Anielle e Silvio: Luto e Reconstrução
Ainda que a pauta, por um tempo, vá ser de investigação, revolta e solidariedade, também é urgente que seja em prol da coletividade de negros que não merecem sofrer mais ainda por receio do que e em quem confiar
Procura-se uma ministra ou ministro negro para ocupar o Ministério de Direitos Humanos.
Após o escândalo da demissão de Silvio Almeida e o acolhimento à ministra de Igualdade Racial, Anielle Franco, o mesmo governo que sabia da denúncia, mas não fez nada antes, está à procura de um substituto ou substituta que não deixe desfalcada a foto de ministros negros.
Escolher uma pessoa branca levantaria muitas críticas, com redução da presença de negros no retrato ministerial da Esplanada.
Por outro lado, a escolha de uma pessoa negra não basta, porque também não é garantia de compromisso do poder público com a luta dos negros e negras deste país.
Todo mundo saiu menor do episódio da semana passada. Aliás, de um episódio com a data de maio de 2023 e que alguns já sabiam sete meses atrás. Todo mundo, mas principalmente a causa negra, foi ao chão.
O sentimento de luto, após a morte de reputações e sonhos, precisa rapidamente ser substituído pela reconstrução de cenário e pelo fortalecimento de referências que a comunidade negra irá forçosamente passar.
Ainda que a pauta, por um tempo, vá ser de investigação, revolta e solidariedade, também é urgente que seja em prol da coletividade de negros que não merecem sofrer mais ainda por receio do que e em quem confiar.
O luto pode até ser apenas para alguns, mas a luta segue sendo, principalmente, de todos os negros. É que a causa é para todos e uma pessoa apenas não significa toda causa.
O fim de semana foi de reafirmar bandeiras, revisar conceitos e peneirar a chuva de palavras de um movimento que estuda, corre, busca tanto, mas não está sabendo lidar com tanta tristeza e divisão.
Não culpabilizar a vítima e não criminalizar o homem negro são marcas do campo progressista — só que entraram em total contraposição neste momento da história.
O nível de responsabilidade sobre a luta contra as desigualdades e recortes raciais no Brasil, que nunca foi fácil, exige agora ainda mais rigor.
Substituir um ministro negro retinto por outro ou outra garante o símbolo, mas não confirma a relevância à pauta.
O conceito em jogo é o tokenismo e o negro sabe bem o que é isso. Em inglês, a palavra “token” significa símbolo. A inclusão de tokens gera a falsa impressão de representatividade e igualdade porque ele (ou ela) está lá na foto, mas não tem real importância no grupo decisório e de relevância política em uma instituição.
Quem ganha com isso é a consciência pesada dos outros. O ícone está posto em destaque, naturalmente alivia quem não quer ser acusado por não contratar negros, mas simplesmente não tem poder.
Não à toa, a existência de lideranças do movimento negro que cheguem ao topo da cadeia de decisão é algo absurdamente raro no Executivo, Legislativo e Judiciário.
É como simploriamente dizer: o Brasil não é racista, tem até ministro negro.
O que o eleitor pode e não pode levar para a urna no dia da votação?