Saiba por que turistas pagam R$ 538 mil para visitar locais "assombrados"
Fascínio por esse tipo de turismo pode ser a vontade de “se conectar com o outro lado” ou simplesmente a adrenalina de estar em um lugar reconhecidamente assombrado

Apesar de já ter passado seis anos viajando em busca de fantasmas, foi a visita a um prédio de 1821 em Savannah, na Geórgia, nos Estados Unidos, que fez a enfermeira Ashley Wiseman, de 41 anos, chorar de medo.
Durante um fim de semana dedicado a caçadas paranormais, em 2018, a moradora de Connecticut já estava desconfortável enquanto explorava com o grupo o centro histórico da cidade, no edifício que abrigava a cervejaria Moon River Brewing Company, hoje fechada.
Mas foi no segundo andar — que já funcionou como o City Hotel — que ela afirma ter ouvido passos atrás de si, sem ninguém por perto, seguidos pela visão de “uma velha de aparência abatida, quase ancestral”, como recorda.
Logo em seguida, no canto do salão, ela diz ter visto uma sombra distinta. Naquele momento teve a sensação de que “algo estava prestes a acontecer”. Pouco depois, segundo Wiseman, uma espécie de massa escura, sem rosto, “carregada de energia e raiva”, atravessou uma porta como se tivesse a intenção de ferir alguém.
“Sou uma mulher de ciência, mas aquilo me apavorou tanto que chorei depois”, conta a enfermeira, com 13 anos de carreira. O susto, no entanto, não a afastou do sobrenatural: desde 2012, ela calcula ter gasto mais de 100 mil dólares (aproximadamente R$ 538,4 mil) em cerca de 80 viagens dedicadas a fantasmas.
Wiseman não está sozinha nessa busca. Ela faz parte de um grupo informal de turistas paranormais — os chamados “exploradores do além”. Ao contrário dos visitantes ocasionais que encaram um tour de duas horas, esses viajantes planejam férias inteiras e investem somas consideráveis em experiências que podem render encontros inexplicáveis — e, de preferência, assustadores.
Desde a explosão de programas de TV sobre o tema nos anos 2000 e a popularização de canais no YouTube e podcasts especializados, o negócio de caçadas a fantasmas só cresce. E os destinos não se limitam a prédios abandonados cheios de teias de aranha: muitos incluem hotéis confortáveis, como o Stanley Hotel (o mesmo que inspirou Stephen King a escrever "O Iluminado"), em Estes Park, Colorado, ou o Lord Baltimore Hotel, em Maryland, onde pelo menos 20 pessoas morreram durante a Grande Depressão e onde, dizem, ainda vive o espírito de uma menina chamada Molly.
O fascínio por esse tipo de turismo varia: pode ser a vontade de “se conectar com o outro lado”, o desejo de conviver com pessoas de interesses parecidos ou simplesmente a adrenalina de estar em um lugar reconhecidamente assombrado.
“É o meu jeito de buscar emoção”, resume Wiseman, que já investigou locais como o histórico Rhodes Hall, em Atlanta. Em algumas viagens foi acompanhada da mãe, em outras conheceu até um namorado, na Irlanda.
“Não pulo de avião e nem me arrisco em pistas de esqui, mas caçar fantasmas me dá a maior descarga de adrenalina possível. Estar sentado no escuro com amigos, achando que nada vai acontecer, e de repente ver uma luz piscar ou ouvir um sussurro inexplicável faz o coração disparar. E é exatamente isso que eu busco.”
"Chocados, apavorados, perplexos"
O casal David e Alysia Leonhardt, contadores de Minnesota, mergulhou de vez nesse universo: desde 2013 já visitaram mais de 30 lugares assombrados. Tudo começou como uma alternativa de lazer depois que os filhos cresceram, mas o “vício” pegou rápido.
Eles cruzam os Estados Unidos de carro, gastando cerca de 5 mil dólares (cerca de R$ 26,9 mil) por ano em viagens e equipamentos paranormais. Alguns locais, de tão intensos, rendem visitas repetidas. Foi o caso da Farrar School, em Iowa, hoje famosa por abrigar uma figura sombria e agressiva chamada “o Diretor”.
