se veem atraídos por oportunidades de voluntariado no exterior, em que se troca trabalho por hospedagem e outros benefícios

Enquanto assistia a vídeos de viajantes fazendo trabalho voluntário em troca de hospedagem gratuita, a nômade digital Naiara Saiz Bilbao achou que tinha encontrado o paraíso.
Ela entrou em uma das plataformas de voluntariado mais conhecidas, buscou algo parecido e encontrou um anúncio para trabalhar em um hostel na Costa Rica.
O texto chamava atenção de imediato: “Gosta da natureza e sonha em viver à beira-mar?”
Ao ler a descrição completa, Saiz Bilbao, espanhola, descobriu que a vaga envolvia cuidar das redes sociais do hostel por algumas horas ao dia, cinco vezes por semana, em troca de hospedagem gratuita em um lugar moderno, numa cidade litorânea cercada por floresta tropical e com piscina cristalina.
Viajante experiente e apaixonada pela América Central depois de diversas visitas à região, ela se animou com a oportunidade e se inscreveu rapidamente. Parecia um sonho — e, para uma mulher que viaja sozinha, também parecia seguro.
“Pensei: pelo menos vou me sentir protegida”, lembra. “Num programa de voluntariado pago, você acredita que o lugar vai cuidar de você.”
Mas as coisas não saíram como esperado. No início deste ano, Saiz Bilbao chegou a um prédio degradado e ainda em construção, com uma entrada que exigia subir uma longa escadaria até um hostel sem janelas.
“Foi um desastre”, conta. “Parecia uma prisão.”
Mais tarde, ela descobriria que a aparência do lugar seria o menor dos seus problemas.
Um setor em expansão
Saiz Bilbao é apenas uma entre muitos viajantes atraídos por oportunidades de voluntariado no exterior — prática em que se troca trabalho por hospedagem e, às vezes, alimentação ou outros benefícios.
“O conceito remonta ao tempo de Jesus Cristo”, diz Shay Gleeson, fundador da Helpstay, plataforma que conecta voluntários a anfitriões em mais de 100 países. “É basicamente uma forma de escambo. Você ajuda em troca de um lugar para ficar.”
Milênios depois, a ideia explodiu em popularidade graças à internet. A Worldpackers, por exemplo, afirma reunir mais de 7 milhões de usuários de 140 países, sendo a maior plataforma do setor.
Sua principal concorrente, a Workaway, oferece cerca de 50 mil experiências, enquanto a WWOOF — focada em fazendas ecológicas — diz ter atraído mais de 100 mil membros.
As oportunidades são vastas e variadas: há hostels que buscam recepcionistas, faxineiros e promotores de festas, escolas de surfe à procura de instrutores, famílias locais em busca de cuidadores, e até vagas para músicos e artistas dispostos a se apresentar ou decorar espaços.
Segundo a Worldpackers, quase metade dos anfitriões são organizações sem fins lucrativos que consideram o trabalho voluntário essencial às suas atividades. A empresa também ressalta que as experiências não são empregos, mas trocas culturais — e que uma categoria separada dedicada a “trabalhos” pagos será lançada em breve.
Não são apenas nômades digitais como Saiz Bilbao que procuram essas vagas e pagam as assinaturas das plataformas. Milhões de jovens, com tempo livre e pouco dinheiro, veem o voluntariado como uma forma mais autêntica e aventureira de conhecer o mundo — diferente dos pacotes turísticos convencionais.
“As novas gerações buscam mais do que fotos ou listas de lugares”, afirma Ricardo Lima, cofundador e CEO da Worldpackers. “Elas não querem turismo de massa, e sim experiências imersivas e autênticas.”
Experiência transformadora
A viajante Jenna Pollard, de Dakota do Sul (EUA), viveu sua primeira experiência internacional de voluntariado aos 28 anos, em uma fazenda familiar de amendoim perto de Pai, no norte da Tailândia.
Durante os dez dias de trabalho, em 2016, ela se encantou com a possibilidade de viajar de forma mais conectada, em vez de “apenas ficar em um hotel e visitar pontos turísticos”.
“Fiz amigos, aprendi a língua, ajudei em vários projetos e comi comidas incríveis”, ri. “O que mais eu poderia querer?”
Hoje, Pollard se ilumina ao lembrar da filha de 10 anos de seus anfitriões e das construções de bambu onde viveram.