Durante uma estadia em 2020, o casal ouviu um assobio inexplicável ecoar pelo prédio e testemunhou uma porta tremer violentamente sem que ninguém a tocasse. O episódio foi motivo suficiente para que voltassem várias vezes.
Essa emoção é justamente o que mantém os caçadores de fantasmas voltando. Paul Roberts, da Louisiana, já esteve nove vezes no Warner Grand Theatre, em Los Angeles, onde diz encontrar “energias receptivas”. Mas no histórico Gold Hill Hotel, em Nevada, viveu o oposto: ao se hospedar em uma cabana próxima à mina onde 35 homens morreram num incêndio em 1869, afirma ter sido fisicamente atacado por entidades. “Fiquei chocado, apavorado, sem reação — mas, anos depois, feliz por ter passado por isso.”
Entre o medo e a diversão
A socióloga Margee Kerr, autora de "Scream: Chilling Adventures in the Science of Fear", explica que há uma lógica científica para essa atração pelo paranormal. O que diferencia a caça a fantasmas de uma montanha-russa ou casa mal-assombrada de parque é a mistura entre a resposta fisiológica de “luta ou fuga” e a sensação de uma brincadeira de esconde-esconde.
“Há mudanças no corpo ligadas ao estado de alta excitação, quando o sistema nervoso simpático é ativado. E há o contexto da situação: a busca, a caçada. A maioria de nós adora essa antecipação desde a infância”, diz Kerr.
O cruzamento entre diversão e medo está presente em várias tradições — de fantasias de Halloween a jogos assustadores e histórias de terror —, que acabam evoluindo para a caça ao sobrenatural.
Esse fascínio também sustenta negócios locais. Em Key West, na Flórida, o autor David L. Sloan organiza tours no Fort East Martello Museum, onde fica “Robert, o boneco” — uma figura de marinheiro que teria vida própria e fama de causar desgraça a quem o desrespeita. O sucesso é tanto que a expressão “Robert fez isso” virou estampa de souvenir na cidade.
Experiências intensas
Nicole Beauchamp, de Michigan, cresceu em uma família fascinada por fantasmas. Desde 2009, já embarcou em cruzeiros paranormais e costuma visitar lugares como Nova Orleans, Belfast e o manicômio Trans-Allegheny, na Virgínia Ocidental.
Numa das explorações, ao caminhar num corredor escuro da ala geriátrica do antigo hospital, perguntou em voz alta se alguém estava ali. Imediatamente, ouviu o barulho ensurdecedor de centenas de macas e carrinhos de hospital vindo em sua direção. “Parecia que iam passar por cima de nós. Foi aterrorizante”, lembra.
Ela afirma ter gasto pelo menos 100 mil dólares nesse tipo de turismo, que combina com sua paixão por pesquisa histórica e com o senso de comunidade encontrado nesses eventos. “É um investimento alto, mas que vale a pena pelas experiências, pela história e pelas pessoas que conheci. É a primeira vez que me senti realmente compreendida.”
Esse sentimento de comunidade é recorrente. Mais do que perseguir fantasmas, os viajantes buscam um espaço de convivência, onde possam trocar histórias e se sentir parte de algo.
“Os fantasmas são o que atrai no início”, diz Amy Bruni, produtora e apresentadora de TV e fundadora da Strange Escapes. “Mas, quando chegam, percebem que existe uma comunidade inteira ali — e encontram gente com quem podem falar sobre o bizarro o fim de semana inteiro.”
Ainda assim, é a promessa do inesperado que mantém todos voltando. “Quando vi a porta tremer, meu pensamento foi: se essa entidade pode fazer isso, o que mais ela pode fazer comigo?”, questiona Leonhardt.
Esse tipo de dúvida gelada na espinha, somado ao boom de atrações ligadas ao Halloween, indica que o turismo paranormal deve continuar crescendo. E, para os caçadores mais dedicados, a busca pelo além está longe de terminar.