Atualmente gerente de engajamento e educação na WWOOF USA, ela considera o voluntariado uma experiência transformadora.
“Muitas pessoas saem dessas vivências com a fé na humanidade restaurada”, diz. “Elas aprendem a viver em harmonia — não só com outras pessoas, mas também com o planeta.”
Para Pollard, essa magia acontece quando estranhos se conectam e viram amigos. “Tudo começa com um salto de fé, acreditando que vai dar certo”, afirma.
Mas enquanto o salto de Pollard mudou sua vida e carreira, o de Saiz Bilbao terminou em pesadelo.
Além do perfil enganoso do anfitrião, ela conta que foi tratada como empregada não remunerada.
Embora o acordo previsse tarefas de mídias sociais, foi instruída a limpar banheiros e áreas do hostel — no início, dia sim, dia não; depois, todos os dias; até que o trabalho chegou a oito horas diárias.
Saiz Bilbao afirma que não recebeu treinamento nem equipamentos de proteção para lidar com os produtos químicos usados na limpeza. “A água sanitária queimava meus dedos”, disse à CNN.
O golpe final veio quando percebeu que suas coisas haviam sido reviradas e que US$ 400 (cerca de R$ 2.153) guardados em seu mochilão haviam desaparecido.
Ao comunicar que deixaria o hostel, a espanhola diz ter recebido uma proposta de US$ 50 (R$ 269) para não deixar uma avaliação negativa na plataforma. Ela recusou.
Uma prática de risco?
A experiência de Saiz Bilbao foi marcante pelos motivos errados — mas será que fazer voluntariado é mais arriscado do que viajar da forma tradicional?
As principais plataformas afirmam priorizar a segurança dos voluntários e adotar medidas ativas para evitar situações perigosas.
A Helpstay diz que seu fundador revisa pessoalmente cada anfitrião; a WWOOF exige verificação de identidade e fotos dos locais de alimentação e hospedagem; e a Worldpackers avalia os anfitriões com base em referências e faz inspeções presenciais sempre que possível.
Essas plataformas também monitoram o desempenho por meio de avaliações e oferecem canais de suporte, como linhas diretas de emergência.
Ainda assim, todas ressaltam que apenas conectam viajantes e anfitriões — e que cada parte é responsável por sua própria segurança.
Viajar nunca é isento de riscos, argumentam, e o voluntariado não é diferente.
Gleeson afirma que a Helpstay orienta os usuários a fazer pesquisa prévia e elaborar planos de contingência, como fariam em qualquer viagem. “Não somos uma babá”, diz. “Isso é uma experiência para adultos.”
Lima vai além: “Me preocupo mais com os riscos de quem não viaja do que com os riscos de quem viaja”, afirma.
Saiz Bilbao, no entanto, teme que a romantização do voluntariado nas redes sociais faça muitos viajantes negligenciarem essa preparação.
Ela acredita que as plataformas acabam atraindo pessoas que não podem pagar por viagens convencionais — e, portanto, têm mais a perder se algo der errado.
A Worldpackers, por sua vez, diz que os influenciadores com quem trabalha são voluntários reais, que “não vendem um produto, mas ampliam um movimento”.
As mulheres, contudo, são as mais vulneráveis quando algo sai do controle. Segundo Gleeson e Lima, cerca de 70% dos usuários da Helpstay e 64% da Worldpackers são mulheres.
Essa predominância se deve, em parte, à percepção de que viajar por meio de uma plataforma é mais seguro. Muitas se sentem protegidas pela verificação de anfitriões e pelos comentários deixados por outros usuários.
Mas quando isso não basta, os riscos que elas tentam evitar — assédio, roubo, abuso — voltam à tona, e é exatamente sobre esses perigos que Saiz Bilbao gostaria que se falasse mais abertamente.
Gleeson diz que as próprias voluntárias da Helpstay estão liderando esse debate, deixando avaliações detalhadas e denunciando anfitriões problemáticos.
Falando por Zoom, de outro hostel na Costa Rica, Saiz Bilbao reforça que não quer desmotivar outras mulheres nem impedir ninguém de viver experiências de voluntariado.
Ela só quer que as pessoas viajem com cautela e se informem bem antes. “Não deixe de ir”, aconselha. “Vá — mas vá preparada.”



